'Panama Papers' revelam os negócios de arte por meio de offshores

Trancadas nos arquivos de um escritório de advocacia do Panamá estão respostas para operações misteriosas envolvendo Van Goghs, Picassos, Rembrandts e outras obras

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Por Jake Bernstein
Atualização:
Nahmad Gallery, em Nova York Foto: Reuters

Após uma descoberta feita por acaso, o neto de um negociante de arte judeu soube que um valioso quadro que ele acreditava ter sido roubado pelos nazistas poderia estar em mãos de uma das famílias mais influentes no mundo das artes. Provar isso era outra coisa.  A pintura, do artista italiano Amadeo Modigliani, é conhecida como Homem Sentado, com Bengala. Modigliani, um jovem pobre e alcoólatra, morreu de tuberculose quase um século atrás. Seus quadros hoje são vendidos por somas que chegam a US$ 170 milhões. O retrato de um homem elegante, com bigode, empoleirado numa cadeira, mãos repousando sobre a bengala, pode valer US$ 25 milhões.  Investigadores rastrearam a obra até um clã de bilionários que a comprou num leilão em 1996. Advogados do neto do negociante escreveram para a Nahmad Gallery, em Nova York, declarando que a pintura pertencia ao cliente, que estava intitulado para recebê-la. Solicitaram um encontro para discutir o assunto. A galeria não respondeu, segundo documentos forenses. O neto do negociante abriu processo. Quatro anos depois, advogados das duas partes continuam brigando.  Os Nahmads insistiram, num tribunal federal e num do Estado de Nova York, que o quadro não pertencia à família. A dona era uma empresa offshore chamada International Art Center, registrada por uma pouco conhecida banca de advocacia panamenha.  Mas, registros secretos obtidos pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (Ciji), pelo jornal alemão Süddeutsche Zeitung e por outros veículos de mídia sugerem que a declaração da galeria é um truque montado para esconder os verdadeiros donos do quadro. Os registros, mais de 11 milhões de documentos, vieram dos arquivos internos da Mossack Fonseca, uma empresa panamenha de advocacia especializada em criar estruturas corporativas que podem ser usadas para ocultar bens. Datados de 1977 a 2015, os arquivos incluem a maior apreensão de informações internas sobre conexões entre o comércio internacional de arte e jurisdições offshore secretas. Os documentos mostram uma atividade fracamente regulamentada em que o anonimato é regularmente usado para blindar todo tipo de comportamentos questionáveis.  A família Nahmad vem controlando o International Art Center (IAC), empresa baseada no Panamá, há mais de 20 anos, segundo os registros. A empresa é parte importante dos negócios de arte dos Nahmads. David Nahmad, chefe da família, é o único dono do IAC desde janeiro de 2014. Seu advogado, Richard Golub, quando confrontado com a documentação mostrando que a família possuía o IAC, disse ser “irrelevante quem é o dono da companhia. O que importa no caso são as acusações. O queixoso pode prová-las?”. A questão central, disse Golub, é se o neto tem provas de que esse quadro específico foi roubado de seu avô. Apesar dos anos de batalha jurídica, essa questão recebeu pouca atenção de um juiz, uma vez que as duas partes continuam brigando sobre quem é o dono da tela. 

