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Um é pouco, dois são demais

Ambos, Villela e Miller, eram procuradores com acesso a dados sigilosos sobre as negociações

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Por Érica Gorga
Atualização:

Antes tarde do que nunca o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, resolveu admitir que o acordo de delação premiada com Joesley e Wesley Batista é um acinte ao ordenamento jurídico brasileiro, mesmo que pela razão errada.

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Janot revelou que encontrou em áudio de conversa de Joesley Batista e Ricardo Saud, executivo da JBS também beneficiado pelo acordo, indícios de “crimes gravíssimos” que teriam sido supostamente praticados por Marcelo Miller, ex-procurador que deixou o Ministério Público Federal em abril deste ano para uma semana depois se apresentar como sócio do escritório de advocacia Trench Rossi Watanabe a fim de negociar o acordo de leniência em nome da J&F – sociedade controladora da JBS – em reunião com o próprio MPF. Pela gravação, Miller teria supostamente auxiliado os delatores a influenciar a decisão de Rodrigo Janot sobre a negociação do premiadíssimo acordo de delação que conferiu imunidade criminal total aos Batista.

A decisão de Janot de abrir investigação que pode levar à rescisão do acordo é surpreendente. Primeiro, conforme argumentei no artigo A mais escandalosa das delações publicado em 22 de maio neste jornal, Janot já sabia que “Joesley Batista corrompeu o próprio Ministério Público Federal, mantendo como informante durante as tratativas do acordo o procurador Ângelo Goulart Villela”, que acabou sendo preso. Naquela ocasião, Janot considerou que a existência de um informante dos Batista no Ministério Público Federal era insuficiente para contaminar o acordo com eles firmado. Concluí naquele episódio que “ironicamente, o chefe do MPF foi bem mais rigoroso com o corrompido da sua corporação do que com o corruptor”.

Eis que agora o novo áudio revela a existência de um segundo informante dos Batista – Marcelo Miller – e Janot então publicamente alega ser este “o motivo” que altera toda a premissa do acordo de delação premiada. Se ambos, Villela e Miller, eram procuradores com acesso a informações sigilosas sobre as investigações e negociações, é de causar espanto a lógica do PGR. Traduzindo em miúdos: para Janot um informante é pouco e dois são demais? A reviravolta do PGR é ainda mais notável se considerarmos que ele próprio já havia afirmado que Miller não havia participado da negociação da delação dos Batista. 

Nessas idas e vindas Janot novamente se abstém do confronto da questão primordial que ronda a Lava Jato. Quem são afinal os líderes das organizações criminosas (orcrim)? Janot usa subterfúgio para rescindir o acordo com os Batista – o qual seria desde o início nulo, como requer a lei, se eles fossem reputados líderes da orcrim. Resta saber a quem Janot pretende imputar a liderança agora que está prestes a apresentar nova denúncia contra o presidente Michel Temer por sua suposta participação na orcrim. Ou seriam as orcrims investigadas pela Lava Jato desprovidas de qualquer liderança?

Ao optar pela rescisão do acordo com base na alegada mentira ou omissão dos delatores no caso de Miller, Rodrigo Janot tenta salvar sua própria reputação, consertando o erro na negociação do acordo de delação com os Batista antes que a próxima PGR o faça. A vantagem de tal estratégia é a preservação das provas colhidas durante todo o processo. Eventual nulidade do acordo poderia incitar discussões sobre a validade das provas entregues pelos delatores. A essas alturas, como não dá para voltar e renegociar o acordo de delação em bases mais adequadas, para a emenda ficar melhor que o soneto, deve o atual PGR rescindir o acordo de delação por culpa dos próprios delatores, aproveitando as provas, e com base nelas apresentar a aguardada denúncia contra os líderes da orcrim que se instalou em torno da JBS. Dando-se nome aos bois do escândalo do frigorífico, Joesley e Wesley Batista, espera-se que a Lava Jato enfim desate o nó que criou.  *PESQUISADORA DA USP

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