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'Recuperar saúde do setor privado é tão importante quanto ajuste', diz presidente do Goldman Sachs

Para o economista Paulo Leme, que comanda um dos maiores bancos de investimento americanos no País, é preciso resolver os problemas financeiros das empresas para alavancar o crescimento econômico

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Por José Fucs
Atualização:
O ex-presidente do Banco Goldman Sachs no Brasil, Paulo Leme Foto: Tiago Queiroz|Estadão

Como comandante da operação brasileira do Goldman Sachs, um dos principais bancos de investimento americanos, o economista Paulo Leme, de 61 anos, acompanha de perto as variações de humor dos investidores estrangeiros com o Brasil. Segundo ele, os investidores externos estão dando ao presidente Michel Temer “o benefício da dúvida”, mas agora, passado o impeachment de Dilma, “a cobrança deve aumentar rapidamente”.

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Em entrevista ao Estado para a série A reconstrução do Brasil, lançada pelo jornal para debater os grandes desafios do País depois do impeachment, Leme diz que, além de promover o ajuste fiscal, a reforma da Previdência e a revisão do papel do Estado na economia, o governo deve dedicar especial atenção ao setor privado, que está debilitado pela operação Lava Jato, pela recessão, pela confusão no sistema de preços e pelo endividamento excessivo. “Não adianta trocar os pneus se o motor do carro fundiu. O carro não vai avançar nunca”, afirma.

Estado – Como o senhor vê o atual cenário político e econômico do país?

Paulo Leme - É o estágio final de um modelo econômico equivocado, implementado nos últimos 13 anos, que inviabilizou a entrega de alguns benefícios incluídos na Constituição de 1988, especialmente na área da Previdência Social. Ao mesmo tempo, ficou clara a dificuldade do atual arcabouço político de resolver esses conflitos e essas aspirações e promessas. No governo Dilma e no segundo mandato do Lula, houve uma concentração excessiva da atividade econômica nas mãos do Estado, inclusive com a realização de intervenções no sistema de preços, através da concessão de subsídios e de redução de tarifas públicas, em vez da busca de soluções nas forças de mercado, no empresariado. Chegou-se ao limite fiscal, que se refletiu num desordenamento das contas públicas, cuja expressão maior é o déficit primário elevado e o crescimento rápido da dívida pública em relação ao PIB (Produto Interno Bruto). Isso levou à alta da inflação, ao colapso da taxa de crescimento e ao aumento do desemprego.

Estado – Até que ponto o impeachment da Dilma e a saída do PT do governo vão contribuir para melhorar o clima geral e para o país sair da crise?

Leme - A mudança de governo é uma condição necessária, mas não suficiente para clarear o horizonte econômico. Sem essa mudança, a deterioração acelerada seria certa. A troca no poder gera uma expectativa em torno da realização de mudanças. Das três condições necessárias para o país sair da crise, acredito que duas já foram cumpridas. A primeira é o plano de vôo do presidente Michel Temer e de sua equipe, de reverter uma série desses erros do passado e confiar mais na economia de mercado, no setor privado e no sistema de preços para resolver os problemas econômicos e gerar crescimento e emprego. A segunda é ter uma equipe econômica competente, com escolhas muito acertadas na área. Agora, falta a terceira condição, que é a mais difícil, de tomar decisões não só no plano fiscal, mas também no que tange às reformas estruturais da economia, para que a gente possa, então, sair dessa crise. O problema é que, quando você começa a tentar implementar as reformas e o ajuste fiscal, quando começa a reverter uma série de benefícios e decisões passadas, os enfrentamentos políticos acontecem. Vencer esses obstáculos é o próximo grande desafio do governo, sem o qual as boas intenções de uma boa equipe não serão suficientes para resolver a crise.

Estado – Muita gente diz que, com o impeachment, acabou a lua de mel do mercado com o governo Temer. O senhor concorda?

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Leme – O mercado está dando a ele o benefício da dúvida, especialmente o investidor brasileiro, que está mais otimista que o estrangeiro. De certa forma, o investidor estrangeiro também está otimista, mas quer ver medidas concretas, para poder avaliar melhor as coisas. Agora, passado o impechment, a cobrança deve aumentar rapidamente.

A reestruturação das finanças públicas dos estados e municípios, que é tão ou mais preocupante que o problema fiscal do governo federal e da Previdência

Estado – Além do problema fiscal e da Previdência Social, que outras questões devem ser enfrentadas pelo presidente Michel Temer, para o País sair da crise?

