Call center: do inferno ao céu. Verdade?

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Por Marcelo Moreira
Atualização:

A empolgação durante esta semana dos órgãos e entidades de consumidores com as mudanças anunciadas para o atendimento telefônico e call centers das empresas, que atuam sob concessão do governo federal, lembrou comemoração de Copa do Mundo.

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Acho que nem a semana histórica da aprovação do Código de Defesa do Consumidor (CDC), no início da década passada, gerou tanta notícia. Na última segunda-feira, os grandes telejornais exibiam à nação o mais novo e ilustre militante da causa consumerista, o ministro da Justiça, Tarso Genro, que contou, "indignado," a sua mazela: ligou no sábado para o call center de uma empresa, e soube que o serviço não funciona no fim de semana. Sua Excelência haveria de esperar a segunda-feira para ser atendido.

Aliás, sr. Furtado, o Consumidor, me telefonou para lamentar o descuido imperdoável dos auxiliares do ministro, que nunca o informaram sobre o descanso dos call centers nos fins de semana, coisa que os mortais de todos os credos e raças estão exaustos de saber.

A propósito, aproveito o afã consumerista do eminente ministro e sugiro à Sua Excelência que continue ligando e testando a qualidade do atendimento dos call centers nos finais de semana, a começar pelos órgãos públicos, que existem para atender o consumidor, como o próprio Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), subordinado ao Ministério da Justiça, assim como deve ser vistoriado o atendimento ao público, aos sábados e domingos, do Banco Central e agências reguladoras.

O fato é que já vi o exagero de se chamar um ou outro diploma legal, aprovado pelo Congresso Nacional, de "lei revolucionária," mas acho que é a primeira vez que, num regime democrático, se confere o adjetivo de "revolucionário" a um texto legal que é ato exclusivo do chefe do Executivo, no caso um decreto.

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Pois é com essa pompa que o regulamento dos call centers, assinado anteontem pelo presidente Lula, é tratado no noticiário sobre o evento, veiculado no portal de internet do Ministério da Justiça. O título da matéria chapa branca, de 31 de julho: "Decreto revoluciona relação consumidor-empresa".

A pergunta é: é justificada a exaltação tão grande, também entoada por algumas personalidades e entidades consumeristas, das mudanças nos call centers? Respondo: Não.

E o motivo é simples: de leis boas que não passam do papel estamos fartos. O próprio Código do Consumidor é afrontado diariamente pelas mesmas concessionárias campeãs de queixas (caso da telefonia) que governo e entidades de consumidores agora ameaçam enquadrar por decreto.

No Brasil é sempre assim: à omissão em relação à função puramente ornamental das leis vigentes, responde-se com a fúria e arrogância "da lei", em um cenário em que a beleza formal mascara e domestica as mazelas do mundo real.

Ora, todos sabem que o pelourinho do atendimento nos SACs e call centers é apenas a superfície de algo mais sério. Massacrar a dignidade do consumidor no pós-venda não é ocorrência meramente acidental e ingênua. Mas é, sim, parte do cálculo empresarial. Ou seja, lesar ainda compensa. Logo, o paraíso anunciado para SACs e call centers depende de investimentos - mexe no planejamento empresarial. Não é assunto para canetada.

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Aliás, nada mais óbvio nos manuais de Direito, senão a lição de que não se impõe direitos e obrigações por decreto - ainda que sob o disfarce de regulamento ao CDC.

Mudanças sérias nos serviços de atendimento ao consumidor começam com a luta pela aplicação efetiva do CDC e de outras leis que já existem em relação aos serviços públicos privatizados, bem como intensas negociações com as empresas.

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