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Secretário de Temer diz preferir o anonimato

Responsável pela imagem do presidente adota perfil discreto e tem a retórica governamental na ponta da língua

Por Luiz Maklouf Carvalho
Atualização:
  Foto: DIDA SAMPAIO | ESTADAO CONTEUDO

BRASÍLIA - “Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja.” Está aí a primeira frase de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, e, quem poderia dizer?, a revelação do secretário de Comunicação da Presidência da República, Márcio Freitas: “Eu queria mesmo era ser o ouvinte anônimo do Grande Sertão”, disse ele ao Estado no final da manhã da quinta-feira passada, em seu amplo, mas espartano gabinete no segundo andar do Palácio do Planalto.

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Era a explicação final, naquele momento, para a recusa em dar-se amplamente a conhecer, contar a sua história, narrar, como um Riobaldo da República pós-impeachment – que Rosa nos perdoe –, como saiu de jornalista a assessor do deputado, três vezes presidente da Câmara e agora presidente da República, Michel Temer.

Para quem não conhece a obra-prima de Rosa, Freitas queria ser o “senhor”, da frase inicial, paciente interlocutor mudo de Riobaldo Tatarana, jamais revelado no livro (finalmente on line, em http://stoa.usp.br/carloshgn/files/-1/20292/GrandeSertoVeredasGuimaresRosa.pdf).

“Eu tenho de cuidar de tudo o que diz respeito à imagem do presidente; se apareço na foto, é porque não estava prestando atenção no momento em que era feita”, explicou, bebericando numa xícara de chá que o garçom acabara de servir. Quando se sugere a possibilidade de que se deixe fotografar, para que os simples mortais o conheçam melhor, Freitas reage com convicção: “Jamais! Nunca vou me deixar aparecer como o Alexandre Garcia”. Vem a ser o de todos conhecido jornalista e apresentador da TV Globo.

Oposto. Nos tempos em que era o Márcio Freitas do general João Figueiredo, último presidente da ditadura, Garcia apareceu na revista masculina Ele & Ela, “deitado em uma cama, de cueca, recoberto por uma felpuda toalha, e revelava que era ali que ele ‘abatia suas lebres’”, segundo o registro histórico que está na Wikipedia. O Estado não pediria tanto ao assessor presidencial – apenas uma foto no gabinete e/ou com o presidente –, mas nem assim ele concederia, como disse, redisse e tresdisse, nonada.

Estrela. Para reforçar a negativa, o secretário de Comunicação trouxe à memória um outro personagem exemplo de mudez, este real: a inexpugnável Ana Tavares, por muitos e muitos anos assessora do presidente Fernando Henrique Cardoso. Não se conhece, até aqui, reportagem de nenhuma espécie sobre a própria. Até hoje ela simplesmente diz não – ou nem diz, que é muito melhor. Freitas quer chegar lá.

O silêncio, no caso de ambos, é só para entrevistas destinadas ao sol. Se não é, e se fica garantido que não será, Freitas transforma-se no narrador que tem o discurso e a retórica governamentais na ponta da língua, com proficiente desenvoltura. Se ouve um elogio – “pô, meu, você manja do troço” –, recebe-o com a naturalidade dos que se sabem bons. “São muitos anos de convivência com ele e falamos algumas vezes por dia”, explica. “Ele”, no caso, é o homem que fica no terceiro andar.

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Tocam de ouvido, como se costuma dizer. O presidente faz a sintonia fina – grossa também, se precisar – e Freitas a modula para as diversas categorias de interlocutores. “Em política, a liderança não se dá só pelo cargo”, diz, por exemplo, a um deputado que ligou para mostrar serviço. Freitas não diz o nome dele. Mas conta que o parlamentar sequioso de colo, em sentido amplo, está na linha de frente da batalha para aprovar a PEC do teto de gastos. “Você é especialista em lavagem cerebral”, disse a ele, brincando, em agradecimento por uma reunião com meia centena de deputados e resultado surpreendentemente positivo (na avaliação do governo).

Recado. Freitas não é ventríloquo do presidente da República. O discurso é de quem defende o programa com a mesma convicção – e tem argumentos diversos para a conversa ir longe. “Aqui o ajuste vai ser gradual – sem os solavancos que houve em Portugal, na Espanha, ou na Grécia”, diz. “Isso facilita a aprovação das propostas.” Depois do quarto telefonema – outro jornalista que não vai citar –, Freitas oferece uma imagem automobilística: “Temos de virar o País, mas sem dar cavalo de pau”.

A TV, de tela grande, está ligada na GloboNews. De vez em quando ele passa os olhos. A agenda é sempre cheia – com prioridade, claro, para o terceiro andar. Freitas administra jornalistas, políticos e ministros do governo. Dos da casa – o núcleo duro, para lembrar a que se foi – é, embora novo, velho conhecido. Lembra até, das cenas peemedebistas, uma em que o hoje ministro Geddel Vieira Lima, secretário de Governo, aliviou a bexiga de portas abertas, durante uma reunião, à vista de todos. “Você tem uma memória perigosa”, disse-lhe Lima dia desses, impressionado com a lembrança do pequeno detalhe.

Por enquanto, Freitas prefere – “por cálculos de razoável política”, diria o personagem Riobaldo –, que dele não se fale. Que assim seja. Como disse o personagem roseano para o silente ouvinte: “O senhor nonada conhece de mim; sabe o muito ou o pouco?”.

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