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Prescrição é entrave para punir cartel dos trens

Por Fernando Gallo
Atualização:

Embates jurídicos que já começaram a ser travados nos tribunais colocam em xeque a punição de executivos e ex-executivos das multinacionais do cartel que atuou em licitações públicas de trens e metrô no Estado de São Paulo. A depender do entendimento do Judiciário sobre os temas em questão, mesmo que eventualmente tenham praticado conluio, os altos executivos podem se livrar das penas, que incluem até a possibilidade de prisão - pelo menos nos casos tipificados especificamente como crimes de cartel.Em disputa estão, por exemplo, a natureza do crime de cartel - se permanente ou não - e a possibilidade de tipificar os ajustes anticompetitivos praticados pelos dirigentes das multinacionais como dois crimes distintos - os executivos foram denunciados por formação de cartel e fraude a licitação. As decisões são fundamentais para a determinação do prazo de prescrição das penas. Ainda não pacificados pela Justiça brasileira, não muito habituada com os temas relativos a cartel, os temas geram forte controvérsia.Nas últimas duas semanas, a Justiça decidiu sobre quatro das cinco denúncias criminais oferecidas pelo Ministério Público paulista contra 30 executivos de 12 empresas do cartel. Duas das denúncias, referentes a licitações do Metrô feitas em 2000 (linha 5 - Lilás) e 2005 (linha 2 - Verde) foram rejeitadas integralmente. Uma terceira, de 2001 e 2002 (reforma de trens da CPTM) foi recebida parcialmente. A quarta, de 2008 e 2009 (compra de 384 carros pela CPTM), foi recebida integralmente.As duas denúncias rejeitadas o foram sob o argumento da prescrição dos crimes. No caso da linha 5, a juíza entendeu que, como a prescrição do crime de cartel se dá em 12 anos, e a licitação ocorreu no ano 2000, prescreveu em 2012.Na análise do caso da linha 2, o juiz entendeu que a mesma conduta anticompetitiva não poderia tipificar dois crimes distintos, e rechaçou a imputação de cartel, por considerar que este estava inserido na fraude a licitação. Sobre esta, avaliou que a prescrição, de oito anos, se deu em 2013, já que a licitação ocorreu em 2005.PrazosO promotor Marcelo Mendroni, autor das denúncias, recorreu à segunda instância, usando o argumento em torno do qual se começará a construir uma jurisprudência, e sob o qual há divergências no mundo inteiro: o de que o cartel é um crime permanente, que não se encerra na data da licitação.Mendroni avalia que o crime se estende para a duração do contrato, "pois todos os inúmeros atos decorrentes do contrato só se realizaram pelos agentes das empresas consorciadas porque formaram cartel".Para o juiz Benedito Roberto Garcia Pozzer, da 7ª Vara Criminal, que decidira pela rejeição, embora os efeitos da formação de cartel possam ser permanentes, os crimes são de natureza instantânea.Na quarta-feira, em caráter liminar, a segunda instância, justamente por admitir o risco da prescrição, determinou ao juiz Pozzer que revertesse a decisão. "Consubstancia-se na possível impunidade dos agentes (denunciados) pela iminente prescrição da pretensão punitiva, o que frustraria os fins do processo."O TJ ainda não decidiu sobre o caso da linha 2 do Metrô. Contudo, terá de se debruçar também sobre a decisão do juiz André Carvalho e Silva de Almeida, da 30ª Vara Criminal, segundo a qual "a mesma conduta não pode tipificar dois crimes distintos (formação de cartel e fraude a licitação)"."Ocorre, no caso, o que a doutrina chama por ?conflito aparente de normas?", sustentou Almeida. "Percebe-se que eventual ?cartel? formado com vistas a fraudar processo licitatório está inserido na ilícita conduta de fraudar a licitação, de modo que, pelo princípio da especialidade, somente este último deve prevalecer". Os advogados dos executivos do cartel deverão argumentar à Justiça as mesmas teses que os próprios juízes da primeira instância já defenderam.O promotor Mendroni defende a criação de varas especializadas em crimes de cartel. "São casos que envolvem muita complexidade. As investigações levam meses ou anos. Há intensa correlação de pessoas direta e indiretamente envolvidas, testas-de-ferro, empresas lícitas e de fachada, movimentações financeiras e de bens, acordos, reuniões, fraudes, divisão de tarefas, leniências e colaboração premiada. Essa complexidade escapa das rotineiras funções exercidas pelos magistrados na análise dos crimes comuns." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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