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Propaganda enganosa

À falta de discurso convincente e de condições objetivas para evitar que o Senado aprove a abertura do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, o PT faz o que sabe fazer melhor: joga no ar um ilusionismo qualquer, também conhecido pelo nome de factoide, para ver se, uma vez perdidos os anéis, ainda há chance de salvar os dedos.

Por Dora Kramer
Atualização:

É o que ocorre com essa proposta de realização de eleições em outubro próximo, feita na medida exata da credulidade dos incautos e da má-fé dos sabidos. Os primeiros tendem a acreditar ser esse o caminho ideal para a solução da crise e a superação da ausência de apreço (para dizer o mínimo) de grande parte da população diante da possibilidade de o PMDB assumir o poder.

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Os outros, os peritos, sabem que se trata de missão impossível, mas lançam a ideia na tentativa de criar um desvio que não leve o PT a entrar para a história junto com Fernando Collor, como o segundo governo da era pós-redemocratização a ser interrompido em razão de improbidade. Por esse raciocínio dos governistas, melhor a presidente dar-se por impedida – claro, diante da sanha dos golpistas etc. – do que sofrer impedimento.

A sugestão tem vários problemas. O primeiro deles é a maioria do Senado acreditar que, uma vez rejeitado o processo, Dilma Rousseff cumpriria o prometido. Não seria a primeira nem a segunda vez que a presidente e companhia falariam uma coisa para em seguida fazer outra. Outro obstáculo, este sim intransponível, é a impossibilidade fática da realização de eleições fora do calendário daqui a sete meses. 

Nem vamos gastar muito tempo com a proposta de eleição geral, pois esta implicaria todos os detentores de mandato eletivo, e respectivos suplentes, concordarem em renunciar de imediato. Quanto ao pleito apenas para presidente e vice, trata-se igualmente de propaganda enganosa. Como a Constituição prevê o rito agora em curso e não o desvão sugerido, seria preciso aprovar uma emenda constitucional. Para isso, a norma exige a assinatura de 172 deputados para a apresentação da propositura e os votos de três quintos dos 513 integrantes da Câmara para aprová-la. 

Ainda que o governo pudesse contar com todos os 137 parlamentares que rejeitaram o impeachment no domingo, não conseguiria reunir número sequer para pôr o assunto em pauta. Mas, vamos que conseguisse. Emendas constitucionais precisam ser votadas em dois turnos e nas duas Casas do Congresso. Não se faz isso em um mês ou dois, a menos que haja consenso total para a aceleração de prazos e ausência de obstruções regimentais.

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A lógica enseja pergunta óbvia: onde o PT, ou o governo que seja, iria buscar apoio político para tal? Se a Câmara acabou de se manifestar contra Dilma, evidentemente não estaria disposta a apoiar proposta alguma que venha do PT. Mas vamos raciocinar que tudo desse certo para o lado do governo, ainda assim existiria um obstáculo prático: a organização do pleito em tempo exíguo para a Justiça eleitoral, cujos trabalhos de preparação de pleito seguinte começam quando termina o anterior. 

Portanto, convém ir devagar com o andor na discussão de questões inexequíveis. É perda de tempo e de energia cívica. Não há necessidade de criar novas normas, quando as que estão em vigor indicam o caminho a ser seguido. Inclusive porque elas preveem nova eleição no caso de impugnação de mandato eletivo, objeto de uma ação a ser examinada pelo Tribunal Superior Eleitoral que, se aprovada, implicaria também o afastamento do vice Michel Temer.

Pela redação mais recente do código eleitoral em seu artigo 224, parágrafos 3.º e 4.º, a eleição seria direta a não ser que a cassação ocorresse nos últimos seis meses de mandato.