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O dilema brasileiro do licenciamento ambiental

O licenciamento ambiental, oriundo da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei Federal n. 6.938/81), é um dos principais instrumentos de promoção do desenvolvimento sustentável. No entanto, esse procedimento administrativo, que visa disciplinar a instalação e operação de empreendimentos que podem causar danos ao meio ambiente, sempre foi objeto de intensos debates quanto à sua aplicabilidade e operacionalização em todas as esferas do executivo.

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Por Leonardo Madeira é Gestor Ambiental , Doutor em Desenvolvimento , Gestão Pública pelo Centro de Liderança Pública (CLP). Professor Universitário e Gestor Ambi
Atualização:

Desde a sua implantação, o licenciamento ambiental exigiu um detalhamento do seu escopo, o que só foi possível em 1997, através da Resolução CONAMA 237. Após a aprovação de outras Resoluções mais periféricas, a Lei Complementar n. 140/11 lançou luz sobre as competências comuns entre os entes federados. No entanto, dada a importância da matéria e a dinâmica evolutiva da sociedade, o lapso temporal de 30 anos (1981-2011) revela que o procedimento administrativo pouco e/ou tardiamente amadureceu, apesar das discussões inflamadas.

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Inegavelmente, a burocracia inerente ao procedimento ganhou musculatura ao longo dos anos, entretanto, os operadores não receberam o suporte necessário para girar a engrenagem de uma "máquina" tão complexa. O resultado disso foi o engessamento de muitas ações estratégicas dentro do país, travando investimentos importantes, refletindo direta e indiretamente nos principais indicadores econômicos da nação, maculando a imagem do procedimento e lançando uma cortina de fumaça sobre a sua real função.

Quando se fala em suporte e/ou apoio, trata-se de condições básicas para a realização de qualquer serviço público. Por exemplo, estima-se, somente na esfera Federal, caso não realize concurso público em 2021, um déficit de 3 mil profissionais no IBAMA, principal órgão de referência no país quando se trata do assunto. A notável ausência de recursos humanos representa a "ponta do iceberg" quando se trata da matéria ambiental no Brasil, pois ao fazer a análise em escala micro observa-se que a situação tende a piorar, especialmente nos menores municípios, se traduzindo na ausência de condições mínimas de trabalho ou até mesmo na ausência de uma Secretaria Municipal de Meio Ambiente.

Atualmente, a principal tentativa de evoluir com a matéria do licenciamento ambiental é representada pelo Projeto de Lei n. 3.729/2004. O foco e/ou intenção é a desburocratização através da melhoria da eficiência do procedimento. Porém, após várias edições, depois de 17 anos da sua primeira redação, o mesmo está no centro dos debates sendo considerado por alguns um progresso e para outros um retrocesso. Além disso, dá sinais de uma discussão polarizada entre "preservacionistas" e "desenvolvimentistas". Essa dicotomia destoa do principal objetivo do instrumento que é o desenvolvimento sustentável, e, sem dúvida, a politização do debate dificultará ainda mais o entendimento do cerne da questão, pois sobrará ataques e faltará sobriedade.

Em suma, o que se observa no país, mais uma vez, não é a busca pela otimização do procedimento para fins de melhoria da qualidade do serviço, mas sim, a mudança da regra que torne mais fácil se chegar no resultado desejado. Em outras palavras, ao invés de investir no time em busca da melhoria do desempenho na competição, mexe-se na regra do jogo para que o mesmo tenha o caminho facilitado para ser campeão. Em matéria ambiental é o que temos visto! Ao arrepio dos princípios basilares do Direito Ambiental, diversas manobras, diretas e indiretas, já foram realizadas com o objetivo claro de adequar o ambiente ao empreendimento, e não o contrário. Um exemplo, estarrecedor, foi a ampliação "generosa" dos limites máximos de DBO (matéria orgânica biodegradável) para lançamento de efluentes em corpos receptores após a aprovação da Resolução CONAMA 430/11 que alterou a Resolução CONAMA n. 357/05. Traduzindo, aprovamos uma resolução que permite o lançamento de um esgoto tratado de pior qualidade nos nossos mananciais. Mais uma vez, ao invés de exigirmos mais investimento na eficiência das estações de tratamento de esgoto no país, decidimos por "adequar" a regra à realidade existente. As consequências disso? O tempo dirá, com certeza.

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É evidente que, sem o licenciamento ambiental, o Brasil caminharia para o esgotamento dos seus recursos naturais de forma muito mais acelerada. Porém, com ele, os resultados ainda estão muito aquém do que poderia/deveria ser. As disfunções acumuladas ao longo de décadas exigem medidas que o torne menos moroso, mais transparente e seguro juridicamente ao empreendedor. Porém, de nada adianta mexer no seu regramento se o seu sistema operacional é frágil. Por mais que sejam ações independentes, os resultados são sinérgicos e cumulativos.

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