O franco atirador

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Por Dora Kramer
Atualização:

"Eduardo Cunha uma ova, o meu nome agora é Zé Pequeno", poderia ter dito o presidente da Câmara no momento em que oficializou a ruptura com o governo. Quem viu o filme Cidade de Deus entende a referência. A frase marca o momento em que "Dadinho" delimita seu território e anuncia que dali em diante vai barbarizar. Descontadas todas as diferenças entre pessoas, situações e atividades, o estado de espírito contido naquele aviso faz as ações do político da vida real lembrarem a fala - cujo termo original foi aqui substituído por "uma ova" - do personagem: a declaração de guerra a quem lhe ameaça o poder e se põe em seu caminho.  Eduardo Cunha é, sem sombra de qualquer dúvida, o presidente da Câmara dos Deputados que mais força ostentou - só não se pode dizer "na história" porque pode ter havido algum parecido. Igual, seguramente nenhum. Em termos de controle sobre a Casa nem Ulysses Guimarães teve tanto. Inclusive por circunstâncias e aplicação de metodologias diversas. Esse aspecto é observado por políticos bastante experientes, que apontam quatro componentes da peculiaridade de Eduardo Cunha. Para o bem e para o mal. São eles: conhecimento sobre os assuntos de que trata, estuda tudo a fundo; habilidade no uso do Regimento da Câmara; ousadia nos enfrentamentos; utilização de métodos heterodoxos na operação do poder. Aqui os colegas do deputado não detalham a natureza da heterodoxia, mas indicam como resultado palpável o fato de Cunha ter sua própria "bancada". Grupo de fiéis seguidores, cujas campanhas eleitorais ele ajudou a financiar. Seriam apenas características de um político atirado, disciplinado, incansável e de temperamento frio não fossem as acusações que pesam sobre ele. O fato de ser investigado no âmbito de uma operação de desmonte de esquema de corrupção na máquina pública é relevante, mas isso não o torna legalmente incompatível para o exercício do cargo.  É provável que Eduardo Cunha seja em breve denunciado pela Procuradoria-Geral da República ao Supremo Tribunal Federal, mas, se isso acontecer, nada o obriga a se afastar do posto. Afinal, o STF precisaria aceitar a eventual denúncia que, transformada em processo, ainda careceria de julgamento.  Isso é uma coisa. Desta o deputado defende-se acusando seus adversários políticos que dão expediente no Palácio do Planalto de armarem uma conspiração contra ele envolvendo o procurador-geral com delatores, todos combinados na criação de mentiras para prejudicá-lo.  Outra coisa muito diferente e - bem mais grave - é a recente série de reiteradas referências ao suposto hábito que o deputado Cunha teria de ameaçar e constranger pessoas. O processo sobre o envolvimento no esquema da Petrobrás tem seu tempo jurídico, mas o esclarecimento a respeito da conduta do presidente da Câmara precisa obedecer à urgência política.  Os relatos são muitos e não podem ser ignorados. O mais recente feito pela advogada Beatriz Catta Preta, dizendo que resolveu abandonar a defesa de delatores da Lava Jato e a profissão por ter recebido ameaças, segundo ela, da parte de integrantes da CPI da Petrobrás. Isso logo depois de um de seus clientes ter dito que Eduardo Cunha recebeu US$ 5 milhões de propina. Os advogados que assumiram a causa acusam o deputado de agir "pela lógica de gangue". Antes disso, dois réus do mesmo caso já haviam dito que tinham medo do deputado e que temiam pela segurança das respectivas famílias.  Isso não é normal, nunca aconteceu. Ainda que seja para que fique consagrado o desmentido, a Câmara tem o dever de esclarecer se o presidente tem, ou não, o hábito de ameaçar pessoas e constranger adversários.

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