É correto o comércio cobrar preço diferenciado de quem paga a compra com cartão de crédito? A resposta dos órgãos de defesa do consumidor é um sonoro não. Para o Procon, bem como para o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), do Ministério da Justiça, e para as entidades civis de consumidores, o pagamento com cartão deve ser considerado pagamento à vista. "Cartão igual a dinheiro", dizem as entidades consumeristas.
Para reforçar o entendimento radical dos órgãos de defesa do consumidor, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no mês passado, decidiu pela primeira vez que os estabelecimentos comerciais não podem mesmo cobrar preço diferenciado para compras com cartão.
Entenda o caso: a 5ª Turma do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu que uma rede de postos de combustíveis estava autorizada a cobrar preço menor para pagamento do produto com dinheiro, enquanto o consumidor que pagasse o combustível com cartão desembolsaria o preço normal do produto. O veredicto consagrou a permissão para diferenciação de preço nas compras com cartão de crédito no Rio Grande do Sul.
Só que o Ministério Público gaúcho recorreu ao STJ e solicitou a anulação da decisão, por considerá-la contrária ao Código de Defesa do Consumidor, e foi atendido. Os ministros da 3ª Turma do STJ reformaram a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e confirmaram que não pode haver diferenciação nas compras com cartão.
]Mas é bom lembrar que se trata de somente de uma primeira decisão, válida apenas para o caso concreto da rede de postos citada.
Ou seja, falta ainda saber qual será o entendimento da outra Turma do STJ que também julga o assunto, bem como de sua seção especializada, a fim de que se tenha o posicionamento pacífico e final da Justiça sobre a questão.
O argumento de todos (órgãos de defesa do consumidor e da citada decisão do STJ) é um só: aquilo que os comerciantes pagam às administradoras não pode ser repassado aos consumidores, mantendo-se o princípio de que compra com cartão é compra à vista.
Mas a pergunta é: será que tal custo hoje já não vem sendo repassado a todos os consumidores, mesmo àqueles que não têm acesso ao cartão ou que preferem pagar suas compras em dinheiro?
Os comerciantes não negam que fazem tal repasse, o que é confirmado por estudos do governo. Sendo isso verdade, a não diferenciação de preço, à guisa de boa causa, pode estar mascarando uma realidade, criando uma espécie de "me engana que gosto", como me disse um comerciante.
Talvez uma experiência monitorada de liberdade de preços diferenciados pudesse ser admitida a fim de que fosse possível falar de abusos de forma real e prática. A partir disso seria possível discutir formas de intervenção, visando punir as lesões e incrementar a concorrência.
Uma coisa é certa: quem está morrendo de rir hoje com este sistema engessado são as instituições financeiras e suas administradoras de cartões, que lucram cada vez mais - só que, nessa briga, são poupadas e deixadas como inocentes. O consumidor paga às empresas de cartão a anuidade, o repasse do que cobram dos comerciantes e mais juros de cerca de 400% ao ano quando a dívida é parcelada ou paga com atraso.
Ninguém deve ser dono da verdade, mas outra coisa é certa: a situação dos consumidores e dos comerciantes precisa ser revista nessa matéria.