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O outro lado da notícia

Carlos Langoni: 'A decolagem é lenta, mas a recessão acabou'

Para o ex-presidente do Banco Central, a crise política não deverá abortar a retomada, embora as projeções de crescimento sejam revisadas para baixo

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Por José Fucs
Atualização:

 Foto: Marcos de Paula/Agência Estado

O economista Carlos Geraldo Langoni, de 72 anos, ex-presidente do Banco Central e diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro, está convencido de que, depois de dois anos e meio, a recessão, enfim, ficou para trás. Segundo ele, as previsões de crescimento para o Produto Interno Bruto (PIB) em 2017 e 2018 estão sendo revisadas para baixo por causa da crise política, mas ela não deverá abortar a decolagem da economia. Nesta entrevista ao Estado, Langoni fala sobre o descolamento entre a política e a economia e os efeitos da aprovação da reforma trabalhista e da condenação de Lula nos negócios. Ele analisa, também, as consequências de uma eventual rejeição da reforma da Previdência pelo Congresso Nacional.

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Os mercados reagiram de forma positiva à condenação do ex-presidente Lula: a Bolsa subiu e o dólar caiu. Em que medida a sentença de Lula pode influenciar a economia? Ela reforça a independência do Judiciário e sinaliza que as instituições democráticas do País são sólidas. Mas, apesar da reação favorável dos mercados, é preciso aguardar as eleições de 2018 para avaliar melhor suas consequências econômicas. Agora, eu acredito que reduz a probabilidade de haver uma mudança de rota na política econômica atual.

Como o senhor viu a aprovação da reforma trabalhista pelo Senado? Que impacto isso terá na economia? Tem um impacto direto e positivo sobre o ambiente de negócios e funciona como um contraponto às incertezas políticas. É emblemático que, apesar de toda a turbulência política, o Congresso tenha aprovado a modernização das leis trabalhistas. Isso vai ampliar a geração de empregos formais e permitirá ganhos expressivos de produtividade.

Muitos economistas dizem que a economia está se descolando da crise política. O senhor concorda com eles?  Sim, apesar de toda a tensão política que contagiou o Congresso e o epicentro do Poder, a resiliência demonstrada pela economia brasileira é admirável. O que está acontecendo hoje é bem diferente do que aconteceu na eleição de Lula em 2002 e no primeiro semestre de 2016, antes do impeachment, quando câmbio e juros dispararam e houve uma queda acentuada na Bolsa. Agora, os mercados estão relativamente comportados. Os juros mostram tendência clara de queda e o câmbio, relativa estabilidade. Isso sugere que o contágio da percepção de risco país pela tensão política foi baixo.

A percepção de que, independentemente do desfecho da crise política, a estratégia econômica deve continuar, ancorada numa equipe econômica altamente qualificada, é fundamental

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Em relação à economia real, os efeitos da crise política parecem mais visíveis, com a desaceleração da retomada. Como o senhor analisa isso? A decolagem da economia brasileira é lenta, mas dentro do que se poderia esperar depois de dois anos e meio de recessão. As projeções do PIB (Produto Interno Bruto) estão sendo revisadas para baixo, mas continuam positivas, com estimativa de crescimento de 0,4% neste ano e de 2% em 2018. A recessão acabou, mas o crescimento continua abaixo do que poderia ser. A divulgação da delação do empresário Joesley Batista em maio interrompeu a tendência positiva dos índices de confiança. Mas não parece ter força para abortar a decolagem da economia, como aponta o bom desempenho da indústria em abril, puxado pelo setor automobilístico, apesar de a recuperação do comércio e dos serviços ser mais frágil.

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A que o senhor atribui esse resultado?A mudança de foco da política econômica já deu frutos importantes. Ela passou a se concentrar na correção dos desequilíbrios macroeconômicos e está abrindo espaço para o setor privado, com uma onda de concessões e a adoção de marcos regulatórios consistentes. A percepção de que a estratégia econômica deve permanecer inalterada, ancorada numa equipe econômica altamente qualificada, independentemente do desfecho da crise política, também é fundamental. A política econômica pode até sofrer desvios, ajustes de timing. A natureza das reformas também pode sofrer ajustes, mas a direção não deve mudar. Não é nem uma escolha ideológica, é pragmática mesmo.

