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Ciência, Tecnologia e Inovação para resolver desafios públicos

Em artigo recente, o economista Dani Rodrik levantou uma questão central sobre os rumos da inovação tecnológica no mundo. Embora o Estado possua um papel central na promoção à inovação, é a iniciativa privada que tem determinado quais tecnologias resultam desse processo. Para o autor, se o Estado possui um papel central no desenvolvimento tecnológico, "como sociedade, deveríamos nos preocupar não apenas com quanta inovação ocorre, mas também com o tipo de tecnologia que é desenvolvido". Ou seja, se a inovação tecnológica é uma atividade subsidiada e apoiada pelo poder público, deveria haver uma preocupação, por parte dos governos, de que ela não resulte em tecnologias que ampliem desigualdades ou aprofundem a crise climática em curso, por exemplo.

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Por João Arthur Reis é Diretor Técnico na Coordenadoria de Ciência , Tecnologia e Inovação da Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo. É graduado em Relações Internacionais pela Univ
Atualização:

De fato, em economias desenvolvidas, o setor privado responde pela maior parte do investimento em atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D), além da realização dessas atividades em si. No entanto, é o Estado quem fornece as bases para isso. Esse apoio estatal pode acontecer tanto de maneira direta, por meio de subvenções econômicas, deduções tributárias, crédito subsidiado ou facilitado e financiamento em pesquisa básica, como de maneira indireta: financiando a educação, o ensino técnico e provisão das bases institucionais e legais que estimulam a inovação. O investimento público em P&D alavanca o privado. E as políticas públicas e regulações estabelecem a base legal e institucional para esse investimento.

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Segundo dados do Instituto de Estatísticas da UNESCO, os países com maior investimento total em P&D como proporção do PIB, possuem em comum o fato de terem um grande percentual de investimento privado: 78% na Coreia do Sul, 71,5% nos Estados Unidos e 67% na Alemanha, por exemplo. Mas nesses países há também um volume substancial de investimento público, além de políticas públicas bem-sucedidas de apoio à inovação.

Todos são países com forte investimento em educação básica e superior, investimento sólido em pesquisa básica, além da existência de institutos de pesquisa governamentais com missões claras de avançar a fronteira do conhecimento em determinado campo e/ou de realizar pesquisa aplicada, apoiando o setor privado no desenvolvimento de novos produtos, processos e modelos de negócios. Adicionalmente, todos desenvolveram políticas para apoiar negócios de pequeno e médio porte, que passaram a desempenhar um papel maior nas atividades de inovação nas últimas décadas.

Contudo, apesar da importância dessas políticas públicas, há pouca atenção por parte dos governos para as consequências sociais do processo de inovação tecnológica resultante. A preocupação tende a ser com quanta inovação está sendo desenvolvida e seus efeitos sobre o aumento da produtividade. Evidentemente, esses resultados são objetivos relevantes de políticas públicas, mas o que se quer destacar aqui é que inovação não possui só uma taxa, possui também uma direção.

As novas tecnologias, produtos e processos resultantes podem ter resultados positivos do ponto de vista do aumento da produtividade, mas não são inerentemente positivos do ponto de vista social. Exemplos são a exploração de dados pessoais sem a aquiescência ou mesmo conhecimento dos usuários, tecnologias de reconhecimento facial ou um foco excessivo na automação. Nesse quesito, as decisões são tomadas principalmente pelo setor privado e, na medida em que a lógica privada tende a minimizar riscos e reforçar tendências que levem a maior lucratividade no curto prazo, há pouca preocupação acerca dos resultados sociais, ambientais e mesmo com as implicações para direitos humanos.

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O ponto central é que a dimensão qualitativa da inovação importa tanto quanto sua taxa de crescimento. E orientar essa direção deve ser objeto de atenção das políticas públicas, que devem responder a desafios enfrentados pela sociedade tais como: transição para uma economia verde/de baixo carbono, melhor oferta de serviços públicos em saúde, educação e assistência social.

O texto de Rodrik não traz uma proposta inédita: a economista ítalo-estadunidense Mariana Mazzucato já em 2013 trouxe a necessidade de se pensar o papel do Estado na indução das políticas de inovação em seu livro O Estado empreendedor: Desmascarando o mito do setor público vs. setor privado. Nele, a autora aponta para a necessidade de implementar políticas de inovação centradas em missões, ou seja, na resolução de grandes desafios sociais, como uma resposta para o desafio de gerar retornos sociais para o investimento público em inovação. Se trata de se afastar de uma lógica econômica que tem como objetivo da intervenção estatal a correção de falhas de mercado, para uma que pensa na atuação do Estado como criador e estruturador de mercados.

O trabalho de Mazzucato teve resultados práticos na formulação de políticas, como a Política de Ciência, Tecnologia e Inovação da União Europeia, a Estratégia Industrial do Reino Unido, e a criação do Banco de Desenvolvimento da Escócia. O ponto comum a essas políticas foi a formulação de estratégias de inovação voltadas para resolver grandes desafios públicos, como despoluição de mares e rios e melhoria do transporte público, e a aplicação de instrumentos de políticas públicas adequados isso. Para tecnologias de maior período de maturação, são propostas formas de financiamento de longo prazo: o chamado capital paciente. Para apoiar tecnologias emergentes na resolução de desafios imediatos do poder público, é proposto o uso de compras públicas de inovação, em que o Estado age como um comprador em primeira instância, reduzindo riscos das empresas.

É importante destacar que esse protagonismo estatal não significa agir de maneira isolada. O uso de recursos públicos pode servir para alavancar esforços da iniciativa privada e do terceiro setor, tornando o governo um articulador e mobilizador dos ecossistemas de inovação.

Até aqui tratou-se de países desenvolvidos. E o Brasil? Em primeiro lugar, apesar da qualidade e relevância internacional da ciência produzida no Brasil, o grau de maturidade dos ecossistemas de inovação do país não estão no mesmo patamar do que os países citados anteriormente. Em um padrão comum à maior parte dos países em desenvolvimento, a proporção do investimento em P&D vinda do setor público é maior do que a privada. Em uma exceção que confirma a regra, só em São Paulo o aporte privado se situa em um patamar acima de 50%.

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A principal razão para isso é o fato de que o Brasil não implementou, até hoje, políticas de inovação de forma sistemática, coordenada e temporalmente contínua. A exceção, novamente, vem de São Paulo e do financiamento da FAPESP à pesquisa, ciência e inovação, que se beneficia há décadas, de um repasse fixo da arrecadação do estado. Aliás, o patamar de investimento privado em inovação no Estado de São Paulo não pode ser analisado sem levar em conta o sólido financiamento público da FAPESP, atestando o papel de alavanca que o recurso público pode desempenhar.

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Esse fato é ainda de maior relevância agora, quando o investimento público em Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil está reduzido a um mínimo histórico, e é necessário lutar por sua recuperação a taxas condizentes com o porte e o potencial do país. E essa retomada do investimento é uma oportunidade para uma reflexão estratégica sobre as políticas de apoio à inovação tecnológica que devem acompanhá-la.

Programas de financiamento à pesquisa básica e aplicada, bem como instrumentos de apoio para empresas inovadoras devem ter como norte o enfrentamento de desafios públicos de grande porte, e de caráter multidisciplinar, como o controle do desmatamento e a provisão de saúde pública, para ficar apenas em dois exemplos. A recuperação do investimento em Ciência, Tecnologia e Inovação, bem como a formulação de novas políticas de inovação para o Brasil, são oportunidades para direcionar esse esforço para a solução de mazelas históricas do povo brasileiro.

 

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