Zika e Mais Médicos marcaram saúde

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Por Ligia Formenti e BRASÍLIA
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  Foto: FABIO MOTTA | ESTADÃO CONTEUDO
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A expansão do Farmácia Popular foi a primeira medida de Dilma Rousseff na saúde, um mês após assumir a Presidência. Numa cerimônia que lotou o salão do Palácio do Planalto, ela anunciou a distribuição gratuita de medicamentos para hipertensão e diabete em drogarias credenciadas. Passados cinco anos, o Farmácia Popular está sob risco. Os recursos para financiar o programa acabam em agosto.

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Não só o Farmácia Popular está ameaçado. Neste ano, o orçamento da saúde sofreu corte de R$ 5,5 bilhões. Algo que pode afetar outros programas criados pelo PT, como Samu e UPAs. “A falta de recursos não surpreende. Há tempos alertas são feitos sobre o subfinanciamento do setor e o caso do Farmácia ilustra bem o problema”, afirma o consultor Eugênio Vilaça.

Para especialistas ouvidos pelo Estado, a forma como Dilma conduziu a discussão sobre recursos foi seu maior erro na área. “Havia mecanismos de evitar esse impasse. Ela preferiu desconsiderar os avisos”, afirma o professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Mário Scheffer.

O primeiro baque no financiamento da saúde ocorreu em 2008, com o fim da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). A estimativa é de que o governo federal tenha perdido cerca de R$ 40 bilhões anuais para a área. Desde o primeiro mandato da presidente, setores ligados à saúde pressionavam para que fontes adicionais de recursos fossem encontradas. Dilma, no entanto, não queria iniciar uma discussão que poderia lhe render desgastes no Congresso.

A partir de 2015, com o agravamento do problema em razão da crise econômica, o debate começou a ser feito de forma mais aberta. Coube ao então ministro Arthur Chioro sugerir a volta da CPMF. Mas já não havia mais capital político para levar o tema adiante.

Crise. Vilaça calcula que a falta de recursos, que já é grave, deve se acentuar com o aumento da população que usa o Sistema Único de Saúde (SUS). “Mais de 1,5 milhão de pessoas deixaram de ter planos de saúde no último ano, por causa da crise. Esse grupo vai buscar atendimento no sistema público.”

Outro erro da gestão Dilma apontado por especialistas foi o uso da saúde para tentar obter maior estabilidade política. “Não foi preciso esperar muito para comprovar o quanto essa estratégia foi desastrada. O apoio não foi garantido e a saúde se fragilizou ainda mais”, afirma Vilaça.

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A falta de uma coordenação na área da saúde também ficou patente nos indicadores de doenças infecciosas, avalia o presidente da Associação Brasileira de Medicina Coletiva (Abrasco) e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Gastão Wagner. Em 2015, houve número recorde de casos de dengue e mortes causadas pela doença. No Nordeste, uma epidemia de zika provocou um aumento nunca visto do número de casos de bebês com microcefalia. Neste ano, a chikungunya, também transmitida pelo Aedes aegypti, cresce de forma expressiva, levando o País a ter o que epidemiologistas chamam de tríplice epidemia.

“A dengue está no Brasil desde a década de 1980. Claro que o problema não é fruto apenas da gestão federal. Mas caberia ao Ministério da Saúde coordenar ações de combate ao vetor, organizar o sistema, algo que nunca foi feito de forma adequada”, constata o professor da Unicamp. As ações de prevenção, afirma, não seguem uma política definida e com frequência são interrompidas. “Sem um arranjo bem-feito, o que se tem é apenas desperdício de recursos.”

A gestão Dilma também teve como marca o Mais Médicos, programa criado depois das manifestações de 2013 que exigiam melhorias nos serviços públicos. Para driblar a falta de assistência, uma das estratégias usadas foi recrutar, por meio de um contrato com a Organização Pan-Americana de Saúde, profissionais formados no exterior, sem necessidade da validação do diploma. A medida provocou reação imediata de entidades profissionais, que criticavam a dispensa do exame.

Descontada a polêmica, tanto Vilaça quanto Wagner afirmam que a iniciativa do Mais Médicos foi bem-sucedida. “Claro que por si só essa estratégia não resolve o problema da assistência. Foi uma medida emergencial e assim ela tem de ser considerada”, comenta Wagner. Para ele, no entanto, boa parte do desgaste poderia ter sido evitada caso a condução do programa tivesse sido feita com maior diálogo. “O programa foi imposto. Faltou um pouco de boa vontade”, diz o consultor.

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Além do Mais Médicos, Vilaça também elogia regras criadas nos últimos anos que permitem a organização do sistema de saúde em forma de rede, o que pode tornar mais racional o atendimento, organizando filas e estratégias para integração de serviços. “Um sistema mais racional é imprescindível. Não há necessidade que toda cidade pequena tenha, por exemplo, um serviço de ponta. Mas é preciso saber para onde encaminhar pacientes de maior gravidade, de forma rápida e eficaz.”

Embora Vilaça elogie as novas regras, ele afirma que ainda há um longo caminho a se percorrer até que elas estejam definitivamente implantadas. “Isso é essencial. Somente assim teremos custos mais compatíveis e um atendimento de melhor qualidade.”

Evolução. Para Scheffer, os anos Dilma trouxeram um saldo positivo: o maior acesso ao atendimento básico de saúde. “O impacto dessa melhoria está estampado nos indicadores. Ao longo dos últimos 12 anos, houve redução significativa da mortalidade infantil, há mais consultas de pré-natal. Podemos questionar a qualidade do atendimento, mas ele vem sendo realizado.” O professor da USP também salienta que ao longo desses anos houve a manutenção de programas importantes, como o de transplantes e de imunização. “São iniciativas de destaque no mundo todo”, afirma.

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Em nota, o Ministério da Saúde afirmou ter destinado recursos crescentes à saúde pública. A pasta informou que o orçamento deste ano, de R$ 118,5 bilhões, é 51% superior aos recursos executados em 2011. Ainda em nota, a pasta reconheceu que recursos disponíveis atualmente são suficientes para cobrir as despesas do Farmácia Popular apenas até agosto. Mas afirmou estar em discussão com a área econômica para assegurar recursos para manutenção do programa. O Ministério informou ainda que a implantação dos sistemas de rede de assistência dependem da adesão e da apresentação de planos de Estados e municípios.