'O mito do Estado Robin Hood acabou', diz o empresário Flavio Rocha

Em entrevista ao 'Estado', presidente das Lojas Riachuelo se diz otimista com os rumos do governo Michel Temer e afirma que a carga tributária massacra a produção nacional

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Por José Fucs
Atualização:
Flavio Rocha, presidente das Lojas Riachuelo Foto: JF Diorio/Estadão

O empresário Flavio Rocha, presidente das Lojas Riachuelo, é um dos principais defensores do liberalismo econômico entre os seus pares, muitos dos quais prosperaram à sombra do Estado, graças às boas relações cultivadas em Brasília. Em setembro de 2015, em entrevista ao Estado, Rocha foi um dos primeiros a defender abertamente o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff no meio empresarial. "Existem dois cenários: um é o de uma agonia curta, com impeachment. O outro, de uma agonia longa, com o cumprimento de mais três anos e meio de mandato", afirmou na ocasião.

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Hoje, pouco mais de um ano depois, com o presidente Michel Temer instalado no Palácio do Planalto, Rocha está otimista com os rumos do governo e a perspectiva de o Brasil iniciar um novo ciclo de desenvolvimento, centrado na iniciativa privada. Nesta nova entrevista ao Estado, para a série "A Reconstrução do Brasil", ele fala sobre a retomada do crescimento, a carga tributária que massacra a produção e a força do capitalismo para a promoção da prosperidade geral. "O capitalismo é melhor forma de produzir e de distribuir riqueza", afirma. "O mito do Estado Robin Hood acabou."

Estado - Como o senhor analisa o atual cenário político e econômico do País?Flavio Rocha - Eu vejo com otimismo. Acredito que a retomada do crescimento vai ser mais rápida do que a gente imagina, porque está acontecendo uma mudança de mentalidade, de enfoque, de forma de ver o mundo, do papel do Estado na economia. O diagnóstico do que tem de ser feito, consubstanciado no programa "Ponte para o Futuro", sintetiza as ideias defendidas por qualquer pessoa de bem, com uma leitura mais lúcida da realidade. Agora, para fazer isso, precisa ter coragem de enfrentar as medidas difíceis que se colocam à frente e que vão sinalizar a volta do valor fundamental da responsabilidade fiscal. Precisa também da adesão do Congresso. O grande teste vai ser a aprovação da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) do gasto, para mostrar não só o compromisso do Executivo, mas do Congresso Nacional, com a mudança. 

Com muitos parlamentares investigados por corrupção, o senhor acredita que o Congresso irá cumprir o seu papel? Tenho a impressão de que o Congresso não é tão ruim quanto se imagina. O problema do Congresso e de qualquer grupo de pessoas é a falta de um propósito comum elevado. Antes, com um governo que tinha de Guilherme Afif Domingos (secretário da Micro e Pequena Empresa de Dilma) a Miguel Rosseto e Arno Augustin (ministro do Desenvolvimento Agrário e secretário do Tesouro de Lula e Dilma), com visões tão diferentes, era difícil ter um projeto comum. Agora, não. O Ponte para o Futuro sinaliza que vamos voltar a ser um país normal, sintonizado com a única fórmula de prosperidade que se conhece, que é o binômio democracia e livre mercado. Com a sinalização correta, poderemos compensar, com juros e correção monetária, as aparentes maldades que terão de ser feitas no curto prazo, qualquer sacrifício pontual, com uma enxurrada de investimentos para derrubar o desemprego e retomar o crescimento. O Estado esgotou a sua capacidade de investimento. Há muito mais dinheiro fora do Estado do que dentro do Estado. O novo protagonista, que é o indivíduo, o investidor privado, está acompanhando com muita atenção as sinalizações transmitidas pelo País, a consolidação da virada de página, da troca de ciclo. 

