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O ‘homem do livrinho’ relembra a Constituinte

Temer rebate Serra, que o ligou ao ‘Centrão’, e diz que Franco Montoro o aconselhou a não ir para o PSDB

Por Luiz Maklouf Carvalho
Atualização:

A ideia foi do governador de São Paulo, Franco Montoro, um dos caciques do PMDB: “Ô, Temer, você que é professor de direito constitucional, por que não se candidata para a Constituinte?”. O ex-procurador-geral do Estado e secretário da Segurança Pública logo se entusiasmou. Saiu candidato na eleição de 15 de novembro de 1986 – governo José Sarney. Não ganhou de primeira, ficando na segunda suplência (com 43.747 votos). Acabou constituinte em março de 1987, um mês e meio depois de começados os trabalhos, na vaga do deputado Tidei de Lima, guindado ao secretariado de Orestes Quércia, substituto de Montoro.

  Foto: DIV

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O estreante tinha 46 anos. Começou timidamente, mas logo ganhou desenvoltura pelos restantes dezenove meses em que o congresso virou Constituinte. Começou em 1.º de fevereiro de 1987 e terminou em 5 de outubro de 1988 – com muitos momentos de agitação e outros tantos de graves impasses. O hoje presidente em exercício da República rememorou aqueles tempos, lá se vão quase 30 anos, em duas entrevistas, sem falsa modéstia, concedidas em maio de 2014. Deve-se a ele a sugestão de um acréscimo que garantiu na Constituição a independência e a harmonia entre os três poderes – não constante do texto original – e, também, entre outras contribuições, o artigo 133: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.

Desde então já era amigo do advogado Mariz de Oliveira, à época presidente da OAB/SP, que recentemente declinou seu convite para um ministério. Ontem, Temer afirmou que, na Presidência, será o “homem do livrinho”, numa referência à Constituição.

Como o senhor foi recebido na Constituinte?

Quando cheguei lá, sabiam que eu era da área de direito constitucional. Então fui muito convocado para as grandes discussões, e tive uma participação muito intensa, uma atuação muito concreta.

O senhor integrou a subcomissão do Poder Judiciário e Ministério Público – uma das três da Comissão da Organização dos Poderes e Sistema de Governo. O presidente foi José Costa, do PMDB de Alagoas, e o relator foi o Plínio de Arruda Sampaio, do PT.

Exatamente. Eu trabalhei muito nessa subcomissão – e também na Comissão de Sistematização (como suplente) e na Comissão de Redação. Muitas vezes eu era chamado: ‘Temer você concorda com essa tese? Concordo. Então você vai defender isso aqui’. As pessoas confiavam muito na capacidade de sustentação que eu tinha em relação a certos temas de direito constitucional.

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Dia desses, José Serra, também Constituinte, fez palestra no Instituto Brasiliense de Direito Público, do ministro Gilmar Mendes, do STF. Lá pelas tantas – o senhor pode assistir no Youtube – ele disse que o senhor participou do chamado Centrão, que ele próprio situou como sendo ‘a direita da Constituinte’. Disse o Serra: ‘Do Centrão faziam parte o líder do PTB, Gastone Righi, e o Michel Temer, que na verdade era um deputado suplente. Assumiu porque alguém foi para o secretaria do Quércia, mas estava lá, alinhado com o Centrão’.

Eu não vi isso não. Ele até se posiciona como meu amigo... Mas eu conheço o Serra, ele tem um jeito todo especial.

Um jeito Serra de ser...

(risos) Eu nunca fui do Centrão. Assinei o requerimento em que o Centrão pedia para mudar as regras do jogo porque era o único caminho plausível para a Constituinte avançar. Os que constituíram o Centrão achavam que não tinham voz ativa na constituinte – e de fato acontecia isso.

Então o sr. estava com o Centrão no aspecto formal...

A mudança que o Centrão propôs, e que venceu, ampliou e amplificou o debate constituinte, até ali muito restrito ao poder da Comissão de Sistematização.

O sr. também foi membro titular da Comissão de Redação – que deu o arremate na Constituição – e propôs uma modificação importante. Como foi isso?

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Havia um artigo que dizia: ‘São poderes do Estado o Legislativo, o Executivo e o Judiciário’. Eu propus que se colocasse de outra maneira: ‘São poderes do Estado – independentes e harmônicos entre si – o Executivo, o Legislativo e Judiciário’. Foi aprovado, e foi assim que ficou.

Por que esse adendo não entrou na primeira versão?

Porque a ideia prevalecente era de que teríamos uma constituição parlamentarista. E no parlamentarismo a independência entre os poderes não é tão enaltecida. Como fomos para regime presidencialista, não se fez o ajuste necessário. Só na comissão de redação.

É sabido que a Comissão de Redação alterou algumas coisas sem o conhecimento prévio da maioria dos constituintes.

É. Fala-se.

Depois houve uma votação final, bem às pressas, que aprovou tudo...

Eu acho que arrematou tudo, convalidou tudo.

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Na sua avaliação, que Constituição saiu dali?

A Constituição tem princípios do liberalismo e princípios do socialismo, e foi isso que ajudou a manter uma estabilidade institucional, como nós nunca tivemos. Como houve um amálgama dessas duas democracias, a liberal e a social, se pôde avançar para o que eu chamo de democracia da eficiência. É assim que vejo os movimentos que foram para a rua em junho de 2013. São massas que de repente começaram a perceber que podem ter participação na vida do Estado, e passam a exigir mais eficiência..

Como o sr. avalia o papel do presidente José Sarney durante a Constituinte?

