'O PT chegou ao fim de um ciclo'

Para Tarso, lançar Lula em 2018 será inviável sob crise de Dilma

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Por Vera Rosa
Atualização:

RIO - Articulador político de uma frente nacional de esquerda, o ex-governador do Rio Grande do Sul Tarso Genro (PT) diz que o PSDB e até o PMDB têm mais chances de vencer a eleição presidencial de 2018 se o governo Dilma Rousseff não mudar a política econômica nem fizer as pazes com sua base social e com a classe média.

"Esse PT que está aí chegou ao fim de um ciclo", afirma Tarso. Para ele, até mesmo uma eventual candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ficará comprometida se não houver reação à crise. "Quem disse que é viável uma candidatura do Lula em 2018, em função dos resultados do governo da presidenta Dilma? E quem disse que ele quer?", provoca.

Tarso Genro critica o PMDB e diz que coalizão de apoio ao governo 'já morreu e não sabe' Foto: Wilton Junior/Estadão

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Nesta entrevista ao Estado, o ideólogo da tese de refundação do PT, lançada após o mensalão e revivida agora, na esteira dos escândalos na Petrobrás, não poupou críticas ao aliado PMDB. "O que estamos vendo é que o PMDB pinta e borda lá no Congresso e isso não tem reflexo na sua relação com o governo", insiste. Na avaliação de Tarso, a coalizão que sustenta Dilma "já morreu e não sabe". A seguir, os principais trechos da entrevista.

O PT chegou ao fim de um ciclo?

Esse PT que está aí chegou nitidamente ao fim de um ciclo. Sofreu dois baques muito fortes, não se auto reformou, não capitaneou uma grande mudança pela reforma política nem uma grande luta popular para proibir o financiamento empresarial das campanhas. O PT se transformou num partido excessivamente longa manus (executor de ordens) de quem está no poder.

E o governo do PT também chegou ao fim desse ciclo?

Eu diria que, se essa política monetária e econômica for mantida, estaremos preparando o caminho para uma candidatura do PMDB ou do PSDB ser a mais forte. A base social do PT e do campo político da esquerda poderá chegar desesperançada em 2018, proporcionando uma saída conservadora para a crise.

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O que o governo precisa fazer para sair da crise e evitar a possível tentativa de impeachment da presidente Dilma?

Não existem razões jurídicas e políticas para impeachment. Para sair dessa crise, a presidenta teria de mudar a política monetária e reconstituir a base de apoio na sociedade e no Parlamento. Mas acho que não fará isso. O ajuste fiscal é como pasta de dente. Quando sai do tubo, não volta mais.

O que o sr. propõe como alternativa?

O problema não é fazer o ajuste. Mas qual ajuste? Não é possível que quem pague a conta sejam sempre os mais pobres. Temos de fazer uma profunda reforma fiscal, tributária, taxar as grandes heranças, o lucro do capital financeiro, regulamentar o imposto sobre grandes fortunas e reorganizar o sistema produtivo.  O sr. endossa o "Fora Levy" no PT?

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Isso está mal colocado. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, não é o responsável pela crise. Levy é um técnico que está a serviço de um governo que lhe encomendou um pacote de medidas de ajuste.

Setores da oposição, sob a liderança do senador Aécio Neves (PSDB-MG), já falam em novas eleições antes de 2018. O sr. é favorável a uma conversa entre os ex-presidentes Lula e Fernando Henrique para um pacto de governabilidade?

Sempre que uma crise se agrava e convergem interesses para resolvê-la, os grandes chefes políticos têm que conversar para saber quais são as regras do jogo para o futuro. Essa conversa não humilha ninguém nem faz as pessoas mudarem de posição. Se os tucanos pretendem ganhar as eleições, e isso pode ocorrer, eles não vão querer receber um País com ódio político cada vez mais profundo e com a crise econômica cada vez mais aguda.

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O sr. está articulando uma frente de esquerda para disputar a eleição presidencial de 2018. Seria para encobrir a sigla PT, por causa do desgaste?

Esse é o argumento de uma parte do PSOL, que acha que, para crescer como alternativa de esquerda, tem que liquidar o PT. Isso é um engano histórico. A frente deve ser programática e o PT precisa ter a humildade de verificar, no sistema de alianças que pretende compor, se há um nome mais adequado para 2018, que possa representar sua própria regeneração como projeto para o País. Deve entrar de espírito aberto numa nova frente política e não, desde já, com um candidato seu. O PT dizer que quer ter a cabeça de chapa em 2018 seria praticamente lançar o Lula de novo. E quem disse que o Lula quer?