Obras de Modigliani em exposição na Christie's Foto: Reuters

A Mossack Fonseca não apenas ajudou os Nahmads a criar o International Art Center em 1995. Também proporcionou a muitos de seus outros clientes os instrumentos para operar secretamente grandes transações de arte no mundo todo com obras de artistas como Van Gogh, Rembrandt, Chagall, Matisse, Basquiat, Warhol.  Entre outros conhecidos colecionadores de arte com companhias registradas por meio da Mossack Fonseca estão o clã espanhol Thyssen-Bornemisza, o magnata chinês do entretenimento Wang Zhongjun e a neta de Picasso Marina Ruiz-Picasso.  Wang Zhongjiun não respondeu a um pedido para comentar a revelação. Marina não quis falar. Brojia Thyssen, por seu advogado, reconheceu ter uma empresa offshore, mas devidamente declarada à receita espanhola.  Os registros da Mossack Fonseca mencionam arte suficiente para encher um pequeno museu. Ao lado de cruciais novas evidências na batalha legal pelo Modigliani, há pistas nos arquivos da empresa do misterioso desaparecimento de obras de arte de um magnata grego da navegação e detalhes até agora desconhecidos por trás de um dos mais famosos leilões de arte moderna do século 20.  Os documentos revelam vendedores e compradores de arte usuários dos mesmos obscuros meandros do sistema financeiro global usados por ditadores, políticos, fraudadores e outros, que se beneficiam do anonimato proporcionado por essas zonas secretas. Em anos recentes, à medida que os preços de arte subiam dramaticamente, transações vêm sendo frequentemente obscurecidas pelo uso de empresas offshore, testas de ferro, zonas de livre-comércio, leilões manipulados e vendas privadas. Embora o segredo possa ser usado para evitar publicidade, limitar a exposição legal ou facilitar operações através de fronteiras, pode também ser empregado com propósitos nefastos, como fugir de impostos ou ocultar histórias sobre propriedade duvidosa. Uma vez que objetos de arte são facilmente transportáveis, caros e pouco regulamentados, as autoridades temem que sejam usados com frequência para lavagem de dinheiro. 

A casa de leilões Christie’s Foto: Reprodução

'Boom'. O atual boom do mercado – e sua conexão com zonas de segredo do sistema financeiro – proporciona mais evidências sobre o espetacular crescimento do número de super-ricos. A arte tornou-se um valioso recurso para uma elite global ansiosa por proteger seu dinheiro em portos seguros e discretos. Em 2015, as vendas de obras de arte passaram de US$ 3,8 bilhões, segundo a publicação sobre negócios Art Market Report, com grande crescimento do comércio das peças mais caras.  O total mobilizado em arte em 2013 foi estimado em US$ 32,6 bilhões.  “O que mais impulsiona o mercado de arte é a riqueza acumulada” diz Michael Moses, da Beautiful Asset Advisors, que acompanha o comércio de arte. “Como a riqueza ‘sofisticada’ vem crescendo mais depressa que qualquer outra, esse pessoal tem dinheiro sobrando para investir em arte.” Cerca de metade das transações com arte são privadas, entre vendedores e compradores, calcula a Art Market Report. Há poucas informações sobre esse comércio. O restante é feito em leilões públicos, que oferecem transparência no que tange aos preços, mas ainda permite a vendedores e compradores se manterem em segredo, segundo Moses.  Quando uma obra de arte muito valiosa muda de dono, ela com frequência vai parar numa zona de livre-comércio conhecida como freeport. Uma vez que a peça esteja aí, os proprietários não pagam taxas de importação ou alfândega. Críticos da prática temem que o sistema freeport possa ser usado para fugir de impostos ou lavar dinheiro, uma vez que valores precisos e as transações não podem ser rastreados. Segundo a empresa de serviços internacionais Deloitte, 42% dos colecionadores que ela assessora admitem que poderiam usar um freeport. O mais antigo desses freeports, com o maior volume de obras de arte, fica em Genebra. Comenta-se que em seu complexo de armazéns haja tesouros suficientes para rivalizar com qualquer museu do mundo. A Natural Le Coultre, empresa de propriedade de Yves Bouvier, aluga quase um quarto do espaço do freeport de Genebra. Bouvier é também proprietário majoritário de freeports em Luxemburgo e Cingapura e consultor de um em construção em Pequim. Essas propriedades lhe valeram o título de “rei dos freeports”. Mas são as atividades de Bouvier como intermediário em negócios privados que o tornaram conhecido no mundo das artes – e alvo de processos. O bilionário russo Dmitri Rybolovlev tem ações contra Bouvier em Mônaco, Paris, Hong Kong e Cingapura, acusando-o de inflar fraudulentamente os preços de quadros antes de vendê-los. Após analisar as queixas, um juiz de Cingapura levantou o congelamento de bens de Bouvier e um de Hong Kong fez o mesmo. Bouvier nega terminantemente as acusações. 

