Tropeço em bom começo

Se há uma coisa que Michel Temer não pode dizer é que a cigana o enganou. Estava escrito nas estrelas e em toda parte que não seria aconselhável nem aceitável subestimar o peso da Lava Jato na escolha de nomes para compor o Ministério. Numa imprudência que não lhe é peculiar, o presidente foi logo de início avisando que a condição de investigado não impediria ninguém de compor sua equipe. 

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Por Dora Kramer
Atualização:

Contratava, naquela declaração, um risco. O mais óbvio em vista das circunstâncias: provocar justificadas contrariedades. Afinal, uma das razões que levaram a maioria da população a querer ver o PT afastado do poder, foi o repúdio não só às más condutas comprovadas, mas também àquelas questionadas sob os aspectos da legalidade e da ética. 

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Formalmente, investigados não são acusados, mas não se pode dizer que sejam cidadãos acima de qualquer suspeita. Na condição de investigados, evidentemente estão sob a égide da suspeição e, assim, não é conveniente que estejam na linha de frente de um governo de “salvação nacional”, cuja necessidade de salvacionismo não se limita às questões econômicas.

O dano adicional é o que vimos na conversa entre Romero Jucá e Sérgio Machado: um diálogo impróprio, mas dentro do padrão de muitas das conversas particulares entre políticos e empresários nesses tempos em que não se sabe literalmente o que nos espera para o dia de amanhã. No desconcerto fala-se muita bobagem.

O ex-presidente Luiz Inácio da Silva disse bem pior nas gravações em que chamava seus correligionários de frouxos por não conseguirem manipular as investigações da polícia e do Ministério Público, as decisões da Justiça, os movimentos do Legislativo e a opinião do público. Não urdia um golpe, mas com a exposição de seus desejos perdeu qualquer resquício de respaldo para tentar amealhar apoios no Congresso contra o impeachment.

A Lava Jato é o (enorme) passo seguinte de um processo iniciado ainda na CPI dos Correios que resultou na condenação de políticos importantes e empresários influentes. Como tal, é incontrolável e intocável. Portanto, conversas como as de Lula, Jucá e Machado (que estava ali para colher elementos para sua delação premiada) não têm efeito prático. 

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Entretanto, geram consequências simbólicas extremamente delicadas na atual conjuntura. Quando há no governo pessoas diretamente envolvidas nas investigações, sempre haverá a possibilidade de serem flagradas manifestando insatisfação. Romero Jucá, cuja competência não se discute, poderia ter ficado desde o começo onde está: ajudando o governo a aprovar as medidas no Congresso. 

Nem tudo, porém, são tropeços. Houve acertos a assegurar um bom começo. Neste quesito, destaque para José Serra, absolutamente perfeito numa chancelaria que necessitava de urgente e radical mudança de rumos. Sabe o que quer e como quer, além de atuar em consonância com o bom senso.  Na economia é de se saudar a exposição dos dados e os gestos corretos na direção do Congresso: apresentação das medidas aos

líderes partidários e, em seguida, o comunicado à sociedade em entrevista com explicações claras das áreas política e econômica. Henrique Meirelles e Eliseu Padilha não deixam nada sem explicação.

O Parlamento, foi dito ali, terá liberdade para propor alterações. O detalhe que parece óbvio é um gesto de afirmação sobre a autonomia do Legislativo. Essencial numa relação em que a subserviência representa o “toma lá” ao qual corresponde o “dá cá”. É preciso, contudo, que as boas promessas sejam vistas como dívidas a serem pagas com juros e correção. É o mínimo que se espera, porque a cobrança será implacável. 

Quanto às chamadas “idas e vindas”, normais, desde que não sejam permanentes. Melhor o recuo tático que a teimosia estratégica. 

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