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Tolerância à corrupção sobe com falta de escolaridade

Livro mostra que educação promove o grande corte social e ético do Brasil e é a principal matriz a transmitir valores republicanos às pessoas

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Por Carlos Marchi
Atualização:

Quanto mais baixa a escolaridade, maior a tolerância do brasileiro com a corrupção, que não existe, portanto, por culpa exclusiva de uma elite política perversa, mas é aceita por amplos segmentos da sociedade. A explicação está no livro A cabeça do brasileiro, do sociólogo Alberto Carlos Almeida, escrito a partir de uma pesquisa que captou os ''''core values'''' (valores enraizados) da sociedade brasileira. O livro mostra que a educação é o grande corte social e ético do Brasil: os 57% de brasileiros que têm até o ensino fundamental são mais autoritários, mais estatistas e revelam menos valores democráticos; à medida que a escolaridade aumenta, os valores melhoram - o que, prova, segundo o autor, que a educação é a principal matriz a transmitir valores republicanos às pessoas. Almeida apurou que a tolerância à corrupção se confunde com a aceitação do ''''jeitinho'''': ''''O ''''jeitinho'''' é a ante-sala da corrupção'''', afirma ele. O diagnóstico é que, para ampliar seus valores, ter mais democracia e se tornar um País mais liberal (não no sentido ideológico, mas nos valores republicanos), o Brasil deve investir maciçamente em educação para mudar a sua pirâmide social: ''''Uma classe média majoritária será a maior barreira contra a corrupção'''', diz Almeida. PIRÂMIDE DE VALORES Essas constatações explicam, por exemplo, por que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi reeleito, apesar de fustigado por escândalos no ano da eleição. Almeida, no entanto, desvincula a pesquisa de situações conjunturais e diz que ela diagnostica um problema estrutural que explica os Brasis do passado, do presente e do futuro. A pesquisa mostra que em todas as questões que envolvem valores cívicos as posições mais modernas são constatadas no topo da pirâmide (os que têm ensino superior) e se degradam gradualmente, até chegar aos índices preocupantes recolhidos entre os analfabetos. O ''''Brasil arcaico'''', que Almeida localiza na baixa escolaridade, tem peculiaridades que revelam seu distanciamento dos valores republicanos: apóia o jeitinho; é hierárquico, patrimonialista e fatalista; não confia nos amigos; não tem espírito público; defende a lei do talião; é contra o liberalismo sexual; apóia o intervencionismo do Estado na economia; é a favor da censura; e, por fim, é tolerante com a corrupção. A grande inflexão nos valores se dá na passagem do ensino fundamental para o ensino médio - no qual os valores já se aproximam dos que têm ensino superior -, o que faz Almeida sugerir que o País aposte todas as fichas na universalização do ensino médio. Com esse modelo de valores, concorda Almeida, não há surpresas quando o eleitorado brasileiro ignora denúncias de corrupção contra um presidente ou um partido: ''''Não é que os eleitores esquecem as denuncias. É que, para eles, elas não são importantes'''', observa. A grande solução brasileira, diz ele, é investir pesado em educação para favorecer a agregação de valores republicanos: ''''Com uma multidão que respeita a lei, que abomina o jeitinho e não tolera a corrupção, haverá menos pessoas a punir'''', diz. PROCESSO LENTO A qualidade da democracia, registra Almeida, aumenta quando a população é mais escolarizada: ''''A democracia só é possível com níveis elevados de escolarização.'''' O economista americano Clifford Young, que ajudou Almeida a montar a pesquisa, diz que o livro diagnostica que o Brasil deve investir em educação como valor humano e também como valor democrático. Almeida opina que a radiografia da sociedade brasileira vai melhorar à medida que a escolaridade aumentar, mas esse é um processo que, apesar de contínuo, é muito lento. ''''É a educação que comanda a mentalidade'''', sentencia. A tolerância à corrupção revela outro desvio: o brasileiro é patrimonialista e aceita com naturalidade que os políticos se apropriem dos bens públicos: 30% dos brasileiros definem como ''''favor'''', e não como corrupção, um funcionário público receber um presente de uma empresa, depois de ajudá-la a ganhar um contrato do governo - o que já é surpreendente. Mas entre os analfabetos, esse porcentual sobe para 57% (no nível superior, só 5% opinam assim). Do mesmo modo, 17% dos brasileiros concordam que alguém eleito para um cargo público possa usá-lo em benefício próprio, como se fosse sua propriedade; mas entre os analfabetos, a concordância chegou a 40% e entre os que têm até a 4ª série, foi de 31% (entre os que têm nível superior, só 3%). Outro valor que impregna os brasileiros de baixa escolaridade é uma tendência inflexível de apoiar a intervenção do Estado na economia e na vida dos indivíduos, apesar de reconhecerem que o Estado é mais ineficiente que a empresa privada e a despeito de concederem melhor avaliação às instituições privadas do que às governamentais. Almeida explica: ''''Baixo nível de escolaridade resulta em renda mais baixa, a qual, por sua vez, leva a um sentimento de incapacidade e impotência que faz essas pessoas considerarem o Estado uma espécie de grande pai protetor.'''' Isso bloqueia, por exemplo, aceitar a privatização de serviços básicos; por outro lado, os brasileiros de baixa escolaridade admitem com naturalidade a censura (56%, entre os analfabetos).

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