Vergonha, lágrimas e mágoa no berço do PT

Primeiro prefeito eleito pelo partido no País, Gilson Menezes diz que ‘tudo desmoronou’

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Por Gilberto Amendola
Atualização:
  Foto: AMANDA PEROBELLI | ESTADAO CONTEUDO

Pouco sobrou do Primeiro de Maio original, quase não se encontram vestígios daquele estádio que, no dia 13 de maio de 1979, abrigou a mais emblemática greve da história do Brasil, em São Bernardo do Campo, no ABC paulista.

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Com boa vontade, é possível identificar o local em que o palco daquele ato foi montado, ouvir o som dos helicópteros da polícia voando baixo e, em resposta, a turba que cantava o Hino da Independência – bem como recordar de um problema no equipamento de som que fez cerca de 60 mil trabalhadores repetirem, como se estivessem em um jogral, as palavras de um líder emergente, Luiz Inácio Lula da Silva.

Todas essas reminiscências só são possíveis se você for uma testemunha ocular daquela história, se você for alguém como Gilson Menezes, de 67 anos, o primeiro prefeito eleito pelo PT.

Ali, no centro do gramado do Primeiro de Maio, o homem que venceu as eleições de 1982, em Diadema, caiu em prantos: “A ideia da criação do PT já estava presente nesse estádio, já estava presente nessa greve, já era quase uma realidade. E agora? Está tudo desmoronando. Por que fizeram isso?”, pergunta.

De fato, menos de um ano depois daquele movimento, no início de 1980, nascia o PT. Menezes, que em 1978 havia se destacado como liderança sindical, principalmente por conseguir paralisar a Scania (fabricante de caminhões), participou das primeiras conversas sobre a criação do partido. “No começo, discutíamos nos bares, restaurantes e nas nossas casas. O partido ainda nem tinha um nome definido. Havia quem defendesse o nome PP (Partido Popular)”, recorda.

Em 1982, Menezes acabou sendo candidato contra sua vontade – mais para consolidar a legenda e dar visibilidade a lideranças locais. “Eu tinha vergonha de dizer que era candidato”, lembra. Chances de vencer? Quase não se pensava na possibilidade. Na época, Paulo Afonso, que era o vice na chapa, dizia: ‘Não devemos ganhar. Vencer seria um fel amargo’”. Menezes recorda ainda que concorrer à prefeitura significava apenas “fincar bandeira do PT”.

Segundo ele, a campanha foi feita de casa em casa, em mutirões e com muita conversa. A sensação de que o partido poderia emplacar seu primeiro prefeito foi surgindo paulatinamente e tornou-se uma quase certeza nos dias de apuração (como a eleição era em papel, levava-se mais de 24 horas para aferir os resultados). A situação era tão improvável que uma multidão passou madrugadas em vigília para que não houvesse possibilidade de fraude.

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Quando o resultado oficial foi divulgado já eram duas da manhã de uma quinta-feira. Militantes saíram em passeata para comemorar o feito. Além de bandeiras vermelhas, eles carregavam a esperança em uma democracia recém-conquistada e em um partido que se apresentava como algo diferente.

Aqui, agora. Daí, voltamos ao Estádio Primeiro de Maio, onde Menezes, protagonista da primeira grande vitória petista, se confessa envergonhado pelo partido que ajudou a fundar. “As pessoas me param na rua e perguntam se ainda defendo ‘aquele partido lá’”, afirma.

Na iminência do encerramento de ciclo eleitoral que, parece, vai deixar o PT sem um único prefeito na região, Menezes tenta tatear explicações. “Se inebriaram pelo poder do dinheiro. Faltou firmeza ideológica. Hoje, o PT virou aquele partido que foi feito para ser diferente, mas briga para ser igual”, diz, sem esconder a mágoa. “Eu torço para que o PT faça uma autocrítica. O PT tem de ter coragem de dizer ‘nós erramos’. Esse é o único jeito de frear o antipetismo crescente no País.”

Menezes também se emociona ao falar de Lula. Ele diz sentir “dor no coração” e torcer para que o ex-presidente “prove sua inocência”. Ele garante também que “não quer ver o fim do PT”. “Eu sempre vou ter uma ligação emocional com eles (o PT). A primeira palavra que meu filho disse não foi papai, não foi mamãe, foi ‘tete’ – de tanto ouvir falar em PT na minha casa”, conta.

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O ex-prefeito de Diadema deixou o PT antes da primeira eleição de Lula à Presidência. Diz que abandonou o barco por não encontrar mais espaço na sigla e por ser sentir preterido. Em 2004, Menezes ganhou os holofotes da mídia ao se acorrentar no saguão de entrada do Palácio do Planalto por 30 minutos. Na ocasião, reivindicava o pagamento retroativo da pensão de anistiado político.

Neste ano, filiado ao PDT, candidatou-se à Câmara Municipal de Diadema. Esperava uma votação que batesse os 3 mil votos (suficiente para elegê-lo). Obteve apenas 360. Atualmente, Menezes trava uma disputa judicial – seus bens estão bloqueados por suspeita de irregularidades cometidas na época em que foi prefeito pela segunda vez (1997-2000).

Antes de ir embora, ele dá uma última espiada no estádio que já não guarda nenhuma semelhança com o estádio de sua juventude. Da mesma forma, pensa no partido que viu nascer, mas que hoje já não reconhece mais.

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