Nabhan recorre a Bolsonaro por nova MP de posse de terras

Secretário de Assuntos Fundiários tenta romper resistência de ala ligada à ministra da Agricultura para mudar regra atual

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Por Mateus Vargas
Atualização:

O secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Nabhan Garcia, recorreu diretamente ao presidente Jair Bolsonaro para romper a resistência de uma ala do governo e emplacar a ideia de distribuir títulos de terra por meio de “autodeclaração” dos produtores. A proposta é vista com desconfiança por pessoas próximas à ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que veem risco de aumento de conflitos no campo e brecha para grilagem.

A autodeclaração é uma das bandeiras de Nabhan no cargo. Aliado de Bolsonaro desde a campanha e um dos principais conselheiros do presidente na área rural, o secretário é presidente licenciado da União Democrática Ruralista (UDR), que rivaliza com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra (MST). Desde o início do governo, no entanto, sua atuação tem causado incômodo entre militares e na Agricultura.

Luiz Antônio Nabhan Garcia, secretário especial de Assuntos Fundiários Foto: Dida Sampaio/Estadão

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O desgaste mais recente ocorreu após a demissão do presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), general João Carlos Jesus Corrêa, no início do mês. A queda do militar, depois de oito meses no cargo, foi atribuída a Nabhan e teria passado sem grandes traumas se o general não tivesse saído dizendo que se tornara uma “pedra no sapato” por contrariar interesses e por atacar “verdadeiras organizações criminosas”.

Como consequência, o secretário foi alijado da escolha do substituto, Geraldo José da Câmara Ferreira de Melo Filho. A decisão ficou nas mãos de Tereza e do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. 

A autodeclaração sugerida por Nabhan prevê que assentados possam requerer o título definitivo de propriedades – incluindo as que hoje são irregulares – após declarar, por conta própria, a posse da terra com a apresentação de mapas, imagens de satélites e informações de cadastros do Incra. Ficaria a cargo do governo conferir as informações transmitidas pelos produtores. Atualmente, a análise para a concessão é feita por técnicos do instituto in loco. 

“O presidente Bolsonaro achou a ideia muito boa e a ministra Tereza também. Eles pediram cautela para não criar a regra na correria. Se a gente ficar atrás de informação de bastidor, o País fica ingovernável”, disse o secretário.

Questionada, a ministra da Agricultura não se manifestou. Aliado de Tereza, o senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) – a chamada “bancada do boi” –, é um dos contrários à proposta. 

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“Não é o caso da autodeclaração. A regularização fundiária pode ser feita com a estrutura dos municípios, das cooperativas e com recursos colocados pelos próprios congressistas. Hoje, por satélite e georreferenciamento, é tudo fácil”, disse.

O grupo que se opõe à autodeclaração acredita que o arranjo jurídico que Nabhan sugere para viabilizar a regra pode gerar mais conflitos, uma vez que os documentos poderiam ser fraudados. Nesta situação, uma terra grilada, por exemplo, poderia ser considerada regular.

Para opositores à ideia, o apoio de Bolsonaro à medida é semelhante ao que ocorreu com a promessa de perdoar dívidas do Fundo de Assistência do Trabalhador Rural (Funrural). Mesmo com aval do presidente, ambas pararam quando esmiuçadas em discussões técnicas.

Tecnologia

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Nabhan afirmou que a tecnologia será uma aliada para evitar fraudes na autodeclaração. Segundo o secretário, o produtor que pleiteia o título terá de apresentar certidões dadas pelo Incra, além de imagens de satélite, para comprovar há quanto tempo a terra é ocupada e informações de georreferenciamento. O secretário disse que áreas indígenas e de preservação ambiental não serão alvos da partilha de terra. “São elementos de tecnologia que oferecem muito mais precisão do que uma vistoria de técnico do Incra”, afirmou. “Se for continuar com burocracia ou metodologia antiga, nenhum governo no mundo entregará esses títulos."

Amazônia 

A crise ambiental por queimadas na Amazônia criou janela de debates no governo sobre a regularização de terras. Bolsonaro tem dito que será mais fácil identificar os donos das propriedades onde há irregularidades quando os títulos forem concedidos. O Planalto formou um grupo de trabalho para discutir a regularização no campo. Nas últimas semanas, os membros se debruçaram, por pressão do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), em alterações sobre a legislação de entrega de terras da União. Na sexta-feira, 25, ocupando a Presidência da República de forma interina, Alcolumbre assinou decreto para transferência de terrenos ao seu reduto eleitoral, o Amapá. A ideia é que, após atender aos interesses de Alcolumbre​, o grupo deve agora trabalhar em discussões mais amplas, como regras para transferir de terras aos nove Estados da Amazônia Legal. Segundo pessoas que participam das discussões, este também é um ponto sem consenso: parte do governo resiste a passar aos gestores estaduais o poder para titular as terras. Outro ponto que entrará em pauta é a autodeclaração.

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O governo quer entregar 600 mil títulos de terra até o final do mandato de Bolsonaro, em 2022. O documento facilita, por exemplo, acesso a linhas de crédito para o campo. Para chegar a esta meta, uma das apostas de Nabhan é a autodeclaração. Outra, como o secretário revelou ao Estado em agosto, é um mutirão de conciliações para resolver processos na Justiça sobre as terras.