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Viegas culpa nota do Exército por sua demissão

Por Agencia Estado
Atualização:

O motivo do pedido de demissão de José Viegas do Ministério da Defesa foi a primeira nota do Comando do Exército (em 17 de outubro) a respeito do episódio de reabertura do caso Vladimir Herzog, com a publicação de fotos que pareciam ser do jornalista, antes de morrer nas instalações do Doi-Codi, em São Paulo. Na carta entregue no dia 22 de outubro ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e que foi distribuída hoje pela assessoria do Ministério da Defesa, Viegas disse que não via mais condições de continuar no cargo, depois de ver a nota do Exército publicada, sem o seu conhecimento. "Foi com surpresa e consternação que vi publicada no domingo, dia 17, a nota escrita em nome do Exército brasileiro que, usando linguagem totalmente inadequada, buscava justificar lamentáveis episódios do passado e dava a impressão de que o Exército, ou mais apropriadamente os que redigiram a nota e autorizaram a sua publicação, vivem ainda o clima dos anos 70, que todos queremos superar", afirma Viegas na carta. Ele diz na carta que a nota do Exército "representa a persistência de um pensamento autoritário ligado aos remanescentes da velha e anacrônica doutrina da Segurança Nacional, incompatível com a vigência plena da democracia e com o desenvolvimento do Brasil no século 21. Já é hora de que os representantes desse pensamento ultrapassado saiam de cena". Para ele, "é incrível que a nota se refira no século 21 a movimentos subversivos e a movimento comunista internacional". "É inaceitável que a nota use incorretamente o nome do Ministério da Defesa, numa tentativa de negar ou justificar mortes como a de Vladimir Herzog. É também inaceitável, a meu ver, que se apresente o Exército como uma instituição que não precise efetuar qualquer mudança de posicionamento de convicções em relação ao que aconteceu naquele período histórico". Ao receber o pedido de demissão, o presidente Lula pediu mais tempo para discutir a questão, segundo relato de assessores do Ministério da Defesa. Mas o pedido de demissão de Viegas foi em caráter irrevogável. Leia a carta da assessoria de comunicação do Exército que motivou a demissão de Viegas "1. Desde meados da década de 60 até início dos anos 70 ocorreu no Brasil um movimento subversivo, que atuando a mando de conhecidos centros de irradiação do movimento comunista internacional, pretendia derrubar, pela força, o governo brasileiro legalmente constituído. À época, o Exército Brasileiro, obedecendo ao clamor popular, integrou, juntamente com as demais Forças Armadas, a Polícia Federal e as polícias militares e civis estaduais, uma força de pacificação, que logrou retomar o Brasil à normalidade. As medidas tomadas pelas forças legais foram uma legítima resposta à violência dos que recusaram o diálogo, optaram pelo radicalismo e pela ilegalidade e tomaram a iniciativa de pegar em armas e desencadear ações criminosas. Dentro dessas medidas, sentiu-se a necessidade da criação de uma estrutura, com vistas a apoiar, em operação e inteligência, as atividades necessárias para desestruturar os movimentos radicais e ilegais. O movimento de 1964, fruto de clamor popular, criou, sem dúvidas, condições para a construção de um novo Brasil, em ambiente de paz e segurança. Fortaleceu a economia, promoveu fantástica expansão e integração da estrutura produtiva e fomentou mecanismos de proteção e qualificação social. Nesse novo ambiente de amadurecimento político, a estrutura criada tornou-se obsoleta e desnecessária na atual ordem vigente. Dessa forma, e dentro da política de atualização doutrinária da força terrestre, no Exército brasileiro não existe nenhuma estrutura que tenha herdado as funções daqueles órgãos. 2. Quanto às mortes que teriam ocorrido durante as operações, o Ministério da Defesa tem, insistentemente, enfatizado que não há documentos históricos que as comprovem, tendo em vista que os registros operacionais e da atividade de inteligência da época foram destruídos em virtude de determinação legal. Tal fato é amparado pela vigência, até 8 de janeiro de 1991, do antigo Regulamento para a Salvaguarda de Assuntos Sigilosos (RSAS), que permitia que qualquer documento sigiloso, após acurada análise, fosse destruído por ordem da autoridade que o produzira caso fosse julgado que já tinha cumprido sua finalidade. Depoimentos divulgados pela mídia, de terceiros ou documentos porventura guardados em arquivos pessoais não são de responsabilidade das Forças Armadas. 3. Coerente com seu posicionamento, e cioso de seus deveres constitucionais, o Exército brasileiro, bem como as Forças coirmãs, vêm demonstrando total identidade com o espírito da Lei da Anistia, cujo objetivo foi proporcionar ao nosso país um ambiente pacífico e ordeiro, propício para a consolidação da democracia e ao nosso desenvolvimento, livre de ressentimentos e capaz de inibir a reabertura de feridas que precisam ser, definitivamente, cicatrizadas. Por esse motivo considera os fatos como parte da História do Brasil. Mesmo sem qualquer mudança de posicionamento e de convicções em relação ao que aconteceu naquele período histórico, considera ação pequena reavivar revanchismos ou estimular discussões estéreis sobre conjunturas passadas, que a nada conduzem." Leia a carta de retração, assinada pelo comandante do Exército, general-de-Exército Francisco Roberto de Albuquerque. "O Exército Brasileiro é uma Instituição que prima pela consolidação do poder da democracia brasileira. O Exército lamenta a morte do jornalista Wladimir Herzog. Cumpre relembrar que, à época, este fato foi um dos motivadores do afastamento do comandante militar da área, por determinação do Presidente Geisel. Portanto, para o bem da democracia e comprometido com as leis do nosso país, o Exército não quer ficar reavivando fatos de um passado trágico que ocorreram no Brasil. Entendo que a forma pela qual esse assunto foi abordado não foi apropriada, e que somente a ausência de uma discussão interna mais profunda sobre o tema pôde fazer com que uma nota do Centro de Comunicação Social do Exército não condizente com o momento histórico atual fosse publicada. Reitero ao Senhor Presidente da República e ao Senhor Ministro da Defesa a convicção de que o Exército não foge aos seus compromissos de fortalecimento da democracia brasileira".

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