Leme – Outra condição importante é a desvinculação de receitas da União (DRU), para reduzir o grau elevadíssimo de receitas ligadas a propósitos específicos. Sem desenjessar a despesa corrente você não consegue fazer os cortes necessários, para encontrar o superávit primário ideal e reduzir o coeficiente dívida/PIB. Fora isso, tem toda a questão da reestruturação das finanças públicas dos estados e municípios, que é tão ou mais preocupante que o problema fiscal do governo federal e da Previdência. Os avanços que foram feitos até o momento não parecem suficientes para resolver o problema. Agora, tão importrante quanto a questão da Previdência, o ajuste fiscal do governo federal, dos estados e dos municípios e a revisão do papel do Estado na economia, é recuperar a saúde financeira do setor privado. Não adianta trocar os pneus se o motor do carro fundiu. O carro não vai avançar nunca.

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Estado – Quando o senhor fala em recuperar a saúde do setor privado, o que quer dizer com isso? O setor privado não está bem de saúde?

Leme - Com a Lava Jato, criou-se um problema financeiro muito grande no setor privado, especialmente nos setores de óleo e gás, elétrico, de açúcar e etanol e para as empreiteiras, colocando em risco a solvência dessas empresas. A participação desses setores no estoque de capital e na atividade econômica como um todo é muito grande. Tem de se encontrar uma solução mais acelerada para viabilizar uma área muito importante na economia para gerar crescimento e emprego. Mas o problema no setor privado inclui empresas que não tem nada a ver com a Lava Jato e que sofreram com a recessão profunda, a confusão no sistema de preços e o endividamento excessivo, tanto no exterior, em dólar, quanto no Brasil, atrelado ao CDI (taxa do mercado interbancário), com prazo relativamente curto. Baixos ganhos, baixa receita e alto endividamento têm tornado sobrevivência de algumas empresas muito difícil. A busca pela recuperação judicial vem se alastrando, das pequenas empresas, para as médias e agora para algumas empresas de grande porte. Isso mostra que você tem um problema no setor privado que tem de ser atendido com o mesmo cuidado que você está dando aos problemas fiscais.

A solução do problema fiscal depende, em boa medida, da recuperação da receita, não através do aumento de impostos, mas de uma maior atividade econômica. Para isso acontecer, é preciso ter um setor privado saudável

Estado – Não é hora de deixar o setor privado andar com as próprias pernas, depois de tanta intervenção do governo e da concessão de benesses de todos os tipos para alguns setores e empresas, principalmente para quem tinha boas conexões no governo?

Leme – Quando falo que o governo precisa dar atenção ao setor privado, estou me referindo a algo muito diferente dos equívocos do governo anterior, como subsídios, proteção de mercado, escolha de campeões nacionais. É o contrário disso. Não estou defendendo o uso de recursos públicos, dinheiro de bancos públicos, do BNDES, para salvar as empresas. Mas há uma série de medidas que viabilizariam as empresas envolvidas na Lava Jato e do setor privado como um todo que estão superendividadas. Uma boa coordenação e uma boa formulação de políticas macro e microeconômicas poderiam aumentar a confiança empresarial, aumentar o grau investimento e viabilizar o seu financiamento. O setor privado vai ser um ator fundamental da economia e sem ele nem a solução fiscal é viável. A solução do problema fiscal, a solvência fiscal, depende, em boa medida, da recuperação da receita, não através do aumento de impostos, mas de maior atividade econômica. Para isso acontecer, é preciso ter um setor privado saudável para poder investir. A destruição do estoque de capital que vem ocorrendo, via Lava Jato e a recessão, é muito grande. A consequência disso é o aumento maior do desemprego e a queda do salário real e da produtividade, que não interessam a ninguém.

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Estado – Uma boa parte da esquerda no País vê o ajuste fiscal e a racionalização da concessão de benefícios sociais incluídos na Constituição de 1988 como uma coisa antipopular, contra os pobres. Como o senhor vê essas críticas?

