PUBLICIDADE

Vila Cruzeiro e Alemão trazem lições para Rocinha, mas ainda vivem transição

Um ano após ocupação, moradores ainda aguardam instalação de UPPs definitivas e se queixam de desgaste com presença do Exército.

Por Júlia Dias Carneiro
Atualização:

Um ano depois, a ocupação dos complexos da Penha e do Alemão, na zona norte do Rio, trouxe lições para a entrada na Rocinha, mas moradores ainda vivem situação de transição e reclamam de desgaste pela presença prolongada do Exército. As imagens do dia 25 de novembro de 2010 ficaram marcadas na memória dos cariocas: cerca de 200 traficantes armados escapavam por uma estrada da Vila Cruzeiro, comunidade que fora cercada por forças de segurança. Eles buscavam refúgio no vizinho Complexo do Alemão, que seria ocupado três dias depois, em uma sequência de operações emblemática por entrar em duas regiões que eram tidas como principais redutos do tráfico armado no Rio. Um ano depois de a presença do Estado ser declarada nos dois complexos de favelas, porém, moradores ainda aguardam a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora definitivas, adiadas para junho de 2012, e também da UPP Social. O braço social do programa de segurança pública só entra nas comunidades pacificadas após as UPPs, e vem diagnosticando o território para planejar suas ações. UPPs com cerca de 2.200 homens serão implantadas nos complexos da Penha e do Alemão, que somam quase vinte comunidades e mais de 100 mil pessoas. Enquanto isso, a segurança na área continua a cargo do Exército, situação temporária que era prevista até outubro. Recentemente, o governo do Rio firmou um acordo com o Ministério da Defesa para prorrogar a ocupação até junho do ano que vem. "Isso vai nos dar fôlego e antecipará nosso calendário", disse o governador Sérgio Cabral ao assinar o contrato com o ministro da Defesa, Celso Amorim, em outubro. A Polícia Militar ainda não tem um efetivo para alocar nos dois complexos e vem correndo para formar novos policiais, a um ritmo de cerca 500 homens por mês. Desgaste Na semana passada, em audiência pública sobre a ocupação militar, cerca de 30 moradores das comunidades e integrantes de ONGs compareceram para denunciar problemas nas relações com os soldados. As queixas dos moradores incluíam enquadramentos por desacato, truculência em situações de conflito, restrições à realização de festas e prisões injustas. Quatro moradores denunciaram ter passado quatro dias na prisão após um desentendimento com militares. Rosângela de Souza Mello, esposa de um deles, disse que foi à audiência para expor sua indignação. "Meu marido é um bom pai de família, um bom trabalhador, um bom vizinho, mas passou quatro dias em um presídio sendo tratado como bandido", disse. Na audiência, representantes do Exército e da Secretaria de Segurança Pública ressaltaram a importância da ocupação para viabilizar a pacificação das comunidades. O general César Leme Justo, que comandou a Força de Pacificação durante seis meses, disse não ver desgaste entre os soldados e a população e que conflitos ocorrem pontualmente. "A nossa intenção na pacificação é cuidar dos interesses da população", afirma. "Claro que há um momento de adaptação. Quando uma nova tropa chega, pode ocorrer algum incidente. Mas é isolado. Tudo é apurado e levado até a última instância." Lições para a Rocinha No início deste mês, o governo do Rio fechou com a ocupação da Rocinha, do Vidigal e da Chácara do Céu, na zona sul do Rio, o chamado cinturão de segurança nas áreas onde serão realizadas as competições da Copa do Mundo e da Olimpíada, em 2014 e 2016. A entrada na Rocinha também era cercada de expectativas, mas transcorreu de forma pacífica - ao contrário das operações no Alemão e na Penha, que não haviam sido planejadas, lembra o antropólogo e ex-capitão do Bope Paulo Storani. Na época, estas foram precipitadas por atentados que vinham sendo articulados por traficantes em diversos pontos do Rio, com ônibus e carros incendiados. Segundo Storani, a ação na Rocinha mostrou um amadurecimento das forças de segurança desde o início do projeto das UPPs, em 2008, sobretudo após a ocupação dos complexos do Alemão e da Penha. Lições foram aprendidas: "Tudo que houve de errado naquelas operações buscou-se corrigir e evitar", afirma Storani, referindo-se às denúncias de desvio de conduta de policiais após a ocupação, como casos em que "armas apreendidas não foram apresentadas e coisas foram subtraídas dos moradores". Segundo Storani, desta vez apenas uma força de segurança entrou em cada comunidade - o Bope, na Rocinha e na Chácara do Céu; o Batalhão de Choque, na Rocinha. "Se você tem uma força só atuando, você tem a quem responsabilizar se houver qualquer problema", aponta. O coronel Alexandre de Souza diz que, na Rocinha, os órgãos fiscalizadores das polícias - a ouvidoria e a corregedoria - marcaram presença nas operações. "No Alemão, por falta do tempo adequado para planejamento, acho que pecamos um pouco com relação ao controle da operação", diz Souza, coordenador de Análise e Integração da Secretaria de Segurança Pública. "Na Rocinha, não. Tivemos os órgãos de controle internos das corporações agindo proativamente para que não houvesse desvios de conduta. Até agora não me foi reportado qualquer abuso." Futuro em debate Se a Rocinha pôde ter uma ocupação menos traumática, ela também tem a vantagem de viver uma situação econômica melhor. Para a cientista social Sílvia Ramos, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes, a Rocinha tem uma vocação clara como centro comercial e de serviços, enquanto os complexos da Penha e do Alemão enfrentam um dilema. As comunidades da zona norte ocupam uma área que foi um forte polo industrial no Rio nos anos 1950 e 1960, mas sofreu um processo de desindustrialização pesado nas décadas seguintes. O processo foi acelerado pela violência do tráfico, mas envolveu fatores como o esvaziamento sofrido pelo Rio e a migração da produção industrial. "O que está faltando para o Alemão e a Penha é um debate sobre projetos, destinos e vocações para aquela área, que já foi uma região com os maiores investimentos do Rio", diz, apontando para a grande quantidade de prédios abandonados que pertenciam a empresas e hoje foram incorporados às favelas. "Aquela área vive o dilema das áreas pós-industriais, que é vivido por muitas cidades, como Berlim, que precisam decidir o que fazer com seus esqueletos." Ramos aponta para a grande população local para ressaltar seu potencial econômico e diz que a revitalização da área precisa de investimentos privados, sem depender apenas de iniciativas governamentais. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.