A ponderação e equilíbrio do Sarney permitiram o trânsito da constituinte.

Sem contar que ele jogou duro pelo presidencialismo e pelos cinco anos de mandato, não?

Na verdade, ele tinha seis.

Sim. Mas abriu mão de um, propondo cinco, quando uma boa parte dos constituintes queria quatro anos.

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O presidente trabalhou pelos cinco anos, mas dentro das regras do jogo. O equilíbrio que ele manteve foi benéfico para o País.

Tinha algum clima para dar um golpe e fechar a Constituinte, como algumas vezes foi aventado?

Não tinha, porque a euforia democrática era muito forte. O que houve é que o Sarney trabalhou pelos cinco anos – o que era mais do que lógico, porque ele tinha direito a seis e já abrira mão de um. Essa postura do Sarney colaborou muito para que a Constituição, o novo Estado, viessem à luz. O Ulysses Guimarães presidente da Constituinte, também, com a liderança que teve.

O sr. esteve pessoalmente com o presidente Sarney durante a Constituinte?

Uma vez pedi audiência. Ele me recebeu muito simpaticamente e disse: ‘O Montoro fala muito de você’. (risos)

E era para tratar de quê?

Uma visita de cortesia. É claro que hoje eu me sinto mais à vontade com os presidentes, mas naquela época era uma coisa um pouco cerimoniosa. E ele me tratou com muita delicadeza, eu fiquei ali coisa de 25 minutos, e não me pediu absolutamente nada.

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No caso dos cinco anos nem precisava pedir, já que era essa a sua posição.

Desde logo eu fui pelos cinco anos – que considerei direito adquirido, já que ele tinha direito a seis.

É verdade que o senhor estava presente na noite em que Tancredo Neves foi para o hospital – quando se decidiu que o Sarney assumiria a presidência?

É verdade. Eu era secretário da Segurança, e estava em Brasília acompanhando o Almir Pazzianotto, que ia tomar posse no Ministério do Trabalho. Estávamos num jantar e ficamos sabendo que o Tancredo estava sendo internado no Hospital de Base. Fomos para lá. No primeiro momento que eu entrei, o Montoro disse: ‘Olha, o Temer aqui é constitucionalista! Temer, quem é que tem que tomar posse?’. Imagina que pergunta...

Pois é...

Estavam lá o (general) Leônidas, o Marco Maciel, o Sarney, o Ulysses. O Leônidas dizendo: ‘Quem tem que tomar posse é o Sarney’. Pego de surpresa, eu disse que precisava estudar a questão. Aí eu ouvi o Sarney dizer uma coisa que me marcou muito, talvez daí a minha simpatia pelo Sarney.

O que foi que ele disse?

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‘Eu faço o que o Ulysses quiser.’ Me pareceu de uma sabedoria e de uma modéstia incríveis. O Ulysses naquele momento era uma figura exponencial.

Podia até ter sido presidente – até que o nosso constitucionalista, o general Leônidas, resolveu que seria o Sarney...

(Ulysses) Podia ter sido até presidente. Mas ele foi muito correto. Até porque, convenhamos, não se esperava que ia dar no que deu. Esperava-se que o Tancredo ia se recuperar e, portanto, assumir em seguida.

Voltando à Constituinte: existia um anteprojeto, da Comissão Afonso Arinos, que foi descartado como ponto de partida, embora tenha sido usado...

Acho bom ter partido do zero. Nascidas como nasceram, nas comissões e subcomissões, as propostas são mais reveladoras da própria sociedade. Todos os setores estiveram lá, pressionando. É aquilo que o dr.Ulysses disse: Constituição Cidadã, com a cara do povo.

Que causas o senhor defendeu na Constituinte?

O artigo 133, por exemplo. ‘O advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável no exercício da profissão por seus atos e manifestações, nos termos da lei’. Eu propus, e foi aprovado.

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Esse artigo tem muito pai, não?

Mas o pai original sou eu, e aí eu não abro mão (risos).

Como surgiu?

Em uma reunião com a Ordem dos Advogados de São Paulo, quando o presidente era o Antônio Claudio Mariz de Oliveira, meu amigo. Muito tempo depois, quando começou a haver invasões de escritórios de advocacia aqui em São Paulo, pela Polícia Federal, eles me procuraram para propor um projeto de lei que tornasse inviolável o local de trabalho do advogado. Então eu propus, e depois foi aprovado.

Dos artigos que tem a sua digital, esse é o que o empolga?

Acho o mais expressivo. Mas houve outros em que eu trabalhei muito – como o dos procuradores do Estado, e o da Advocacia Geral da União. Também trabalhei muito na divisão de funções entre a Polícia Militar e a Polícia Civil, e no tema dos juizados especiais, entre outros.

O senhor sugeriu algum artigo do qual se arrependa?

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Um, nas disposições transitórias, que estabeleceu que depois de cinco anos no serviço público o servidor ganhava estabilidade. Foi proposta minha e de tantos outros.

De que outras disposições o senhor não gosta?

Da medida provisória. Eu sempre combati, na medida em que ela era pior que decreto-lei, porque no primeiro momento ela poderia versar sobre qualquermatéria.

Uma parte do PMDB – Fernando Henrique, Mario Covas, José Serra, Franco Montoro – rachou com o partido em plena Constituinte e criou o PSDB. Por que o senhor não foi?

Eu tinha muito apreço pelo Montoro. Quando surgiu o PSDB, ele me disse: “Temer, não sai do PMDB não. No PSDB vai ter muito cacique. Se você ficar no PMDB você vai fazer uma carreira preciosa”. Eu fiquei no PMDB.