O grande conflito não é de patrão contra empregado, rico contra pobre, nordeste contra sudeste, negro contra branco. É entre quem puxa a carruagem e quem está aboletado num Estado que cresceu demais

Em sua opinião, que medidas devem ser tomadas para consolidar essa "virada de página"?  Esse novo ciclo pressupõe escolhas, escolhas corajosas. Essa virada de página pressupõe o encerramento de um ciclo de ideias ruins, que deram errado no mundo todo, do chamado populismo bolivariano, que tem o Estado como protagonista. O que é necessário fazer é limpar o populismo demagógico, as medidas profundamente injustas, não sustentáveis, que contaminaram o Estado brasileiro nos últimos anos. O grande conflito não é de patrão contra empregado, rico contra pobre, nordeste contra sudeste, negro contra branco. O grande conflito é entre quem puxa a carruagem e quem está aboletado num Estado que cresceu demais. Em pouco mais de vinte anos, a carga tributária passou de 22% do PIB (Produto Interno Bruto) para quase 50% do PIB. Por isso, a carruagem parou. O Estado está servindo a si mesmo. A gente não precisa desse Estado de quase 50% do PIB. Pior, não pode pagar por esse Estado.

Qual a importância das reformas para o País voltar a crescer? É fundamental fazer não apenas um ajuste, que é um termo muito ameno, mas uma cirurgia de grande porte no Estado para que ele volte ao seu propósito original, que é servir à sociedade.Então, as reformas têm de ser encaradas, com medidas duras, mas o prêmio é muito grande. O prêmio será uma enxurrada de investimentos, que podem fazer com que esse país em um ano esteja irreconhecível. Não se trata de reformar esse Estado sucateado - mais ou menos como o porta aviões Minas Gerais, cheio de ferrugem, as caldeiras em pane, instrumentos defasados, da época pré-Segunda Guerra Mundial. Isso é uma retomada em U, demorada. A retomada em G, que a gente precisa, é a que reconhece que o Estado se tornou um guia irrelevante para o desenvolvimento. Ele não é mais o protagonista. Nós temos que sinalizar que o Brasil deixou de ser hostil ao investimento e voltou a ser o país da democracia e do livre mercado. A pior sinalização é não enfrentar as medidas duras que têm de ser adotadas e a mais importante que é a PEC do gasto.

O capitalismo de laços é uma decorrência da hipertrofia nefasta do Estado, uma deformação do capitalismo

O problema é que muitos empresários brasileiros sempre viveram à sombra do Estado. O que o leva a acreditar que, desta vez, vai ser diferente?  Você não pode confundir dois animais muito diferentes, que são o empresário de mercado e o empresário de conchavo ou de conluio. O empresário de conchavo é um apêndice nefasto do câncer estatal. É uma decorrência da hipertrofia nefasta do Estado. É uma deformação do capitalismo. Agora, é o Estado que dá as regras do jogo. Se o Estado sinaliza que o que importa não é fazer uma coleção bonita, a um custo acessível, com pontualidade, mas é ter laços em Brasília, para conseguir benefícios, juros subsidiados, ele deforma toda a beleza do mecanismo automático de seleção natural do livre mercado. É isso que leva à eficiência, a uma correta alocação de recursos. O crony capitalist, como diz o professor Sergio Lazarini, o capitalismo de laços, só leva a uma alocação ineficiente de Estado, ao desserviço e à corrupção. É fundamental fazer essa distinção. O empresário com "E" maiúsculo torce para que cada vez mais o juiz seja o mercado e não Estado. A pior manifestação disso aí era a política dos campeões nacionais, assumida pelo governo anterior. É o cúmulo da arrogância achar que quem decide o campeão no mercado de carnes, de alimentos ou de óleo e gás não é o consumidor final, mas o burocrata lá em Brasília, distribuindo as suas benesses. 

