Volume de inquéritos põe Supremo em xeque

Para ex-ministros, juízes e procuradores, Corte não tem estrutura para julgar a Lava Jato; estudo diz que quase 70% das ações penais declinam ou prescrevem

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Por Mateus Coutinho
Atualização:

Ao completar três anos, a Operação Lava Jato coloca em xeque a capacidade de o Supremo Tribunal Federal (STF) analisar um volume tão expressivo de investigações criminais que envolvem possivelmente mais de uma centena de políticos e autoridades com foro privilegiado. Ex-ministros da Corte, juízes, procuradores e advogados ouvidos pelo Estado são unânimes ao afirmar que o STF não tem condições de processar esse volume de investigações em tempo adequado, caso não faça um esforço concentrado ou altere as regras da prerrogativa de foro.

Plenário do STF, em Brasília Foto: Fernando Bizerra Jr/EFE

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Estudos mostram que a Corte é bastante lenta para concluir os processos penais e em grande parte dos procedimentos acaba não analisando o mérito das acusações.

Somente a delação da Odebrecht resultou em 83 novos pedidos de abertura de inquéritos, que serão analisados pelo ministro Edson Fachin, relator da operação no STF. Se todos os procedimentos forem acolhidos, o número de investigações no STF decorrentes da Lava Jato chegará a 168 – o que corresponde a 36% do total de inquéritos em tramitação na instância máxima do Judiciário.

Segundo o levantamento mais recente do Supremo em Números, da FGV Direito Rio, em 2016, a média de tempo somada para o STF concluir um inquérito (797 dias) e, posteriormente, julgar a ação penal (1.377 dias), é de 2.174 dias, ou cinco anos e meio para finalizar um processo envolvendo autoridades com prerrogativa de foro.

O mesmo estudo mostra que num período de cinco anos, de 2011 a março do ano passado, 37,7% dos inquéritos não tiveram desfecho no tribunal porque houve prescrição ou declínio de competência. No caso das ações penais, esse índice é ainda mais significativo: 68,3%.

Até fevereiro, antes da nova lista de Janot, havia 85 inquéritos decorrentes da operação em tramitação na Corte. Ao todo, são 465 inquéritos em tramitação no Supremo atualmente e um total de 107 ações penais, incluindo as da Lava Jato. “O Supremo não tem condições materiais para dar conta desse mar de investigações e de ações penais que certamente advirão”, afirma o ex-presidente da Corte Carlos Velloso.

Na avaliação dele, não há outra solução que não seja a extinção da prerrogativa de foro. Recentemente, o ministro do Supremo Luís Roberto Barroso levantou a possibilidade de restringir o foro privilegiado. Em despacho em uma ação penal na Corte, o ministro defendeu uma interpretação restritiva da prerrogativa, limitando-a aos crimes cometidos durante o mandato de políticos e que dizem respeito ao desempenho do cargo eletivo.

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Pela Constituição, apenas o Congresso pode acabar com o foro privilegiado, por meio de emenda constitucional.

Dano. Para procuradores das duas forças-tarefa, de Brasília e de Curitiba, ouvidos pelo Estado, o excesso de processos pode ter um resultado danoso para a Lava Jato – a falta de punição para políticos, por prescrição de crimes, em decorrência da demora no julgamento.

Eles acreditam que o problema deve ser tratado como algo maior que a operação. A avaliação é de que, sem alterações legais para redução do número de pessoas com direito a foro especial, a estrutura do Supremo não dará conta de julgar os processos de combate à corrupção – em especial os da Lava Jato.

Na mesma linha, o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Claudio Lamachia, avalia que é impossível imaginar outra solução para os julgamentos da Lava Jato no STF que não seja a revisão do foro por prerrogativa de função. “Esse é um dos debates mais importantes para se solucionar hoje no STF”, disse.

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“Vejo essa situação que teremos lá no Supremo com muita apreensão, porque é um volume de processos muito grande, o STF é um tribunal constitucional, não tem como missão única nem como especialidade esses casos criminais”, afirmou.

Para o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Roberto Veloso, a Corte teria já como implementar esse entendimento por meio de questão de ordem, que poderia ser levantada pelos ministros durante julgamentos de alguma ação penal envolvendo investigados com prerrogativa de foro.

Segundo o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, José Robalinho Cavalcanti, ainda que a Corte faça um esforço concentrado e divida os julgamentos em turmas, os ministros continuam sendo 11. “São homens e mulheres que têm limites.”

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Para ele, a Lava Jato vai “atravancar” os julgamentos de outros temas na Corte. “Com o excesso de trabalho, os relatores demoram mais para liberar seus votos e os pedidos de vista também vão demorar a voltar.”