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Não surpreendentemente, dado o número de bilionários e negociantes de arte que usam os serviços da Mossack Fonseca, Bouvier e Rybolovlev são clientes da empresa. Os registros da Mossack Fonseca mostram a existência de pelo menos cinco companhias ligadas a Bouvier, embora nenhuma delas esteja relacionada ao caso Rybolovlev, que tem duas empresas no rol da Mossack Fonseca.  Rybolovlev não quis comentar o caso. Um representante de Bouvier disse que seu cliente utiliza empresas offshore com propósitos claramente legais. 

Jogo dos leilões. Muitos localizam o início do selvagem entusiasmo por arte moderna numa venda ocorrida em uma segunda-feira de novembro de 1997. Realizado na Christie’s de Nova York, o leilão da coleção de Victor e Sally Ganz levou a valorizações recordes de quadros e confirmou-se como marco na transformação de arte em mercadoria global.  “De repente, o leilão Ganz desencadeou uma agitação como nunca se vira”, diz Todd Levin, diretor do Levin Art Group, empresa de consultores de arte de Nova York. “Foi como uma injeção de esteroide no mercado.” A história completa por trás do leilão Ganz nunca foi contada. Documentos vazados mostram interesses ocultos e o envolvimento de um dos intermediários offshore favoritos do negócio de arte, Mossack Fonseca.  Os Ganz eram colecionadores de obras de Picasso. Foram também dos primeiros a investir em Frank Stella e eram amigos e apoiadores de Jasper Johns, Robert Rauschenberg e Eva Hesse. Após a morte do casal,seus filhos foram forçados a vender a coleção que adornara as paredes da casa de sua infância.  Formar a coleção custou aos Ganz US$ 2 milhões e levou 50 anos. Numa tarde, o conjunto foi vendido pelo preço recorde de US$ 206,5 milhões.  O que não se sabia até agora é que os herdeiros Ganz parecem ter vendido a coleção meses antes do leilão. O operador chave na transação foi uma corporação baseada em Niue, uma ilhazinha do Pacífico Sul. A empresa chamava-se Simsbury International Corp.  A Simsbury parece ter sido criada apenas para a venda da coleção Ganz. Surgiu em abril de 1997. Um mês depois, comprou a coleção. O agente da Simsbury era a Mossack Fonseca. Funcionários da firma de advocacia atuaram como diretores nomeados da Simsbury. Controlavam a empresa no papel, mas não tinham participação real em suas atividades. Esses diretores assinaram acordos em nome da companhia com um banco, uma casa de leilões e uma empresa transportadora de obras de arte.  A propriedade da companhia estava em nome de detentores de ações. Estas eram simplesmente certificados que permitiam ao portador receber ou transferir anonimamente seu valor. Hoje, tais papéis estão banidos em muitos países por facilitarem evasão de impostos e lavagem de dinheiro.  Num negócio fechado em 2 de maio de 1997, a Simsbury International comprou a coleção Ganz por US$ 168 milhões da Spink & Son, casa de leilões londrina de propriedade da Christie’s, segundo os documentos vazados. A exata natureza do acerto entre a família Ganz e a Christie’s não fica clara nos documentos.  Um representante da família não quis responder a perguntas do ICIJ sobre detalhes específicos da transação. A venda tinha uma cláusula prevendo que, se o preço alcançado em leilão fosse maior, a diferença seria dividida entre o dono da Simsbury e a Spink & Son. 

