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Siemens sabia que teria contrato antes mesmo da licitação

E-mails trocados por executivos da empresa sugerem acerto prévio para pacote de reforma de trens da CPTM no 2º mandato de Alckmin

Foto do author Marcelo Godoy
Por e Marcelo Godoy
Atualização:

Mensagens trocadas entre executivos da Siemens mostram que eles já sabiam que seriam contratados para um pacote de reformas de trens metropolitanos antes mesmo de o governo paulista lançar os editais de licitação para o serviço. O episódio ocorreu entre 2004 e 2005, durante o segundo mandato do governador Geraldo Alckmin (PSDB).

 

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Os e-mails sobre os contratos da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) para o programa de reforma, batizado de Boa Viagem, constam da documentação em posse do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) sobre o cartel que atuou no setor ferroviário paulista desde os anos 1990.

 

Em 24 de novembro de 2004, o executivo Marco Vinícios Barbi Missawa afirma a Dirk Schoenberguer, da Siemens alemã, que a CPTM teria "por objetivo principal dar o pacote completo (da licitação para o programa Boa Viagem) para quatro fornecedores grandes (Alstom, Siemens, Bombardier e ADTrans)".

 

O edital, com os termos do projeto, foi lançado dois dias depois. O programa, orçado em R$ 400 milhões, em valores atualizados, previa a reforma de trens de quatro das seis linhas da CPTM. A licitação foi concluída em agosto de 2005 e os vencedores foram de fato as quatro empresas citadas nos e-mails da Siemens.

 

A assessoria de Alckmin informou que tem "total interesse" em esclarecer o caso (mais informações no texto ao lado).

 

Subcontratações. Um e-mail escrito em alemão, que consta na página 884 do processo do Cade, mostra que a Siemens teria de subcontratar outras duas empresas do setor como fornecedoras e afirma que a Siemens estava "desenvolvendo os prazos da licitação com as três outras firmas e a CPTM". A conversa não esclarece se a subcontratação das empresas era uma exigência. Diz apenas que a Siemens já contava com duas empresas para preencher os requisitos.

 

Na mensagem eletrônica, o executivo faz ainda referências a reuniões entre as empresas "para assegurar as condições mais importantes para que a concorrência ocorra sem problemas". Diz ainda que "conjuntamente, são verificadas as possíveis condições e formatos da licitação" que a CPTM deveria lançar naquele ano.

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O presidente da CPTM na época era Mário Bandeira, o mesmo que atualmente preside a empresa. A Secretaria dos Transportes Metropolitanos, à qual a CPTM é subordinada, também era chefiada pelo atual secretário, Jurandir Fernandes.

 

Essa não é a única citação da CPTM no processo em que os executivos indicam uma ação direta da empresa para pressionar os integrantes do cartel. Em um documento anterior, datado do ano 2000, outro executivo da empresa também dizia que, naquele ano, o governo paulista, sob o comando do também tucano Mário Covas, "pressionava" as empresas a fazerem acordo para dividir logo os lotes da licitação que iria fornecer material para o projeto da primeira fase da Linha 5-Lilás do Metrô. A anotação estava em um diário de Peter Rathgeber, então gerente de vendas da Siemens.

 

Competências. A documentação faz parte dos sete volumes em poder do Cade para investigar as práticas antimercado que teriam sido conduzidas pelas empresas do setor metroferroviário entre os anos de 1998 e 2007. O Cade não apura participação de funcionários públicos no direcionamento de licitações para facilitar a atuação do cartel.

 

Esse trabalho está sendo desenvolvido pelo Ministério Público Estadual, que tem 45 inquéritos civis sobre irregularidades nos transpores e, na sexta-feira, abriu um procedimento criminal para investigar a conduta dos servidores do governo paulista. Ele pode indiciá-los criminalmente.

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