Na prática, o que explica a atual resiliência da economia? Dois fatos novos merecem destaque: o primeiro é o sucesso do ajuste no setor externo, que não depende do Congresso ou de composições políticas. Em 2014, o déficit em conta corrente do País era de 4,2% do PIB. Hoje, está em torno de 1% PIB, graças, principalmente, à recuperação da balança comercial, que deverá acumular um saldo de US$ 60 bilhões neste ano. O fluxo investimento estrangeiro deverá ficar entre US$ 75 e US$ 80 bilhões. O Brasil tem, hoje, um colchão de liquidez de cerca de US$ 370 bilhões, que são as nossas reservas. Somos credores líquidos em moeda forte. Temos reservas maiores que a nossa dívida externa. Isso dá uma grande resistência a choques externos. O risco Brasil, que chegou a 570 pontos-base no pico, em fevereiro de 2016, hoje está em 227 pontos-base, caminhando para níveis pré-crise. O outro ponto importante é o ambiente benigno da inflação e a queda dos juros, que não foi interrompida com a crise. O Banco Central tem espaço para deixar a taxa básica abaixo de 8% no final do ano. Essa flexibilização monetária, aliada à distensão no mercado de crédito e ao efeito positivo da inflação baixa sobre os salários, funciona como uma âncora para as expectativas, absorvendo choques políticos.

Não concordo que, se a reforma da Previdência não for aprovada, o País terá uma recaída recessiva

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Como o atraso na reforma da Previdência pode afetar esse processo? Acredito que há um exagero no que se refere ao impacto da reforma da Previdência. Não concordo que, se a reforma da Previdência não for aprovada, o País terá uma recaída recessiva. O mundo não acaba ou começa na reforma da Previdência, como se ela tivesse o condão mágico de resolver todos os nossos problemas. Ela é importante? É. Mas não esgota as reformas. O efeito da reforma da Previdência se dá ao longo tempo: no curto prazo o impacto negativo é sobre as expectativas, principalmente em relação à sustentabilidade fiscal. Se for adiada, é preocupante, porque mantém a tendência de crescimento da relação dívida/PIB, mas o que importa é que há uma conscientização em relação à questão e que mais cedo ou mais tarde a reforma da Previdência vai se tornar realidade.

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De qualquer forma, o senhor acredita que será possível aprovar a reforma da Previdência? Com o aprofundamento da crise política, o Congresso provavelmente aprovará uma reforma minimalista. Em todos os países, este é um processo demorado. Muitas vezes, leva três ou quatro anos para aprová-la. Por isso, não acho nada absurdo se a reforma da Previdência for adiada para 2018/2019 ou que seja aprovada uma reforma parcial a ser complementada pelo novo Presidente. Isso não significa que País vai voltar para a recessão. Agora, não podemos repetir a tragédia grega, nem a experiência dramática do Rio de Janeiro, que não tem capacidade de honrar a aposentadoria de seus funcionários públicos. Seguramente, quem for o presidente em 2019 vai ter que enfrentar esse desafio e implementar ou aprofundar a reforma.

Qual a probabilidade de o governo ter uma recaída populista para tentar ganhar apoio da população? O Estado brasileiro faliu e não pode liderar o processo de crescimento, nem de forma direta, por meio de gastos e investimentos públicos, nem de forma indireta, por meio de subsídios creditícios e tributários. Hoje, a retomada do crescimento depende do setor privado. Essa restrição orçamentária objetiva limita muito o espaço para novas recaídas populistas ou aventuras heterodoxas. Me parece inexorável a continuidade e até ampliação dos programas de concessões e privatizações, especialmente no setor de infraestrutura.

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