Quando a regra é votar pelo governo

A alagoana Ouro Branco é o retrato das cidades que sempre dão vitória ao candidato do Planalto

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Por Rodrigo Burgarelli
Atualização:
Em Ouro Branco, no Sertão de Alagoas, depência do poder público ajuda a explicar alto índice de adesismo Foto: Fábio Motta/Estadão

"Espera um pouquinho, deixa eu achar aqui", resmunga seu Vavá, enquanto folheia apressado uma revista do PT. Ele procura uma foto de dois cientistas de jaleco branco manuseando tubos de ensaio em um laboratório. "Achei!", comemora, e logo vira a revista e a exibe para a câmera. O agricultor conta que, quando criança, viu mais de um irmão morrer em casa deitado de febre porque a mãe não tinha como comprar remédio. "Mas agora depois do Lula a gente tem médico, tem dentista. É assim mesmo, ó". Vavá, cujo nome de batismo é Genival Soares da Silva, é agente e testemunha de um processo que tornou Alagoas o campeão do governismo no Brasil. Em 48% das cidades desse Estado, o candidato do Planalto - seja ele tucano, seja petista - é o mais votado no 1.º turno da disputa presidencial. O índice que faz de Alagoas o campeão do governismo no País é cinco vezes maior que a média brasileira.

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Esse comportamento é tão singular que o Estado só não votou majoritariamente no candidato vencedor justamente quando houve troca de partido no poder. Em 2002, Alagoas foi a única unidade federativa na qual José Serra, candidato do PSDB do então presidente Fernando Henrique Cardoso, ficou à frente do petista Luiz Inácio Lula da Silva. Antes disso, FHC já havia ganhado em 1994 e 1998 em Alagoas, assim como em quase todo o Brasil. De 2006 em diante, os eleitores alagoanos se alinharam com o resto do Nordeste e passaram a votar em massa nos candidatos do PT.

Ouro Branco, uma pequena cidade de 10 mil habitantes no sertão onde se ouve o ronco do motor de motos e anúncios dos carros de som o tempo inteiro, é o município mais governista desse Estado. A cada eleição presidencial desde 1994, é lá que o candidato do governo abre a maior vantagem em relação à oposição. Neste ano, Dilma teve 75% no 1.º turno, ante 10% de Aécio Neves (PSDB). Por trás desse adesismo, está o reconhecimento por melhorias na qualidade de vida, associada a uma conhecida história de dependência da população em relação a quem tem o poder da caneta.

Agricultor de 60 anos de idade, seu Vavá ajudou a fundar o PT no início da década passada. Ao andar pela cidade, ele vai apontando um por um os equipamentos públicos inaugurados na cidade nos últimos anos e compara a atual realidade com a Ouro Branco que conheceu quando jovem. "Olha essa creche, novinha! Parece coisa de primeiro mundo. E aqui esse posto de saúde. E quando eu era marceneiro dei tanto caixão de criança para os outros, de dó mesmo. Hoje em dia aqui não morre mais criança, graças a Lula e Dilma", conta, orgulhoso, emendando comentários sobre o aumento nos salários e nas oportunidades de emprego na região.

Hoje, é fácil entender a devoção do sertão de Alagoas por Lula e Dilma, assim como a escolha por FHC no embalo do Plano Real. Mas explicar a vitória de Serra em 2002 representa tarefa mais complexa. É difícil imaginar que ela não esteja relacionada ao apoio das lideranças estaduais a candidaturas contrárias à do PT. O PSB do então governador Ronaldo Lessa lançou candidato próprio, enquanto o PTB do ex-presidente Fernando Collor apoiou o candidato do PPS. Já o atual senador e pai do governador eleito, Renan Calheiros (PMDB), foi ministro de Fernando Henrique e seu partido apoiou Serra em 2002.

Apoio. O apoio de políticos importantes talvez não seja o suficiente para garantir a vitória de um candidato a presidente em outras partes do Brasil. Mas a lógica muda em lugares como Ouro Branco. Em conversas com moradores, é comum ter a impressão de que não se espera de autoridades como o prefeito e governador que façam boa gestão do dinheiro público ou atraia investimentos para a cidade, mas sim que resolvam problemas mais pessoais, como atender aos pedidos de quem é mais necessitado.

Nesses relatos, confunde-se o público do privado - como se o gestor tivesse de tirar do próprio bolso para dar aos pobres. "Nunca teve prefeito tão bom quanto esse. Hoje em dia ele ficou sem nada, de tanto ajudar os outros", comenta a também agricultora (e fã de Dilma) Vanileide Soares Alencar Santos, de 45 anos, sobre um prefeito de alguns anos atrás da cidade. Entre os tipos de ajuda relatados por ela, estão a compra de remédios e de cestas básicas, por exemplo.

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A moradora insiste para que a reportagem assista a um DVD com imagens da festa de 7 de setembro de 2008, para mostrar o que ela considera a festa mais bonita da região. "É como o desfile das escolas de samba do Rio. Vem gente até de São Paulo pra ver", conta. As imagens são reveladoras. As alegorias exaltam progresso material que chegou nas últimas décadas - uma das alas, por exemplo, representa o fim do lampião e a chegada da luz elétrica, com crianças segurando esses dois objetos. Além disso, elas estão repletas de placas e mensagens de homenagem não à cidade ou à independência do Brasil, mas sim ao prefeito que assiste o desfile de cima do palco principal.

Uma das cenas mais impressionantes mostra um carro alegórico decorado com um enorme botão de flor de algodão dourado, principal produto agrícola da região. Quando o carro passa em frente ao prefeito, o botão se abre e, de dentro, sai a sua própria filha, carregando um buquê de flores. Vestida de branco, ela sobe os degraus do palco e entrega-o para o pai, que chora por debaixo dos óculos escuros. "Olha que coisa linda, olha como ele se emociona", comenta a empolgada Vanileide.

Há, por último, a repressão política a quem vai contra o candidato apoiado por quem comanda o poder local. Vavá conta, sem querer entrar em detalhes, que foi impedido de distribuir cartilhas do PT em Ouro Branco em 2002. "Aqui não se conseguia material do Lula. Demorei para conseguir essas cartilhas, que diziam quais eram os direitos do povo e porque o Lula iria melhorar a vida delas. Mas fui proibido de distribuir", afirma. Quando questionado sobre quem fez a proibição, ele desconversa. "Ah, deixa essa história para lá. Quem fala muito, se perde."

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