A tia russa do WhatsApp

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Por Ana Paula Henkel
Atualização:

Sou brasileira e, mesmo daqui de Los Angeles, não desisto nunca de aproximar o país que me deu tudo com a nação que me acolheu há quase dez anos. É por esse amor que venho denunciar a ação da poderosa Strovenga, a tia russa que tirou os progressistas do poder nas eleições americanas em 2016 e agora vai impedir a candidatura popular de nos aproximar ainda mais do socialismo em 2018. Caracas!

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Para refrescar a memória dos amigos: os bem pensantes de Davos ainda se recuperavam do Brexit quando, chocados, descobriram que o povo americano cometeu a mesma ousadia que os britânicos votando com a própria consciência, ignorando a orientação dos que sabem das coisas e entendem mais, sabem mais e decidem melhor que o povo o que o próprio povo precisa. Ah! Essa tal de democracia, um sistema tão falho que permite essas insolências de validar o que o povo quer.

Logo após a vitória de Donald Trump em 2016, os que sabem mais que nós se reuniram e decidiram que a culpa do resultado da eleição era da Rússia, aquele país tão bajulado por Obama como presidente e Hillary como Secretária de Estado, que por algum motivo que agora me escapa teria interesse em colocar um nacionalista ferrenho no governo americano. Nem Dostoiévski entenderia essa lógica, mas quem disse que a esquerda precisa fazer sentido?

A imprensa mergulhou na narrativa de que a Rússia havia participado da eleição americana, ajudada por membros da "Comunidade de Inteligência", apelido para um punhado de burocratas contratados por Barack Obama durante seu governo, numa evidente tentativa de desestabilização baseado em "fontes não identificadas", dossiês fajutos e alguns posts patrocinados no Facebook que não seriam capazes de eleger um vereador em Tribobó do Oeste. Uma história rocambolesca que não para em pé, mas serve para criar uma aura de desconfiança em relação à democracia americana que cai como uma luva para seus inimigos.

Depois de dois anos de investigação e milhões de dólares gastos na operação "quem influenciou a eleição americana", nada de relevante foi encontrado na investigação apelidada por Trump de "caça às bruxas", mas todo americano de esquerda e seus despachantes na imprensa juram, de pé junto, que Putin é chefe de Trump e que o bufão só chegou ao posto de homem mais poderoso do mundo por causa da "interferência russa". O presidente-agente-laranja já tomou diversas medidas contrárias aos interesses russos, foi duro com Putin em diversas negociações, mas quem se interessa pelos fatos? O que importa mesmo é repetir a narrativa e desviar a atenção do sucesso da política externa e da economia sob Trump. Contra fatos, que têm sido verdadeiros incômodos às falácias da turma progressista, só narrativas em tempos de pós-verdade.

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No Brasil, de acordo com todos os institutos de pesquisa, tudo aparentemente corria para a eleição tranquila de Jair Bolsonaro quando surge a nossa "Rússia", na forma mais amadora das tias do WhastApp (vocês precisam de umas aulas com tio Barack pra melhorar essas fake news). A explicação para a provável derrota de Haddad, um fantoche comandado da prisão, e do PT não está no Mensalão, nos aloprados, nos milhões de desempregados, na prisão de Lula e de vários dos seus aliados mais próximos, nem no Petrolão, considerado o maior esquema de corrupção em uma democracia. Os votos em Bolsonaro e a rejeição ao partido mais corrupto da nossa história estão nas senhoras que mandam mensagens de "bom dia" em letras maiúsculas dizendo que o PT estaria planejando pintar o Palácio Alvorada de vermelho e trocar o hino nacional pela Internacional Socialista. Já as incontáveis mentiras ou meias-verdades publicadas em grande parte da imprensa para beneficiar o PT não teriam qualquer influência no resultado da eleição, uma confissão de irrelevância que só pode ser explicada pelo ato falho.

Para unir solidariamente as esquerdas daqui dos EUA e do Brasil, apoio que a investigação seja conduzida pela Interpol para que possamos finalmente conhecer o paradeiro da tia Strovenga, a russa que elegeu Trump e que caminha para eleger Bolsonaro entre um afago no gato siamês, um chá de camomila e a novela que ninguém é de ferro. Tia Strovenga, que é russa mas odeia o comunismo, ajudou Trump a ser um presidente muito mais hostil à Rússia que seu antecessor, depois viabilizou a candidatura do deputado federal mais votado do Rio, em sétimo mandato, que elege os filhos para o legislativo em votações acachapantes, que teve quase cinquenta milhões de votos no primeiro turno e que colocou quem quis no parlamento nesta eleição. Não foi o povo, amigos, foi a poderosa e maligna tia Strovenga e seu poderoso WhatsApp que dispara fake news entre a soneca da tarde e o chá das cinco.

Lembro do tempo em que Lula vencia as eleições presidenciais e a imprensa elogiava a "sabedoria popular", a "voz das urnas" e o "recado do eleitor". De repente, do nada, o povo tem ódio, raiva, é ignorante e manipulável (50 milhões de fascistas), e só vota em Bolsonaro por causa de notícias falsas enviadas pela tia no WhatsApp.

Há pouco mais de um ano, uma "tia do WhatsApp" chamada Regina foi a voz da maioria silenciosa em pleno programa da Fátima Bernardes, para horror de um time de subcelebridades enojadas com uma senhora amável e que apenas queria saber "e a criança?". A vovó arquetípica que aparecia naquele momento, uma agente (russa?) infiltrada no Projac, não conseguia aceitar que a moralidade das festas da Delfim Moreira, aquela que relativiza criança com adultos pelados em museus, fosse imposta ao resto do país. Dona Regina lavou a alma do país e horrorizou os bem pensantes numa guerra que se decide neste domingo.

Como se tem dito por aí, o maior problema do PT nunca foi notícia falsa, mas as verdadeiras. Depois da Lava Jato, ficou difícil esconder o caráter e a motivação dos intelectuais que sofrem de indignação seletiva, daqueles que acham que a sabedoria popular e a liberdade são riscos para um mundo em que eles, em Davos, Bruxelas, na progressista Califórnia ou no Leblon, decidem o que é melhor para você.

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Tia Strovenga pode não existir, mas Dona Regina, uma brasileira real, horrorizou os ex-donos da opinião pública com sua simplicidade e lucidez e trouxe luz ao que muitos queriam ter dito, ao que muitos andam mostrando nas urnas e nas intenções de voto nesta eleição. Os "bem pensantes" não detém mais o domínio da opinião pública. A casta intelectual em sua bolha perdeu as chaves dos portões do monopólio da  informação e diante da onda Bolsonaro agora tentam, a qualquer custo, manipular o efeito orgânico de sua popularidade. Só faltou combinar com os russos.

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