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Interpretação crítica e científica das instituições e do comportamento político

Opinião|Por que tamanho desconforto?

O mal-estar decorre da polarização de preferências e não do desenho institucional

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Atualização:

Em visita recente à Inglaterra tive a oportunidade de interagir com vários cientistas políticos e economistas britânicos. Chamou a atenção o mal-estar generalizado proporcionado pela grande incerteza sobre os rumos que o Reino Unido poderá tomar em relação a União Europeia. Tanto os favoráveis como os contrários ao Brexit não conseguem sequer saber se o Brexit vai de fato ser implementado; se com ou sem acordos comercial, aduaneiro e fronteiriço; quais os termos desses acordos; e quais as consequências econômicas e políticas desta decisão.

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O grau de incerteza é tamanho que alguns têm argumentado que a democracia britânica estaria ameaçada, especialmente após a decisão do primeiro-ministro, Boris Johnson, de suspender as atividades do Parlamento até meados de outubro, próximo da data limite (31/10) da decisão sobre o Brexit.

Este cenário é surpreendente porque o sistema político britânico, conhecido como Westminster, foi historicamente desenvolvido para ser gerador de estabilidade, previsibilidade e governabilidade. Esse sistema unificado de poderes é considerado “majoritário puro” por possuir um número muito reduzido de vetos institucionais e partidários. Além disso, o Reino Unido não tem uma constituição escrita, é um país unitário, é de facto unicameral e todo o poder deriva do Parlamento. Uma vez que uma maioria seja forjada, o governo teria amplas condições de governar de forma decisiva e diligente. 

A despeito de todas essas características institucionais favoráveis à estabilidade política, o povo britânico viu nos últimos três anos a instabilidade tomar conta do seu país, com três mudanças de primeiro-ministro: David Cameron, Theresa May e, atualmente, Boris Johnson. Essas sucessivas mudanças de governo aconteceram desde que o Brexit foi vencedor no referendum em junho de 2016.

Diferentemente do parlamentarismo do Reino Unido, o sistema de separação de poderes baseado na representação proporcional do Brasil não privilegia a eficiência governativa, mas a inclusão do maior número possível de interesses da sociedade no jogo político. Daí o sistema partidário ser altamente fragmentado. Além disso, o País possui uma grande quantidade de instituições (federalismo, bicameralismo, Judiciário com poder de controle de constitucionalidade, etc.) com a capacidade de vetar iniciativas de mudança. Por isso que é tão difícil aprovar e implementar reformas no Brasil.

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A fórmula encontrada pelo constituinte de 1988 para lidar com os potencias problemas de governabilidade gerados por esses elementos de consenso foi delegar poderes constitucionais, orçamentários e de agenda para que o Executivo se transformasse no coordenador do jogo político. Um presidente poderoso poderia atrair apoios e construir coalizões pós-eleitorais majoritárias e estáveis e, assim, ter condições implementar sua plataforma de reformas. 

Para além do sistema político, a unificação ou a divisão de preferências em uma sociedade é uma outra dimensão fundamental para se entender o funcionamento de um determinado país. Por exemplo, se os poderes são separados, mas as preferências entre os atores políticos muito semelhantes, levaria a uma redução drástica do número de pontos de veto, dado que as várias instituições estariam trabalhando com o mesmo objetivo. O consenso em torno da reforma da Previdência recentemente aprovada na Câmara é um bom exemplo. O inverso também seria verdadeiro; ou seja, a combinação de poderes unificados com polarização de preferências tem o potencial de gerar impasses, instabilidades e, até mesmo, paralisia decisória, como tem sido o caso do Brexit no Reino Unido.

Portanto, o mal-estar político sentido no Reino Unido e no Brasil não seria decorrente de problemas de desenho institucional, mas sim, fundamentalmente, da forte polarização de preferências políticas nos dois países. Diante dessa polarização crescente, os eleitores medianos tornam-se reféns das opções extremas e tendem a equivocadamente identificar como razão de seu desconforto o funcionamento das instituições ao invés da distribuição de preferências.

Opinião por Carlos Pereira

Cientista político e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV EBAPE) e sênior fellow do CEBRI.

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