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Palanque BBC: viagem entre periferia e centro de SP equivale a jornada para outra cidade

Rotina de moradores das regiões periféricas é de longas esperas, transportes públicos lotados e ruas esburacadas.

Por Aline Kátia Melo e Cíntia Gomes
Atualização:

Muito já se falou sobre a lentidão do trânsito em São Paulo e seus engarrafamentos que podem durar extensos quilômetros, mas a situação é ainda mais grave para os moradores de diferentes partes da periferia da maior cidade da América do Sul. A rotina de quem mora nos bairros distantes da região central da Grande São Paulo é a de enfrentar até seis horas do dia dentro de transportes coletivos lotados, que percorrem estradas esburacadas e precárias. Os motivos envolvem o fato de que muitas regiões da Grande São Paulo cresceram sem projetos de planejamento e também a maior facilidade que existe atualmente para a compra de veículos. Segundo informações da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), nos últimos doze meses foram produzidos 3,26 milhões de carros. Só em setembro desse ano foram 282,5 mil. Moradora há 20 anos do bairro Parque Jandaia, no final da Estrada do M' Boi Mirim, uma das principais vias de acesso no Jardim gela, zona sul de São Paulo, Stefanie Gambier Duarte, 24, é coordenadora de marketing e trabalha no bairro do Bom Retiro, na região central da cidade. Para chegar até lá, as dificuldades são muitas. Normalmente são 2 horas para ir e 3 horas para voltar para casa. Às segundas e sextas, a espera é de pelo menos meio hora a mais. Trânsito lento e engarrafamentos são rotineiros até aos domingos. 5 a 6 horas no ônibus ''Sim, eu passo de 5 a 6 horas por dia dentro de um ônibus. No meu bairro eles passam de 25 a 30 minutos, em qualquer horário está cheio e para completar, passamos por uma estrada esburacada, com lombadas em lugares desnecessários, semáforos quebrados, e falta de sinalização. Não é fácil ficar esse tempo todo em pé em uma estrada nestas condições. Eu já até cai no ônibus com uma freada brusca. Pagamos R$ 3 para sofrer diariamente'', diz. A Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) informou que em 2011 a lentidão média do trânsito do município de São Paulo foi de 80 km no pico da manhã, e 108 km no da tarde. Em 2010, a velocidade média foi de 19,1 quilômetros por hora na manhã, e 17,8 quilômetros por hora à tarde. Uma outra situação é na zona norte de São Paulo. Imagine três ruas que vêm de três bairros diferentes e que terminam em uma ponte pequena e estreita. É o que acontece no bairro do Jaçanã. ''Essa ponte poderia ser ampliada, pois já derrubaram uma casa do lado direito, a Prefeitura também poderia desapropriar o estabelecimento da esquina, e assim ampliar os dois lados da ponte melhorando fluxo na entrada dos três bairros'', afirma Marcelo Ribeiro Otoni, de 28 anos, agente de apoio em zoonoses. Algumas obras na região tentam minimizar esse problema. Esse ano foram duas: uma rotatória e o prolongamento da Avenida Antonio César Neto. Com acesso ao CEU Jaçanã, a rotatória foi prolongada com pontilhão de 23 metros sobre o córrego Tremembé. Após meses interditada, a obra foi liberada recentemente para os veículos. O custo foi de R$ 20 milhões, segundo a Secretaria de Infraestrutura Urbana e Obras (SIURB). Saindo de casa mais cedo Mas mesmo com essas obras, o trânsito ainda permanece complicado nas vias que dão acesso aos bairros. ''Acho que a rotatória ficou estreita, parece que esqueceram o fato de que a maior circulação nesse trecho é de ônibus e não de carros. Os ônibus são longos demais e quando vão fazer as curvas trava tudo'', comenta Marcelo. Seja nas zonas norte, sul, leste e oeste, os problemas com transporte público e trânsito são semelhantes. Por esses e outros obstáculos no caminho os moradores precisam sair de casa cada vez mais cedo. A maioria para chegar a seu destino, gasta muitas vezes o tempo equivalente a uma viagem para outra cidade. Segundo pesquisa realizada este ano pelo Ibope para a Rede Nossa São Paulo, 77% dos paulistanos classifica o trânsito da maior cidade do País como "ruim" (55%) ou "péssimo" (22%). O tempo médio gasto para todos os deslocamentos diários é de 2 horas e 49 minutos, sendo que 55% dos paulistanos utilizam mais de um meio de locomoção diariamente. E nos bairros mais afastados, mesmo com o corredor de ônibus e a faixa reversível nos horários de pico, como por exemplo, na região do Jardim gela e de Guarapiranga, estas acabam não sendo medidas suficientes para desafogar o trânsito. O congestionamento é tanto que, quase todo dia, os passageiros descem dos ônibus e completam o trajeto a pé. Moradores insatisfeitos vêm recorrendo à realização de manifestações reivindicando melhorias. Só neste ano já foram realizadas duas. A Secretaria Municipal de Transportes informou que a cidade de São Paulo conta com dez corredores de ônibus que somam 120 quilômetros. Entre 2011 e 2012 foram implantados 62,5 km de faixas exclusivas de ônibus à direita, com o objetivo de aumentar a velocidade média dos ônibus em 15 %, diminuindo o tempo de viagem. No total, são 1.350 linhas de ônibus operando em todas regiões, com uma frota de 15 mil veículos que transportam, diariamente, 9,8 milhões de pessoas. Soluções para o trânsito na cidade Ao consultar as propostas dos candidatos a prefeitura da cidade, foi verificado que tanto Fernando Haddad (PT) como José Serra (PSDB) têm metas para as regiões periféricas, como por exemplo, a ampliação das avenidas M' Boi Mirim e Dona Belmira Marin. Mas tais medidas seriam projetos de longo prazo e de relativa complexidade. Outras medidas seriam necessárias para tentar aplacar o atual quadro de caos no trânsito. A moradora Stefanie acredita ser preciso melhorar a qualidade e ampliar a frota de ônibus nas regiões mais afastadas. Outras reivindicações feitas por moradores envolvem promover programas de incentivo para educação no trânsito, melhorar a sinalização e a iluminação nas ruas. Na Ponte do M'Boi Mirim uma outra sugestão ouvida regulamente é a de que guardas da CET deveriam controlar o trânsito em determinados horários e que faixas exclusivas para ônibus e veículos pesados, que hoje existem apenas em uma parte da estrada, deveriam ser criadas. A Prefeitura está com projetos para implantação do monotrilho da zona sul de São Paulo, que terá 34 quilômetros e quatro linhas, ligando o Jardim gela a Santo Amaro; o Jardim gela ao Capão Redondo; a Vila Olímpia a Santo Amaro; e o Capão Redondo à Vila Sônia. O projeto está em fase de conclusão e a licitação de obras está em curso para os corredores que servirão como sistemas viários de apoio ao monotrilho e para o novo Terminal Jardim gela. E também dos projetos do Binário Santo Amaro, com 8 quilômetros; o corredor Radial Leste, com 17 km; Aricanduva, com 14 km; Itaquera, com 6, 1 km; Berrini, com 3,3 km; e Capão Redondo/Vila Sônia, com 12,1 km. Já o sistema viário para o Terminal Itaquera contará com 8 km. * Aline Kátia Melo é moradora do Jova Rural e Cíntia Gomes, moradora de Riviera Paulista, na Grande São Paulo. Ambas são jornalistas e blogueiras e integrantes do O Palanque BBC é uma série da BBC Brasil com textos assinados por blogueiros de diferentes capitais brasileiras e que falam de problemas que afetam essas cidades. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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