'Parlamentarismo será a solução se sociedade quiser soluções menos traumáticas', diz Álvaro Moisés

Professor da USP defende o parlamentarismo como manutenção da estabilidade a longo prazo

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Por Marianna Holanda
Atualização:

O sistema presidencialista causou crises e as suas soluções foram traumáticas. Essa é a avaliação do professor de Ciência Política da USP, José Álvaro Moisés. Para ele, que é favorável à adoção do sistema, o parlamentarismo tratia estabilidade a longo prazo, porque há mecanismos mais fáceis e rápidos para enfrentar crises. 

Em meio às discussões da reforma política, a adoção do sistema parlamentarista voltou para o centro do debate. Derrotado em plebiscitos em duas ocasiões, a primeira em 1963 e a segunda, 30 anos depois, o modelo foi sugerido como uma solução para a crise política pelo presidente Michel Temer , pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes e por uma série de tucanos.

José Alvaro Moisés, pesquisador da USP, é a favor da cláusula de barreira. Foto: Agência Estado

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É correto atribuir parte ou totalmente a crise politica ao presidencialismo? Não tenho a menor dúvida. O sistema presidencialista, particularmente o modo como ele é exercido no brasil, ele é um sistema de uma estrutura muito rígida e quando você tem crise, principalmente crise de abuso de poder, é muito difícil mudar o governo. As crises de abuso de poder provocam traumas na sociedade As estruturas presidencialistas, como depende de eleições populares de quatro em quatro anos, gera um quadro de traumas para manter as relações entre a sociedade e governo e por isso imobiliza muitas vezes a possibilidade de saídas que não sejam traumáticas. Embora tenha a vantagem da legitimidade popular, o sistema presidencialista tem, no entanto, uma série de características que torna difícil uma superação de crise. Esse é o ponto. Quando você tem uma série de mecanismos que diz respeito à manutenção da instituições, como a Polícia Federal, a Ministério Público, TCU, mas isso às vezes não é suficiente, como estamos vendo no caso da Lava Jato para resolver as disfunções e os déficits de funcionamento do sistema político. Como isso nem sempre leva a soluções fáceis para serem superadas e manter uma certa normalidade no funcionamento das instituições, somos levados sempre a soluções extremas, como é o caso do impeachment. No sistema presidencialista também, principalmente os da América Latina, destacando-se o Brasil, o presidente tem muitos poderes e isso leva a uma certa assimetria de poderes entre Executivo e o Legislativo. Apesar de que o sistema funciona a partir da separação de poderes. No presidencialismo de coalizão que vigora no Brasil, há uma certa assimetria entre os poderes

Qual a sua avaliação do parlamentarismo? A vantagem do parlamentarismo é que ele é, em primeiro lugar, uma alternativa mais ou menos constante. Um governo depende da maioria que se forma no parlamento, é essa maioria que assegura que esse governo pode continuar ou que vai eventualmente substituí-lo em situações que o desempenho do governo mostra que seria o caso. Há pesquisas internacionais que mostram que o presidencialismo é muito mais suscetível a medidas corruptivas do que o parlamentarismo. Então, também é um modo de enfrentar fenômenos da corrupção. Outra vantagem do parlamentarismo é que, ao promover uma fusão entre o Legislativo e o Executivo, ele aumenta imensamente a responsabilidade do parlamento em relação ao desempenho do Executivo. 

Muitos comparam nossa realidade com a da Itália, em que o sistema parlamentarista trouxe muita instabilidade, principalmente após a operação Mãos Limpas. Por que nao comparam o Brasil com o sistema da frança? Da alemanha? A itália é uma exceção completa ao quadro de parlamentarismo. Mas ainda assim o parlamentarismo italiano é muito mais estável que o nosso sistema. No caso do parlamentarismo, se você tem um governo que está envolvido em corrupção ou que fracassou com a política econômica, você não precisa esperar quatro anos para trocar esse governo. O próprio parlamento retira essa confiança. Alguém sempre pode argumentar ao retirar a confiança do governo, o que acontece com o parlamento? Permanece o mesmo. Em alguns sistemas parlamentaristas, como têm uma separação entre as funções de estado e governo, em que as de Estado são entregues a um presidente eleito pela população e as funções de governo a um primeiro ministro, o presidente eleito pela população sempre pode convocar novas eleições. Se a situação for de tal ordem de crise, não precisa esperar mais quatro anos. Como você tem mecanismos mais fáceis para enfrentar crises, isso cria uma estabilidade de mais longo prazo. 

O parlamentarismo funcionaria com o parlamento que a gente tem hoje? O parlamento do ponto de vista das instituições, e só instituir algumas mudanças para aprimorar o seu desempenho. Agora, são os atores escolhidos pela eleições. Se nós quisermos mudar isso, nas próximas eleições é só mudar os atores. Mas a grande crítica à adoção do parlamentarismo no Brasil é que nós temos um quadro de partidos muito precário. Há uma grande fragmentação partidária, e os partidos, principalmente nos últimos dez anos, têm pouco conteúdo programático e pouca identidade ideológica e política. Acho que tanto para uma eventual adoção do parlamentarismo, é preciso, ao mesmo tempo, adotar uma série de medidas para tornar mais consistente o sistema partidário, com cláusula de barreira e regras eleitorais muito mais estreitas que as de hoje. 

O parlamentarismo seria uma solução para a crise política?  Será (a solução) se a sociedade brasileira quiser adotar soluções menos traumáticas. O presidencialismo no Brasil tem longa história de crises: Getúlio se suicidou, Jânio renunciou, Jango foi deposto,Collor e Dilma sofreram impeachment. E ainda Temer ficou balançando sob a ameaça de novas denúncias. São muitas crises de um mesmo sistema. Em relação a esses panorama, chegou a hora de pensar se não seria o caso de adotar uma outra solução.

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E a ideia de convocar um plebiscito para determinar um novo sistema? Ele já foi derrotado duas vezes em plebiscitos antes... Os dois plebiscitos que foram votados não foram bons exemplos. O de 1963 foi em grande parte influenciado pelo fato de que o presidente João Goulart quase ter sido impedido pelos militares de governar. Então foi uma votação contra uma tentativa de golpe, que acabou acontecendo de qualquer jeito. O de 1983veio 5 anos depois da promulgação da Constituição de 1988 e o período de experimentação não foi suficiente para constatar a crise. Mas depois de 1988, tivemos crise no governo Collor, crises no governo Sarney, crises no governo Dilma. A esta altura, quase 30 anos depois, temos muito mais elementos para perceber como o presidencialismo provoca crises. E agora estamos vivendo um momento refundacional do sistema político. Uma grande oportunidade seria nas eleições consultar a população sobre as reformas que o sistema político precisa sofrer no Brasil por meio de um referendo. O plebiscito é uma consulta genérica que, em geral, não se tem bons resultados. No caso do referendo, as medidas são decididas no Congresso e implementadas se a população aprovar.

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