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'O Dops sabia da presença de Mengele no Brasil'

José Paulo Bonchristiano, ex-chefe da Divisão de Ordem Política do Dops-SP, conversa com o Estado

Foto do author Marcelo Godoy
Por Marcelo Godoy
Atualização:

Homem vaidoso, porte atlético, o delegado José Paulo Bonchristiano é um arquivo vivo sobre a história do temido Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo (Dops-SP). Chefiou a Divisão de Ordem Política em uma época em que a outra divisão do departamento era comandada pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, símbolo da repressão durante a ditadura militar. Foi ele quem apreendeu as famosas cadernetas com anotações sobre a vida partidária do PCB mantidas pelo líder comunista Luiz Carlos Prestes, em 1964, Bonchristiano também comandou a Operação Ibiúna, que pôs na cadeia toda a direção da União Nacional dos Estudantes, entre os quais o ex-ministro José Dirceu (PT). Aqui, o homem conta os bastidores da ação do Dops contra criminosos de guerra. São casos como o de Franz Paul Stangl, o chefe de Treblinka, o segundo maior campo de extermínio nazista, preso em 1967 em São Paulo e o concentração alemã, e o do médico de Auschwitz, Joseph Mengele. E afirma: O Dops sabia da presença de Mengele no Brasil e só não o prendeu porque ninguém pediu. As revelações fazem parte de uma entrevista mantida inédita até hoje na qual Bonchristiano fala sobre a polícia política em São Paulo.

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O senhor pode dizer quais os alvos do Dops na época?

Bonchristiano: O pessoal diz que o Dops só prendia comunista. Nós prendemos o carrasco nazista Franz Paul Stangl. Eu que fiz a prisão dele, o carrasco nazista. Levei para Bonn, na Alemanha.

Não havia a preocupação na época de que Israel tentasse fazer o que fez com o Adolf Eichmann na Argentina, tentasse sequestrá-lo aqui para julgá-lo em Israel?

Bonchristiano: Israel queria sequestrar, queria, mas nós falamos: "Aqui não, aqui a polícia somos nós. Vocês são espectadores

Eles chegaram a mandar equipe para cá?

Bonchristiano: Sim. Antes e durante a prisão.

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Eles acompanharam a prisão?

Bonchristiano: Não. Eu e os investigadores Cara-feia e o Caveira fizemos sozinho.

A informação veio da onde de que eles estava aqui?

Bonchristiano: Veio daquele judeu que morava em Viena, o (Simon) Wiesenthal que nos informou. Então nós levantamos e fomos para a Volkswagen, encostamos o carro e a pessoal deles ficou puto e disseram: vocês conhecem nosso pessoal mais do que a gente. O cara ficou conosco e disse: "Ainda bem que eu fui entregue à polícia de São Paulo, se eu fosse entregue aos judeus estava perdido." Eu disse: "Por que, você vai morrer, não vai morrer, um dia?" E ele morreu depois que foi condenado na Alemanha. Ele ficou em um castelo lá e depois que o condenaram (prisão perpétua), ele morreu (em 1971). O (Romeu) Tuma depois quis fazer a mesma coisa que eu fiz depois, mas não conseguiu.

Com o Mengele?

Bonchristiano: Com o Mengele.

Mas o Dops não tinha informação de que ele estava no Brasil

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Bonchristiano: Tinha não. Ele passou pelo Brasil várias vezes.

Vocês nunca colocaram a pôr a mão nele?

Bonchristiano: Nunca, por que não quiseram pôr a mão nele. Se o Dops quisesse teria prendido.

Mas não quiseram porque houve alguma interferência ou não houve interesse?

Bonchristiano: Não houve interesse político. E quando o Tuma...

Por que houve interesse com Stangl e não com Mengele?

Bonchristiano: Por que nunca pediram. Com o Stangl quando foi preso, veio a ordem da polícia alemã. E nós cumprimos. Por que lá eles não sabiam onde estava o Mengele. O Tuma quis fazer a onda toda, mas foi tudo errado. Fez isso para ser senador e conseguiu ser senador.

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Eles na Alemanha não tinham informações sobre o Mengele, mas a polícia aqui tinha?

Bonchristiano: Nós tínhamos. Se a polícia fosse chamada para fazer antes do Tuma, nós teríamos feito. O Dops era fora de série.

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