O International Art Center não é a única empresa da família ligada à Mossack Fonseca. Giuseppe Nahmad também criou a Swinton International Ltd., registrada nas Ilhas Virgens em agosto de 1992.  As entidades offshore estão interconectadas por um arranjo de família. Giuseppe Nahmad tinha procuração de advogado para movimentar a conta do International Art no banco UBS desde 1995. David e Ezra também podiam assinar pela companhia no banco. Numa conta aberta no Citibank dois anos depois, Giuseppe e o irmão Ezra assinavam conjuntamente, como mostram os documentos.  Em 1995, a Swinton International autorizou David Nahmad a vender cinco pinturas que a empresa possuía – um óleo em painel de Picasso, as Danseuses de Degas, dois óleos em tela de Henry Matisse e um óleo em tela de Raoul Dufy. Alguns dos quadros foram mais tarde leiloados na Sotheby’s, identificados como pertencendo a uma “coleção particular”. Duas das pinturas tinham sido do International Art Center.  A propriedade do International Art inicialmente estava em nome de “acionistas’, tornando impossível dizer quem realmente era o dono. Em 2001, uma resolução da diretoria nomeada pela Mossack Fonseca criou cem cotas na companhia e entregou-as a Giuseppe. Em 2008, essas cem cotas foram divididas em partes iguais entre David e Ezra Nahmad. Um ano depois, Ezra dividiu suas cotas com o filho Hillel. David não fez o mesmo com seu filho.  Um início de tensão entre David e o filho surgiu em 2007, num raro perfil da família, na Forbes. Segundo o artigo, David, “franzindo o cenho”, teria dito: “Meu filho gosta muito de publicidade. Eu não gosto”.  As atividades extracurriculares do Helly filho de David não o recomendavam como bom acionista do International Art. Como seu tio Giuseppe, Helly tinha grandes apetites. Os tabloides falavam de seus gostos: namorar modelos, um andar de apartamentos de muitos milhões de dólares na Trump Tower, amigos astros de cinema e jogatina pesada. Dado o histórico da família, nada disso era problema, até que o promotor federal para o Distrito Sul de Nova York indiciou-o por participação relevante num lance de US$ 100 milhões envolvendo jogo e lavagem de dinheiro em conexão com a máfia russa.  Grampos telefônicos o apanharam discutindo como o negócio de arte da família poderia ser usado para esconder dinheiro: “Às vezes, um banco precisa de uma justificativa”, disse ele numa conversa gravada em março de 2012 e citada em memorando do governo. “Aí, podemos dizer que ‘você está comprando um quadro’. E você responde ‘ah, sim, comprei um desenho de Picasso’, ou coisa que o valha.” Nunca foi provado no tribunal que o diálogo fosse sobre comportamento ético. A conversa não constou da acusação final e o advogado de Nahmad disse em entrevista que ela nada tinha a ver com o caso Modigliani.  Helly Nahmad declarou-se culpado de operar jogo ilegal em novembro de 2013. Um juiz condenou-o a 1 ano e 1 dia de prisão. Ele também concordou em abrir mão de US$ 6,4 milhões e dos direitos de um quadro de Raoul Dufy. Cumpriu pena de 5 meses. Arte perdida. Os Nahmads não são os únicos colecionadores famosos de arte que viram seus ativos offshore envolvidos em ações legais. Os dados da Mossack Fonseca oferecem um novo insight no caso de uma disputa legal envolvendo a família Goulandris, dinastia grega de armadores que está no centro de uma disputa sobre o que ocorreu com 83 obras de arte desaparecidas. “No total são cerca de US$ 3 bilhões em pinturas”, Ezra Chowaiki, propriedade de galeria que participa do custeio de um dos processos na justiça, disse em uma entrevista ao Ciji. “Talvez seja a maior coleção de pinturas perdidas aa história.”

