'Transparência é dever da Lava Jato', diz professora da FGV

Érica Gorga diz que operação tem de detalhar valores recuperados e MPF deve propor ação para ressarcir investidor privado

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Por Alexandra Martins
Atualização:
Erica Gorga, professora da FGV Foto: Alex Silva/Estadão

A professora Érica Gorga, de Direito do Mercado de Capitais da FGV-SP, defendeu o cumprimento da legitimidade do Ministério Público Federal (MPF) de propor ação penal por crimes cometidos contra o capital privado investigados pela Operação Lava Jato. Segundo a lei de ação civil pública, de 1985, cabe ao MPF propor procedimento quando houver danos patrimoniais causados por infração da ordem econômica. “A primeira legitimidade é do Ministério Público”, afirmou a pesquisadora, que participou do Fórum Estadão – Equilíbrio entre Poderes, realizado pelo Estado na semana passada.

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O procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima afirmou, em carta ao Estado, que “a Lava Jato produziu extenso material probatório que pode ser usado pelos acionistas minoritários para a responsabilização da União, acionista majoritária da Petrobrás, ou de qualquer outros corresponsáveis pelos atos ilícitos descobertos”. A professora contesta o procurador ao citar os entraves burocráticos impostos aos acionistas minoritários antes de propor qualquer ação reparadora. “O MP tira o corpo fora. A União é dona de apenas 28% do capital da Petrobrás. A parte mais lesada na Lava Jato é o investidor, não os cofres públicos”, disse Érica. Ela também defende maior transparência da força-tarefa na divulgação do destino do dinheiro recuperado.

Por que o Ministério Público Federal foca em crimes contra o dinheiro público e menos no privado no contexto da Lava Jato? Isso já vem da nossa tradição histórica de confundir patrimônios público e privado e também de o Estado se mobilizar para defender o patrimônio público. Todas as nossas crises de mercado financeiro foram caracterizadas por essa não dissociação, da não penalização de agentes que praticaram crimes financeiros. No Brasil, não há histórico de apuração séria de crimes financeiros.

Esse cenário fere a legislação? Fere diversos dispositivos, como os artigos 158 e 159 da Lei de Responsabilização das Sociedades Anônimas. O 158 trata de responsabilização dos administradores e o 159, da companhia. O esdrúxulo da lei brasileira é que ela prevê que a ação de responsabilidade contra a companhia que infringiu os direitos dos investidores tem de ser autorizada pelos acionistas controladores da companhia. É uma coisa nonsense. Como o controlador da companhia vai autorizar em assembleia que seja movida uma ação contra a própria companhia No caso da Petrobrás, a União é o acionista controlador, que indicou os administradores. Ela nunca autorizaria um processo para apurar responsabilidade desses administradores. Por outro lado, a lei exige que você tenha outra possibilidade por meio do acionista minoritário, que tenha ao menos 5% do capital acionário. Ele seria o único com poder para pedir reparação. No caso da Petrobrás, seria a Previ (fundo de pensão do Banco do Brasil), que tem essa relação espúria com o próprio governo.

Qual a responsabilidade do Ministério Público para o investidor recuperar seu dinheiro? Cabe uma ação civil pública primariamente ao Ministério Público Federal de ressarcimento aos investidores pelos desvios. Só que o MPF, em resposta ao Estado, tirou totalmente o corpo fora, como se coubesse somente aos acionistas minoritários entrar com uma ação de reparação, mas eu quero lembrar que os acionistas minoritários têm essa legitimidade subsidiariamente e dependem de uma associação, uma pessoa jurídica, para viabilizá-la. A legitimidade principal é do MP. É por isso que nós não vemos essas ações, porque a lei requer que os investidores se organizem por meio de associação civil que tenha no mínimo um ano de existência. Então é assim: um sujeito sofre uma perda milionária hoje por um escândalo corporativo, tem de montar uma associação no dia seguinte e esperar um ano para ele poder ingressar na Justiça. É um custo burocrático que muitas vezes os investidores não enfrentam. Se não houver essa ação, o dinheiro vai direto para a companhia e fica lá.

Para onde deve ir o dinheiro recolhido pelo MP da Lava Jato? Existe muita confusão. As pessoas falam da Petrobrás como se fosse a própria União, e aí aparecem vários artigos da imprensa como se os recursos desviados da Petrobrás pudessem em algum momento retornar para a União. O patrimônio é separado. A Petrobrás é uma pessoa jurídica regida pelas leis do direito privado. A parte mais lesada na Lava Jato é o investidor, não os cofres públicos. Em hipótese nenhuma poderia ser destinado à União o retorno de recursos que foram desviados da Petrobrás. Tem de chegar à Petrobrás primeiro. O escândalo da Petrobrás trata de desvios em obras que os procuradores tratam como públicas, mas são de uma companhia de economia mista. É diferente o Estado contratar uma empresa para fazer obra de um metrô e a Petrobrás contratar outra para fazer uma refinaria. Como pode estar todo o dinheiro num mesmo balaio?

Há cálculo de quanto há de dinheiro público e privado nos ressarcimentos da Lava Jato? Essa resposta depende da total transparência da Lava Jato. Isso é um dever da operação e direito do grande público de saber quais acordos estão resultando em quais quantias de dinheiro recuperado. Nós não sabemos 100% (o destino do dinheiro recuperado). Eu já achei informações e a Lava Jato já deu declarações públicas de que o dinheiro do ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa foi retornado à Petrobrás, mas, de todos os acordos e de todas as outras ações penais, seja em Curitiba, seja no Rio, nós não temos um catálogo de todas elas para saber aonde estão indo esses recursos. É um problema. Só a Lava Jato tem de fornecer esses dados.

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