Leme – No mundo da física, seria a mesa coisa que desconsiderar a lei da gravidade e a força de atrito. Muita gente gostaria de ter um mundo de cinemática ideal, em que não haveria força de atrito. Mas a força de atrito existe e temos de levá-la em consideração nos cálculos. Na economia, isso representa uma total desconsideração pela ideia de que os recursos são escassos, que é uma lei essencial da economia, e pela restrição orçamentária. Ao desrespeitar essas duas condições, você acaba na insolvência fiscal, cuja solução vai ser paga por um imposto impessoal que vai ter impacto distributivo da pior natureza, que é a inflação. É pior do que qualquer coisa que você possa fazer. Não é democrática, não é feita através do Congresso Nacional ou do orçamento, mas vai acabar punindo aqueles que menos podem se proteger desse imposto. A inflação leva a uma piora da distribuição de renda, a um colapso do crescimento, ao aumento do desemprego. Foi o que ocorreu na década de 80, até a adoção do Plano Real. As decisões e as escolhas políticas que têm de ser feitas agora são muito difíceis, por suas implicações em termos de distribuição de renda, de grupos que perdem e ganham com as medidas de ajuste.

Para escalar o monte Everest, você pode escolher várias vertentes. Têm algumas em que você vai morrer congelado pendurado num penhasco. Em outras, não

Estado – Em que medida o senhor acredita que, no momento atual, será possível implementar o ajuste fiscal e as reformas de que o País precisa para sair da crise e voltar a crescer de forma sustentável?

Leme - Talvez, isso tenha de ser feitas de forma mais gradual do que seria desejável. É um risco que tem de ser tomado com muito cuidado. Ao ser excessivamente gradualista, o governo não vai ser crível. A partir do momento em que o setor privado e o mercado perceberem que não há avanço suficiente ou coerência no esforço fiscal, com a reabilitação do setor privado, o modelo entra em colapso. É muito importante escolher a sequência ideal das medidas econômicas que serão adotadas. A resistência de grupos de interesse estabelecidos no Congresso e na classe política contra o ajuste fiscal é muito maior do que no setor privado. É muito importante também escolher as medidas microeconômicas que deverão ajudar a reestruturar e a reequilibrar as finanças do setor privado e a gerar resultado positivo em matéria de investimento e de atividade econômica. É fundamental dar sinais de que há um avanço nessa parte. Isso ajuda a consolidar credibilidade do governo e inclui reformas estruturais destinadas ao aumento da produtividade e da competitividade e à redução de custo país. Há uma série de medidas para adotar que não enfrentarão oposição, com impacto na produtividade, na competitividade e na redução do custo Brasil. Elas podem ser implementadas com o vento a favor, enquanto você luta por aquelas que enfrentam maior resistência, especialmente a Previdência. Para escalar o monte Everest, você pode escolher várias vertentes. Têm algumas em que você vai morrer congelado pendurado num penhasco. Em outras, não. Dependendo da sequências das medidas que o governo implementar, você poderá ver os primeiros brotos nascerem sem ter necessariamente aprovado uma reforma da Previdência. O mercado está disposto a ver do governo um esforço mais gradual no ajuste fiscal do que gostaria desde que saiba o que será feito em termos de esforço primário ao longo tempo, para reduzir a dívida pública e assegurar a solvência fiscal.

Estado – O governo anunciou um amplo programa de desestatização, incluidndo a privatização de estatais, concessões de serviços públicos e vendas de ativos. O senhor acredita que, desta vez, ao contrário do que aconteceu no governo Dilma, esse programa vai deslanchar? O investidor externo vai participar?

Leme - Não é nem uma questão de escolha para o governo. O país não tem a poupança necessária para fazer o investimento e crescer de novo. O capital estrangeiro é fundamental para isso. Ao mesmo tempo, a viabilização fiscal exige a venda de uma série de ativos, para o País poder, num prazo de três a cinco anos, ter um superávit primário de 5% do PIB. Parte disso virá com a contenção de despesas, em especial na Previdência, parte com o teto dos gastos públicos, parte com o aumento de arrecadação de impostos via crescimento da atividade econômica e parte com a venda de ativos. Então, essa é uma parte fundamental para dar credibilidade e viabilidade ao programa econômico. Existe interesse do investidor estrangeiro? Sim, mas, como se diz, o diabo está nos datalhes. Tem de ver qual é o programa, quais são os ativos, os mecanismos de leilão e também, volto a insistir, tem de ver a questão do setor privado e da Lava Jato. Há ativos muito interessantes para o investidor estrangeiro no setor privado, mas que estão contaminados pela questão jurídica da Lava Jato. Há ativos muito atrativos, mas alguns projetos poderiam morrer no departamento de compliance.