Van Gogh Foto: Divulgação

Dois processos e uma investigação criminal estão em curso em Lausanne, na Suíça, para determinar o paradeiro e a propriedade da coleção de arte. Os casos envolvem membros de uma grande e abastada família guerreando entre si, empresas de fachada no Panamá, alegações de um documento forjado e pinturas dignas de museu de Van Gogh, Matisse e Picasso. Algumas foram vendidas. O vendedor não quis que a história fosse a conhecimento público. Num contrato de venda de US$ 20 milhões encontrado nos arquivos da Mossack Fonseca, relativo a uma das pinturas dos Goulandris, Natureza Morta com Laranjas, de Van Gogh, há uma cláusula sobre confidencialidade. Proíbe revelar “a identidade das partes neste acordo (incluindo a identidade do único acionista da empresa vendedora)” e “qualquer informação ou documentos referentes à proveniência da obra e histórico de titularidade das obras”. A tela de Van Gogh pertenceu ao magnata armador grego Basil Goulandris, morto em 1994 pelo mal de Parkinson. Depois da morte da viúva, Elise, em 2000, seus herdeiros descobriram que a enorme coleção de arte do casal havia mudado de mãos anos antes. Uma companhia panamenha chamada Wilson Trading SA. era a proprietária dos quadros. Em 1985, de acordo com o sobrinho de Basil Peter J. Goulandris, o tio vendera a coleção inteira de 83 pinturas pelo valor extraordinariamente baixo de US$ 3,17 milhões para a Wilton Trading. Mas, apesar da venda, as pinturas jamais saíram da posse do casal. Durante esse período, Basil e Elise Goulandris emprestaram as obras para museus e venderam algumas peças para marchands de arte, informando que as peças pertenciam a eles. Muito do que se sabe sobre a Wilton Trading provém de processos correndo em tribunais da Suíça. Ela foi criada em 1981, mas não tinha diretores até 1995, dez anos depois de o contrato de compra dos Goulandris ter sido supostamente assinado. De acordo com um promotor suíço, o papel em que o documento no qual foi firmada a venda não existia em 1985 e ninguém conseguiu provar que algum dinheiro tenha mudado de mãos. Peter J. Goulandris disse ao tribunal suíço que sua mãe falecida, cunhada de Basil, Maria Goulandris, era a proprietária da Wilton Trading. Por meio do seu advogado, ele não quis comentar a respeito. Elise morreu sem deixar filhos herdeiros. Sua sobrinha Aspasia Zaimis entende que merece uma parte das 83 pinturas e está processando o testamenteiro do espólio de Elise. Em novembro de 2004, empresas anônimas criadas pela Mossack Fonseca começaram o processo de vender algumas pinturas dos Goulandris que a Wilton Trading guardava. No início do ano seguinte, em um leilão da Sotheby’s em Londres, uma companhia chamada Tricornio Holdings vendeu uma pintura de Pierre Bonnard chamada Dans le Cabinet de Toilette. Outra companhia, Heredia Holdings, fechou um contrato com a Sotheby’s para vender uma pintura de Marc Chagall, Les Comédiens. Uma terceira empresa, Talara Holdings, pôs em leilão um outro quadro de Chagall, O Violinista Azul. No mesmo período o quadro de Van Gogh pintado em 1888 de uma cesta de laranjas foi para o magnata do marketing direto aa Califórnia Greg Renker e sua mulher, Stacey, em uma venda privada. O vendedor foi uma companhia chamada Jacob Portfolio Incorporated. Renker não respondeu a pedidos para falar sobre o assunto. Todas as quatro companhias foram registradas pouco antes das transações e encerradas logo em seguida, não deixando nenhum rastro sobre quem estaria por trás delas. Os documentos agora revelam que as quatro tinham um mesmo misterioso proprietário: Marie Voridis. Uma das transações forneceu um pista para se chegar à identidade de Marie Voridis. Em 22 de outubro de 2004, Marie Voridis transferiu todos os direitos sobre uma pintura a óleo de Pierre-Auguste Renoir conhecida em inglês como The Seamstress para a Talara Holdings. Algumas semanas depois, a Talara transferiu o quatro de volta para Marie Voridis. Em setembro de 2005, uma revista de moda grega exibiu o luxuoso apartamento em Nova York de uma socialite grega, Doda Voridis, irmã de Basil Goulandris. Obras-primas de artistas famosos decoravam o apartamento no East Side de Doda Voridis, que morreu em dezembro de 2015. Nas colunas de fofocas ela sempre foi conhecida como Doda, mas seu verdadeiro nome era Marie. Sobre um armário esplêndido estava