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Um palanque para Lula

Depois de detê-lo e soltá-lo, a Lava Jato deu ao ex-presidente a chance de se transmutar de 'investigado' em 'vítima'

Por José Roberto de Toledo
Atualização:
Talvez não fosse o que Lula queria, mas condução coercitiva era o que ele precisava para arrancar apoios. Foto: Nilton Fukuda/Estadão

Em tempos de opinião pública instantânea, a política é, cada vez mais, guerra de palavras. Quem impõe o vocabulário define o sujeito e lhe atribui os predicados. Assim, o dono do dicionário comanda a história. Depois de detê-lo e soltá-lo, a Lava Jato deu a Lula chance de se transmutar de "investigado" em "vítima", antes mesmo de virar "réu". Até sexta-feira, a palavra "preso" era arma só da oposição. Hoje, ninguém sabe. Depende da narrativa que prevalecer, a de "perseguido" ou a de "pixuleco".

Como sempre, o juridiquês quer dizer pouco ou quase nada. O que importa é como a ação dos policiais, procuradores e do juiz é percebida pela opinião pública. “Condução coercitiva” – dizia o despacho de Sérgio Moro, ressalvando que nenhum federal, japonês ou não, deveria algemar o ex-presidente. Pode ser um conceito jurídico, mas sua tradução para o popular é "prisão".

No Capão Redondo e em Belford Roxo, "condução coercitiva" é o que faz o motorista quando não abre a porta do busão para os passageiros. E prisão é prisão. Basta conferir nas redes. Ao longo da sexta, as incontáveis buscas feitas pela palavra "Lula" no Google estiveram associadas majoritariamente a três termos: "preso", "prisão" e "Polícia Federal". E não só em português.

Em inglês, a versão foi a mesma nos relatos dos principais jornais estrangeiros. A "condução coercitiva" foi traduzida pelo The New York Times como "taken into custody", e pelo The Washington Post como "detention". Com ou sem algemas, a história predominante é que Lula foi preso e, depois, solto.

A prisão devolveu a Lula o discurso, e a soltura, o palanque. O ex-presidente perdera ambos quando deixou de explicar convincentemente quem pagava o quê para o seu usufruto. Como Eduardo Cunha prova, não precisa ser dono para ser usufrutuário, seja de offshore, conta suíça ou sítio. Milton Friedman disse e os memes de internet aperfeiçoaram: "Não há tríplex grátis".

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Porém, em vez de pedalinhos, o que se discutiu desde sexta foram os excessos com ou sem aspas do juiz Moro e dos procuradores – e suas consequências. Sabe-se que alguém passou à defensiva quando divulga nota para se justificar. Foi só o que a Lava Jato pareceu fazer após tocar a campainha de Lula. Pelo conteúdo, percebe-se que, como cientista social, Moro é um ótimo juiz.

Se é verdade que decretou a "condução coercitiva" do ex-presidente até um dos aeroportos mais movimentados do País para evitar tumultos e minimizar confrontos, Curitiba deve ser um lugar muito distante do Brasil. Talvez não fosse o que Lula queria, mas era o que ele precisava para arrancar apoios.

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Até Dilma Rousseff se viu obrigada a defender o antecessor e ir pessoalmente prestar solidariedade ao antigo guru. Se a delação em busca de um prêmio do ainda senador Delcídio Amaral colocara ambos no mesmo barco furado, a Lava Jato mostrou-lhes que há uma única boia para compartilhar. Mesmo que não se saiba por quanto tempo, a prisão reaproximou governo e PT. De quebra, despertou movimentos sociais e sindicais da apatia bolsista.

Até pesquisa de opinião feita depressa pela internet já alimenta a reação do PT e cia. Diz que a maioria achou exagerada a forma como foi feita a condução de Lula pela Polícia Federal e discorda de sua inclusão na Lava Jato. Importam menos os resultados do que seu efeito na mobilização dos petistas.

Se essa mobilização vai conseguir se sustentar no tempo e se será suficiente para fazer frente aos milhões de antipetistas, só o tempo e o STF dirão. Sim, porque é das canetas de ministros do Supremo Tribunal Federal que devem sair as próximas sentenças dessa narrativa. Seja qual for o desfecho da história, não parece que o vencedor ganhará por WO. Desde sexta, as ruas têm mão dupla. Aumentou o risco de colisão frontal.

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