E não quer?

Isso nunca foi colocado de parte dele. Quem disse que é viável uma candidatura do Lula em 2018, em função dos resultados do governo da presidenta Dilma? Eu acho que, depois de 2016, o campo de esquerda poderá formar um novo bloco. O PC do B lançou a ideia da Frente Ampla Democrática e há setores do PSB e até do PSOL dialogando conosco, além dos movimentos sociais e da intelectualidade.

Marina Silva, que tenta criar a Rede, é um nome que pode ser lançado por uma possível frente de esquerda em 2018?

A minha impressão é de que à Marina não interessa mais uma relação de compromisso com a esquerda.

Como o sr. vê a investigação aberta pela Procuradoria da República no Distrito Federal contra o ex-presidente Lula, sob o argumento de que ele usou sua influência para facilitar negócios da empreiteira Odebrecht até no exterior?

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É uma manipulação política, característica de processos judiciais de exceção. Se isso fosse feito com o Instituto Fernando Henrique e com todos os ex-presidentes, porque todos promoveram grandes grupos econômicos para estabelecer relações com o mercado mundial, seria uma coisa normal. Mas não é assim.  O sr. foi ministro da Justiça no governo Lula. O governo do PT perdeu o controle sobre a Polícia Federal na Operação Lava Jato, como alegam petistas ao criticar a atuação do ministro José Eduardo Cardozo?

A Polícia Federal não está fora de controle das suas chefias nem do ministro. O que tem ocorrido é uma disputa política, interna à PF, para promover perante a mídia os inquéritos que atinjam mais fortemente os políticos, em função da demonização dos partidos e da política no cenário nacional.

O sr. defende romper com o PMDB?

Seria um ato suicida defender a simples e pura ruptura da coalizão sem colocar nada no lugar. Se ela deve ser substituída a médio e longo prazo, sim, mas isso teria que vir acompanhado de medidas para redirecionar a política monetária e econômica.

O que é médio prazo para o sr.?

Depois de 2016. Quem sabe o governo faz uma inflexão nova? Ou não. Se não fizer, vai continuar essa miscelânea que está aí, onde ironicamente o front mais duro de oposição ao Planalto está dentro da própria coalizão.  Essa inflexão seria sem o PMDB?

É uma resposta que não tenho condições de dar porque penso que o governo não fará inflexão nenhuma. O que eu e muitos companheiros defendemos é que a gente dê uma estabilidade para a presidenta governar dignamente até o fim. Eu não tenho esperança em mudança de fundo. Há uma governabilidade imobilizadora.

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Por quê?

Porque o governo depende da base parlamentar do PMDB. E cerca de 70% dela é liderada pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que lamentavelmente exerce papel maior no PMDB do que o do vice-presidente Michel Temer.

Diante dos últimos fatos da Operação Lava Jato, que está investigando Eduardo Cunha, seria conveniente ele sair da presidência da Câmara?

Não conheço o processo e por isso tenho cuidado em dar opiniões. Se o procurador (geral da República) Rodrigo Janot encaminhasse um inquérito com provas formais contra Eduardo Cunha junto ao Supremo, evidentemente pediria o seu afastamento liminar da presidência da Câmara, porque é um lugar onde ele poderia interferir no processo.

Com Cunha na oposição, o governo está hoje nas mãos do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB)?

O que estamos vendo, atualmente, é que o PMDB pinta e borda no Congresso e não tem nenhum reflexo na relação com o governo. E é muito estranho para o PT do Rio Grande do Sul ver o senhor Eliseu Padilha (do PMDB e ministro da Aviação Civil, que ajuda na articulação política do Planalto), adversário histórico, representando o governo para falar com a sociedade. Então isso é mais um atestado de que esse tipo de coalizão já morreu e não sabe.

O ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, é alvo constante de fogo amigo no PT e no PMDB. O sr. acha que ele deve ser substituído?

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Não existem informações que circulem no PT que sejam fidedignas com o que ocorre dentro do governo. O governo não tem um centro político visível. Quem é que fala pelo governo? Esse é o problema fundamental. Toda a política do governo gira em torno do ajuste. Então quem fala pelo governo é o técnico que faz o ajuste, que é o Levy. E isso é insuficiente para criar na sociedade um diálogo mais profundo sobre o modelo de desenvolvimento para o País.

Tarso Genro foi prefeito de Porto Alegre (1993-1996 e 2001-2002), governador do Rio Grande do Sul (2010 a 2014) - não se reelegeu no ano passado - e, no governo Lula, passou pelos ministérios da Justiça, da Educação e de Relações Institucionais.

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