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Envelhecer com saúde é uma possibilidade

Dona Adélia está em um abrigo na região serrana do Rio de Janeiro, ao visitá-la vi muitos idosos dormindo no sofá, alguns gritando que queriam ir ao banheiro (mas estavam com fraldas). Ao me avistar, abraçou-me, vi nos seus olhos que não se lembrava de mim, apresentei-me, dei muitos beijos e um longo abraço. Ela estava linda, penteada, com batom rosado, toda arrumada, uma bolsa preta colada no corpo, inseparável.

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Por Karla Santa Cruz Coelho , líder MLG , médica , ex-Diretora da Agência Nacional de Saúde Suplementar , Doutora em Saúde Coletiva e Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Atualização:

Fomos até o jardim e avistamos duas cuidadoras, elas disseram que ela não parece moradora de lá, pois não dá trabalho. Só para ir à missa, pois se demoram a abrir a porta, ela pula a janela.  Nós contamos que ela trabalhava numa multinacional e falava várias línguas.

No quarto, mostrou as fotos dos filhos, da neta, dos pais, dos irmãos, falou da sua rotina, e perguntava.

- Qual é o nome desta cidade?

E voltava a perguntar:

- Que cidade é essa? De quem é esse pijama? Para onde você está me levando? E essa sacola, de quem é? Por que estou carregando?

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Respondi pacientemente todas essas perguntas, ela finalmente encerrou a conversa.

- Minha memória está se apagando, sabe?

Nesta hora uma lágrima caiu do meu rosto. Ficou a dúvida: será que ela tinha noção do que estava acontecendo? Voltou a saborear seu sorvete de morango com creme. Da janela do abrigo, falou:

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- Volte sempre.

No carro, de volta para casa, pensei que, ela já não se lembra de mim, do domingo, do sorvete, mas eu me lembro bem quem ela é.

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Dona Adélia tem 75 anos. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística  (IBGE), a média de vida de um cidadão brasileiro é de 76 anos em 2018. Expectativa ou esperança de vida corresponde à quantidade de anos em média que uma determinada população vive. Esse item é um importante indicador social que serve para avaliar a qualidade de vida de uma população de um determinado lugar.

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A qualidade e o fim da vida de Dona Adélia serão parecidos com a de muitos idosos no Brasil. Em 2060, a população brasileira idosa (acima de 60 anos) mais que dobrará de tamanho e atingirá 32,1% do total de habitantes. Atualmente, ela representa 13,4%. Em 2060, um quarto (25%) da população terá mais de 65 anos e a expectativa de vida será de 81 anos.

Um efeito do envelhecimento populacional é o aumento da prevalência de doenças crônicas. Segundo o IBGE, 40% dos brasileiros adultos já vive com essa condição. O que faremos com nossos idosos, como Dona Adélia, que possui demência senil? E como a saúde lidará com essa população cada vez mais presente no Brasil, nas cidades, nas ruas e nas nossas famílias? É essencial promover a discussão de modelos de atenção que tenham foco em idosos, com coordenação do cuidado, no qual um profissional é responsável por isso. Investir em espaços compartilhados de lazer e atendimento multidisciplinar é salutar para evitar o isolamento e a depressão tão comum nesta faixa etária.  Alguns projetos de estímulo à alimentação saudável e à prática de atividades físicas vêm sendo realizados com sucesso. Estes são voltados para a prevenção e para a qualidade de vida, possibilitando, assim, envelhecer de forma saudável.

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