uma foto de The Seamstress. Guerra e tesouro. A controvérsia sobre o Homem Sentado, com Bengala, de Modigliani, começou quando a névoa da guerra propiciava o tipo de ocultação que o mundo offshore oferece hoje. Oscar Stettiner, marchand judeu que supostamente seria o proprietário original da pintura, fugiu de Paris em 1939, antes da chegada dos nazistas, deixando para trás sua coleção de obras de arte. Quando a caiu nas mãos dos nazistas, estes confiscaram a coleção e nomearam um “administrador temporário” francês que leiloou os quadros em benefício dos nazistas, de acordo com documentos legais. O quadro Homem Sentado, com Bengala mudou de mãos diversas vezes depois disso. Em outubro de 1944, um oficial militar americano adquiriu o Modigliani em um café por 25 mil francos, ainda segundo os documentos.  Em 1946, Stettiner entrou com ação judicial na França para recuperar o quadro, segundo documentos apresentados em um processo legal em nome de seu neto. Ele morreu dois anos depois, com a demanda ainda pendente. O advogado de David Nahmad, Richard Golub, contesta essa narrativa e põe em dúvida se Stettiner um dia teria sido proprietário da obra. Em 1958, o quadro de Modigliani chegou a uma coleção privada onde foi mantido oculto até 1996, quando o International Art Center o adquiriu na Christie’s de Londres por US$ 3,2 milhões, segundo documentos apresentados em tribunais de Nova York. A Helly Nahmad Gallery exibiu o quadro em Londres em 1998 e o Museu de Arte Moderna de Paris em 1999. Seis anos depois, ele fez parte de uma exposição de obras de Modigliani na Helly Nahmad Gallery de Nova York. A Mondex Corporation, com sede em Toronto, empresa especializada na recuperação de obras de arte roubadas pelos nazistas, descobriu a suposta proveniência da pintura por acaso, quando examinava arquivos em um ministério francês. A companhia colaborou para se abrir uma batalha legal para devolver o quadro a Philippe Maestracci, neto de Oscar Stettiner. A Mondex não revelou os honorários recebidos pelo serviço. Em 11 de fevereiro de 2015 o advogado de defesa de Nahmad no processo de Maestracci em Nova York, Nehemiah Glanc, enviou um e-mail para o advogado do Art Center em Genebra. Glanc era oficialmente o advogado do International Art Center, mas necessitava de alguns fatos chave sobre a companhia antes de dar andamento ao processo, mostram registros vazados obtidas pelo ICI. “Por favor avise o mais breve possível quem está autorizado a assinar em nome do International Art Center”, ele escreve no e-mail. Se os Nahmads tivessem assinado os documentos como proprietários do International Art Center, provavelmente perderiam a proteção legal que a companhia oferecia. O advogado em Genebra pôs Glanc em contato com Anaïs Di Nardo Di Maio no escritório da Mossack Fonseca em Genebra. Di Nardo obteria as assinaturas dos diretores indicados da Mossack Fonseca no Panamá desde que os clientes de Glanc pagassem por elas. Ele concordou. Um documento assinado por um dos diretores indicados pelo escritório de advocacia custou US$ 32,10. À medida que o processo avançou, e-mails foram trocados entre Glanc e a Mossack Fonseca, mostram os documentos vazados. Toda vez que uma petição vinha do International Art Center, os diretores suplentes tinham de assinar. Em setembro de 2015, numa austera sala de tribunal em Nova York, a juíza da Suprema Corte do Estado Eileen Bransten indeferiu o pedido. A juíza decidiu que os autores da ação não notificaram de modo adequado o International Art Center de sua petição porque a notificação fora feita para a Nahmad Gallery de Nova York, em vez de ao Panamá. Ela também decidiu que um administrador nomeado pelo tribunal, e não Maestracci, era o autor apropriado. Dois meses depois o administrador retomou o processo na Suprema Corte do Estado de Nova York na qualidade de autor da ação. A nova ação contra os Nahmads implicou mais um esforço para ligar a família à propriedade do International Art Center, descrito como alter ego da empresa familiar de maneira a confundir e ocultar suas identidades e ocultar receitas geradas com os negócios da família com obras de arte. Enquanto o caso prossegue, o quadro de Modigliani de 1918 Homem Sentado, com Bengala está bem guardado na zona franca de Genebra, Suíça um outro tesouro oculto. 

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