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O senhor acredita que, com uma abertura maior da economia, com maior competição e liberdade para empreender, o Brasil poderá caminhar para um novo ciclo de prosperidade? Eu não tenho a menor dúvida. Existem dois fatores que destruíram a competividade brasileira e nos jogaram nesse estado de coisas. Uma é o inchaço do Estado. A competitividade é justamente essa relação entre a força de tração e o peso da carruagem. Como nós competimos com países em desenvolvimento, cujas carruagens estatais são de, no máximo 20% do PIB, isso significa dizer que a carruagem tem 80% de sua energia na força de tração. Aqui, nós fomos de 22% a 37% do PIB de carga tributária em 15 anos, com mais 10% do déficit público. Se considerarmos a ineficiência das estatais como peso adicional para a sociedade, podemos dizer que o peso da carruagem estatal já é maior que a sua força de tração. A primeira providência, então, é dotar o Brasil de uma carruagem que faça sentido. Para servir à sociedade e não se servir dela. O Estado deve ter mais ou menos o tamanho correspondente aos de países com os quais a gente compete. A outra questão, que é decorrência do inchaço do Estado, é o fechamento do cerco burocrático. Esse é de uma perversidade brutal: na área trabalhista, tributária. A obsessão por regular, normatizar, nos menores aspectos, a vida da sociedade, é bem característica desse ciclo que se encerra. É uma decorrência da descrença na sabedoria do livre mercado. Isso é um fator brutal de perda de competitividade. Em nome da defesa do trabalhador se fazem grandes malefícios ao trabalhador, acabando com a prosperidade. A única coisa que garante as conquistas do trabalhador é a prosperidade, que aumenta a demanda por mão de obra, melhora os salários e as condições de trabalho. Agora, um manicômio trabalhista, que gera 4 milhões de ações na Justiça do Trabalho, mais que em todo o resto do mundo, em nome da defesa do trabalhador, acaba prejudicando o trabalhador. Tem alguma coisa errada com isso. Foi essa combinação perversa que nos tirou do jogo competitivo. 

O capitalismo não é só a melhor forma de produzir riqueza, mas também de distribuir riqueza

A esquerda tem um discurso de que esse o liberalismo é prejudicial aos mais pobres. O senhor acredita que, com a redução do papel do Estado na economia, é possível gerar prosperidade para a sociedade como um todo? Sem dúvida. Quando o capitalismo moderno começou, com a revolução industrial, há 250 anos, tínhamos 10% de incluídos e 90% de excluídos. Com a Revolução Industrial na Inglaterra, que depois estendeu pela Europa, Ásia, China, você foi de 10% para 90% de incluídos. Então, a força de inclusão do capitalismo é imensurável. Não só na produção de riqueza. O capitalismo é melhor forma de produzir riqueza e - o que a esquerda não aceita - a mais eficiente para distribuir riqueza. O livre mercado é a melhor maneira de distribuir riqueza e o inchaço do Estado, a pior maneira de concentrar riqueza. O mito do Estado Robin Hood a Dilma acabou de desmoralizar. O socialismo é uma saga tão terrível que, de tempos em tempos, ela ressuscita como um zumbi, como agora, nessa última vez, na forma do populismo bolivariano, que fez um estrago imensurável em tantas economias ricas da América Latina. Agora, esses 14 anos deixaram lições que estão bem assimiladas na cabeça do povo brasileiro. Acho que está havendo uma mudança clara na mente do eleitor. Isso o PMDB, que é um partido pragmático, que não dá ponto sem nó, percebeu claramente e tirou do bolso do colete, espontaneamente, um programa assumidamente liberal, que é o Ponte para o Futuro. 

No Brasil, para uma grande parte da esquerda, do PT, parece que o Muro de Berlim ainda não caiu. Como o senhor vê essa questão?  Acho que isso deve a uma incompreensão dos mecanismos do livre mercado. Nós sempre tivemos uma grande massa do eleitorado, que era a base da pirâmide, o grande fiel da balança, que tinha a expectativa do Estado provedor, era o eleitor súdito, de pires na mão. Agora, esse período da chamada nova classe média, que não sei se vai se sustentar, mas que foi uma mudança que de fato aconteceu durante um período, com os 40 milhões de novos entrantes na nova classe média, trouxe a mudança demográfica que vai ser o pavio da mudança. O eleitor súdito virou o eleitor cidadão. Não é mais a base da pirâmide, mas a cintura do losango. Esse eleitor tem uma visão totalmente diferente em termos de suas expectativas de Estado. Tem uma relação de custo benefício do Estado. Percebe que não tem almoço de graça e vê o Estado como um prestador de serviço do qual deve ser cobrada eficiência e analisada a relação custo/benefício. Acho que é por aí. É isso que o PMDB está enxergando e por isso tirou do bolso do colete um plano liberalizante, como o Ponte para o Futuro. 

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