Uma trajetória de luta pela liberdade de expressão

Desde a fundação, em 1875, 'Estado' se pauta pela independência editorial

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Por José Maria Mayrink
Atualização:

O jornal O Estado de S. Paulo passou a se chamar assim em 1.º de janeiro de 1890, um mês e meio após a proclamação da República. Fundado em 4 de janeiro de 1875 por um grupo de idealistas republicanos e abolicionistas com o nome de A Província de São Paulo, sem compromisso partidário, tinha convicções firmes e sempre lutou pelas causas que apoiou, a começar pela luta contra a Monarquia. Seus fundadores eram dez fazendeiros, cinco advogados, quatro capitalistas, um negociante e o jornalista Américo de Campos, um dos redatores responsáveis, ao qual se juntaria Rangel Pestana. 

Ilustração mostra a redação de ‘A Província’, no centro de São Paulo Foto: Arquivo|Estadão

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São 137 anos de vida independente, pois na história do jornal não se contam os cinco anos de ocupação do governo Getúlio Vargas, de março de 1940 a dezembro de 1945. Como seus proprietários, Julio de Mesquita Filho e Francisco Mesquita, resistiram à censura imposta pelo Estado Novo, a redação foi invadida por tropas da Força Pública, atual Polícia Militar. O jornal só foi devolvido (e recomprado) quando a ditadura caiu. 

Julio Mesquita, o patriarca da família, assumiu o cargo de gerente em 1888, ano da abolição da escravatura. “Agora começa o trabalho de libertar os brancos”, advertiu a Província, prevenindo os leitores de que a luta apenas começava.

“Viva a República”, esta foi a manchete e único texto da primeira página, em 16 de novembro de 1889, ao lado do desenho de um gorro frígio, símbolo da liberdade conquistada. Foi inovação gráfica ousadíssima para os padrões da imprensa na época. Seguiu-se uma série de novidades que logo incomodariam os jornais concorrentes. Para aumentar a tiragem, então de 2.025 exemplares destinados apenas a assinantes, a Província adotou uma iniciativa revolucionária: o francês Bernard Gregoire saiu às ruas do centro da cidade, anunciando aos gritos a edição do dia, montado num cavalo e acompanhado de um cachorrinho, com uma buzina na mão e um pacote de jornais debaixo do braço. 

Julio Mesquita contratou grandes escritores para escrever no jornal, entre eles Aluísio de Azevedo, Raimundo Correia, Alberto de Oliveira, Júlia Lopes de Almeida, Raul Pompeia, Monteiro Lobato e Guilherme de Almeida. No fim do século 19, o Estado cobriu a Campanha de Canudos com um repórter iniciante, Euclides da Cunha. De suas reportagens nasceu o épico Os Sertões, que relatou o cenário e a luta dos sertanejos de Antônio Conselheiro, no interior da Bahia, contra as tropas do governo. 

A censura foi uma mancha na história do Estado desde os tempos de Julio Mesquita. O jornalista reagiu com o lançamento de uma edição vespertina, o Estadinho, para cobrir a Primeira Guerra Mundial, quando a polícia estendeu as restrições à divulgação de notícias supostamente prejudiciais aos aliados. Julio Mesquita escrevia crônicas semanais sobre os combates na Europa, com base em telegramas de agências e fontes pessoais.

Na Revolução de 1924, o Estado apoiou os paulistas contra o presidente Artur Bernardes e sofreu as consequências: Julio Mesquita foi preso e enviado para o Rio de Janeiro, quando o governo federal venceu os revoltosos. Julio Mesquita Filho e seu irmão Francisco Mesquita, que assumiram a redação e a administração do jornal, quando o pai morreu, em 1927, enfrentaram novas dificuldades na Revolução Constitucionalista de 1932. Derrotados nas trincheiras do Vale do Paraíba, foram presos e exilados em Portugal.

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Retornaram quase dois anos depois, após o presidente Getúlio Vargas tentar uma reconciliação e nomear Armando de Salles Oliveira interventor de São Paulo. Eleito, em seguida, governador. Pela Assembleia estadual, ele convidou Julio de Mesquita Filho para coordenar as criação da Universidade de São Paulo (USP). Com o golpe de 10 de novembro de 1937, que instituiu o Estado Novo, voltaram a perseguição e a censura. Julio de Mesquita Filho foi sucessivamente preso e solto 17 vezes, até ser exilado na França. 

Na véspera da Segunda Guerra, ele e Armando de Salles Oliveira, que era seu cunhado e foi exilado porque pretendia se candidatar a presidente da República, fugiram da Europa. Julio de Mesquita Filho refugiou-se em Buenos Aires. Só voltou após a derrubada da ditadura, em 1945. Reassumiu a direção do Estado, que estava em boa situação financeira.

A empresa construiu uma sede moderna na Rua Major Quedinho, no centro da cidade, e lançou novos produtos, como a Rádio Eldorado (1958), o Jornal da Tarde (1966) e a Agência Estado (1970).

Julio de Mesquita Filho morreu em julho de 1969, sete meses após a edição do Ato Institucional n.º 5 (AI-5) e seu irmão, Francisco, em novembro do mesmo ano. Eles haviam apoiado o golpe militar de 1964, mas romperam com o novo governo com a radicalização do regime e a imposição da censura. Julio de Mesquita Neto, Ruy Mesquita e Luiz Carlos Mesquita (falecido em 1970) assumiram a redação, enquanto seus primos José Vieira de Carvalho Mesquita e Luiz Vieira de Carvalho de Mesquita cuidavam da administração.

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Também não se curvaram à ditadura. Recusaram-se a fazer autocensura e substituíram os textos e ilustrações cortados pelos censores por versos de Os Lusíadas, de Camões (Estado) e receitas de bolos e doces (Jornal da Tarde). 

Nesse período difícil, de dezembro 1968 a janeiro de 1975, quando jornalistas foram ameaçados, presos e torturados, o jornal manteve a tradição. Os repórteres receberam orientação para apurar e tentar publicar os fatos como se não existisse censura. Agentes da polícia se instalaram nas oficinas gráficas da Rua Major Quedinho e só se retiraram na noite de 3 de janeiro de 1975, véspera do centenário do Estado. A pressão, no entanto, continuou até o fim da vigência do AI-5, em 13 de dezembro de 1978.