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'Não existem heróis na Lava Jato', diz coordenador da força-tarefa em Curitiba

'Nós elegemos Collor como o caçador de marajás e isso não deu certo. Em vez de heróis, nós precisamos de instituições que funcionem', afirma o procurador da República Deltan Dallagnol

Por Fabio Grellet
Atualização:

RIO - O procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba, evitou comentar o depoimento prestado na semana passada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao juiz Sérgio Moro, em Curitiba, durante debate promovido no Rio de Janeiro na noite desta terça-feira (16). "Vou chamar meu advogado e me reservar o direito de ficar em silêncio", respondeu Dallagnol, em tom de brincadeira, ao ser questionado pelo jornalista Fernando Gabeira sobre o esquema em PowerPoint que usou para acusar Lula em 2016 e que foi criticado pelo ex-presidente durante o interrogatório da semana passada.

Procurador da República Deltan Dallagnol Foto: ANDRÉ DUSEK/ESTADÃO

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Em debate com Gabeira que durou quase duas horas, como evento de lançamento de seu livro A Luta Contra a Corrupção, Dallagnol contou episódios da Lava Jato e disse que esse é o momento de tentar mudar o Brasil, mas que tem medo "desse discurso de heróis". "Infelizmente a Lava Jato não transforma o Brasil. Ela pode ser um passo nessa direção, mas é insuficiente. Não existem heróis na Lava Jato. Esse discurso, ao mesmo tempo em que exalta um trabalho que está alcançando resultado, tem um lado ruim: nos coloca como vítimas da realidade, do passado, de uma colonização portuguesa talvez burocrática, que trouxe a corrupção, e nos coloca como vítimas à espera de heróis, quando nossa busca por heróis já deu errado no passado. Nós elegemos Collor como o caçador de marajás e isso não deu certo. Em vez de heróis, nós precisamos de instituições que funcionem bem", afirmou.

Além do senador alagoano, o único político a que Dallagnol fez crítica direta foi Paulo Maluf. "Esses esquemas (de corrupção) vêm de longa data", afirmou, citando texto do padre Antônio Vieira (1608-1697) sobre o tema, uma rima "famosa no Rio em 1850" também sobre corrupção e uma citação de Getúlio Vargas (1882-1954). "Mais recentemente surgiu a expressão do político que 'rouba, mas faz'. A quem se relaciona essa expressão?", perguntou o procurador ao público que assistia ao debate, no Teatro do Leblon (zona sul). "Ademar de Barros", respondeu o procurador, completando: "Esse outro que vários de vocês pensaram até isso ele roubou", completou, sendo muito aplaudido pela plateia - composta por cerca de 400 pessoas que, para ingressar no evento, compraram o livro, vendido a R$ 39,90.

Gabeira criticou Lula e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, instigando o procurador a tecer comentários sobre eles, mas nos dois casos Dallagnol evitou polêmica. No caso de Gilmar Mendes, o jornalista afirmou que "a maioria dos casos (judiciais) não chega ao Supremo", porque o réu comum, ao contrário de alguns alvos da Lava Jato, "não tem uma banca de advogados capaz de alavancar o tema até a mesa do Supremo (Tribunal Federal) e, se tiver boa pontaria, precisamente na mesa do Gilmar". Sem citar o ministro do STF, o procurador respondeu que é comum o réu apontar erros no processo para tentar evitar que o juiz chegue ao mérito, quando analisa a acusação propriamente dita.

Ao citar Lula e a mulher dele, Marisa Letícia, Gabeira afirmou que "uma das grandes críticas que foram feitas ao seu trabalho foi a apresentação de um PowerPoint. É uma coisa comum, mas acho que você cometeu um erro, porque ali você diz que o Lula é o comandante de tudo isso, e agora nós ficamos sabendo que ele é apenas o chefe", disse Gabeira, induzindo a plateia a concluir que a comandante seria Marisa, morta em fevereiro passado. Foi em resposta a esse comentário que Dallagnol disse, entre risos, que se reservaria o direito de ficar em silêncio.