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Políticos vêm e vão, o Brasil fica

Por Ana Paula Henkel
Atualização:

Na semana passada, comemoramos na América o Dia de Ação de Graças, evento que reúne as famílias do país num espírito de comunhão, paz, união e boa vontade. É a única data que realmente para o país. Em volta da mesa, agradecemos tudo que recebemos de bom no último ano e renovamos os laços com quem mais amamos. É uma data em que buscamos superar as diferenças em nome do milagre da vida e do privilégio de viver numa nação livre e abençoada.

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Foi neste clima que li um email de um (agora ex) amigo que rompia unilateralmente a amizade comigo por preferências políticas que ele supõe que eu tenha, sem se dar ao trabalho de perguntar ou checar, e por eu ser "conservadora", palavrão da atualidade (peguem suas bóias, a onda conservadora está passando, dizem). O texto mencionava significados tão rasos e equivocados sobre o conservadorismo, algo que no universo mental do autor significa "apoio à censura" e "apoio à ditadura", que achei que a conta de email do (agora ex) amigo intelectual tinha sido hackeada.

Ler o que li, ainda mais morando num país profundamente conservador como os EUA, no sentido correto do termo, e que é o símbolo da liberdade e da democracia no mundo, torna tudo ainda mais surreal. Pensei então em Edmund Burke se revirando no túmulo se ouvisse aquelas palavras costuradas equivocadamente à ideia do conservadorismo do meu (ex) amigo engajado.

O email me acusa, julga e condena sem provas e sem dar qualquer direito de defesa, mas de alguma forma seu autor acredita que essa é uma forma de combater a "ditadura", quando é exatamente assim que ditaduras tratam quem ousa ser visto como inimigo do regime. A intolerância em nome de uma versão pervertida da ideia de tolerância, como o tal email mostra, é um dos males do século.

Sou eleitora no Brasil mas ainda não decidi meu voto para a próxima eleição presidencial. Como diz o genial Guilherme Fiuza, "faltam dez anos para 2018". Se discutir nomes e candidatos com tanta antecedência é um exercício apenas especulativo e fútil, o que dizer de quem rompe amizades sob o mesmo pretexto? Somos ou deveríamos ser melhores que isso. Pra quê essa saia justa?

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E vamos ser francos, numa saia justa está o Brasil, ou melhor, numa encruzilhada. Depois de mais de dez anos sequestrado por um projeto cleptomaníaco de poder que dinamitou a economia, minou as instituições e dividiu a sociedade como nunca se viu antes, temos a chance rara de discutir um novo rumo fora das respostas fáceis e erradas para problemas muito difíceis. Não podemos desperdiçar mais uma vez a oportunidade de repensar o país além de candidaturas. Políticos vêm e vão, o Brasil fica.

Na América passamos por uma das eleições mais imprevisíveis de todos os tempos. Candidatos nada populares se confrontaram em debates pra lá de inusitados. A democracia não é perfeita, mas é um sistema que ao menos tem a possibilidade de aprender com os próprios erros. Os problemas da liberdade são curados com mais liberdade. A América é uma nação que sempre prezou a alternância de poder.

Não é sempre assim, claro. As duas eleições de Barack Obama provam que o eleitor não está imune a votar em personagens carismáticos a despeito de suas ideias. Não há uma profunda diferença ideológica ou programática entre Obama e Hillary, ambos pregam a mesma cartilha progressista, porém, muito da histórica derrota de Hillary Clinton e de seu partido em 2016 - o pior resultado eleitoral em quase 80 anos - pode ser computado à imagem nada carismática e arrogante da democrata.

Do lado republicano, uma parte importante do eleitorado de Donald Trump, mesmo não simpatizando com seu linguajar chulo, seu topete laranja ou seus tweets malcriados, tapou o nariz e votou no candidato que a América precisava e não o que desejava. Metade do país decidiu ignorar seu personagem e focar em mais seriedade no controle de fronteiras e menos amarras para trabalhar, em mais apoio aos jovens que lutam no exterior contra o terrorismo do que políticas internas para agradar ativistas e minorias barulhentas que vivem contra o senso comum e a maioria silenciosa. Republicanos não votaram num salvador da pátria, mas em ideias e em um plano de governo mais conservador, com mais foco nos indivíduos, no empreendedorismo e na produção.

Se a América pagou o preço de ter por oito anos um presidente progressista que dobrou o déficit público acreditando que ao menos conseguiria avançar nas questões raciais, o que lamentavelmente não aconteceu, como justificar o aparecimento recente no Brasil de candidaturas como a de Luciano Huck? O que pensa o apresentador, quais são suas ideias, qual era sua proposta para o país? Quais credenciais mostrou ao brasileiro para merecer tanta atenção e consideração como presidenciável? Qual sua plataforma? São perguntas que devem ser feitas para qualquer candidato. Nomes ou personagens carismáticos podem vencer eleições, mas são ideias e planos de ação que movem um país. Por que não estamos discutindo essas ideias?

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Quem adere ao erro de apenas defender nomes em vez de propostas neste momento tão delicado da nossa história está abdicando de pensar e tudo que precisamos agora é de cabeças pensantes e questionadoras que ofereçam alternativas para o país fora das amarras do pensamento hegemônico que nos trouxe até aqui. Ver intelectuais como meu ex-amigo seduzidos pelo jogo baixo da rotulação barata é mais um sinal de como ainda precisamos avançar politicamente, independente do resultado de eleições.

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Perdi uma amizade sem saber o que ele pensa sobre como tirar o Brasil do atoleiro. Ele sequer me explicou o que quis dizer com ser um "liberal radical" em contraposição ao que pensa que é o meu "conservadorismo". Tenho certeza de que seria uma conversa esclarecedora e enriquecedora para ambos, mas esta foi mais uma oportunidade perdida. Espero que ele não perca as próximas e saia da pequena bolha de quem apenas repete o que já sabe ou pensa que sabe.

Meu desejo é que outras amizades não se percam por política. É hora de conversar mais e rotular menos, de pensar mais e gritar menos, de apontar o lápis e não o dedo, de propor sem impor ou supor. Faça um exercício: escreva cinco propostas objetivas para o país e apresente para os amigos. Argumente, discuta, ouça e troque ideias com respeito, empatia e curiosidade sincera pelas dúvidas e objeções dos outros. É só assim que vamos avançar, votando em políticos que defendam nossas ideias e não as deles.

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