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ANÁLISE: O ‘homem da mala’ tornou-se um passivo tóxico para o governo

Sua prisão acelera o processo de descrença em relação ao governo e tende também a impulsionar o desembarque de aliados

Por Carlos Melo
Atualização:

Quando vieram a público vídeos e áudios envolvendo Michel Temer e Rodrigo Rocha Loures com o dono da JBS, a sorte movimentou seus peões no embate com o presidente da República. No xadrez que tem sido jogado nos últimos meses, caberia, então, ao governo mexer as suas peças com inteligência e estratégia. O governismo, no entanto, se comporta como iniciante mirim, atarantado pelos fatos e pela perícia do adversário. O presidente não consegue responder de modo convincente ao perigo que o cerca: preferiu, antes, desqualificar o mensageiro (Joesley Batista), a mensagem (o áudio), escudar-se por detrás do biombo da crise econômica alegando não haver alternativa a si próprio. No Congresso e nos tribunais, buscou consolidar maiorias frágeis e pouco confiáveis, como se conexões políticas sempre bastassem.

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Em relação ao ex-auxiliar, flagrado correndo na rua como menino ansioso e assustado com o embrulho que carrega, resolveu tratá-lo como variável controlável, desde que permanecesse sob foro privilegiado. O governo parece acreditar na mesma sorte que hoje o desafia: ao movimentar peças no Ministério da Justiça e na Câmara, comprometeu o próprio enredo: sem o foro, a variável saiu de controle e hoje tira o sono de estrategistas incapazes de salvar a própria pele.

Detido e vivendo pressões que não podem ser menosprezadas, Loures divide-se entre assumir sozinho o custo da mala com que foi pego ou falar o que a maioria do País, talvez, desconheça. A pergunta que insiste é: por que calaria? Por que agiria de modo contrário a todos os que resolveram colaborar de modo a mitigar os próprios danos? Que vocação para João Vaccari o ex-deputado teria?

O “homem da mala” tornou-se um passivo tóxico; uma justificada suspeita de bomba que pode estourar a qualquer momento. Sua prisão acelera o processo de descrença em relação ao governo e tende também a impulsionar o desembarque de aliados. Se pudesse refazer alguns lances, o governo o faria. Mas a regra do xadrez não permite voltar atrás.

*Cientista político e professor do Insper 

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