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MP italiano pede julgamento de 4 brasileiros por crimes na Operação Condor

Se condenados, eles podem pegar prisão perpétua no país europeu

Por Jamil Chade e correspondente
Atualização:

Genebra - Quatro brasileiros são acusados na Itália por fazer parte de um ação no contexto da Operação Condor que gerou a morte do argentino Lorenzo Ismael Vinas, que também tinha nacionalidade italiana. Os brasileiros denunciados pelo Ministério Público italiano são Marco Aurélio da Silva Reis, João Osvaldo Leivas Job, Carlos Alberto Ponzi e Átila Rohrsetzer, todos com cargos de responsabilidade no Departamento de Ordem Política e Social (Dops), Serviço Nacional de Informações (SNI) e na Secretaria de Segurança.

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Em março de 2014, o Estado revelou com exclusividade a iniciativa da Justiça italiana de lançar um julgamento em relação aos envolvidos na Operação Condor. Focado na morte de 23 pessoas de cidadania italiana, o processo foi aceito em janeiro do ano passado pelo Tribunal de Roma. Ele acusa 35 militares e políticos latino-americanos por crimes contra a humanidade e pode condená-los até mesmo à prisão perpétua.

Duas dessas 23 vítimas teriam sido sequestradas no Brasil e depois assassinadas. Para direcionar o caso a um incidente específico, os procuradores apontaram para o envolvimento dos quatro brasileiros no desaparecimento de Lorenzo Gigli, na fronteira entre o Brasil e a Argentina, em junho de 1980. Ele teria feito parte do grupo Montoneros. 

Delegado do Dops,Sérgio Paranhos Fleury, que teria se envolvido na repressão internacional durante a Operação Condor,no centro da foto Foto: Amancio Chiodi/Estadão

Os quatro denunciados vivem no Brasil e, se a Justiça italiana aceitar o pedido do MP, podem ser processados no país europeu. O MP já notificou os advogados das partes, designados na Itália. 

Segundo a acusação ao qual o Estado teve acesso, Lorenzo foi detido pela polícia brasileira na cidade de Uruguaiana quando tentava chegar ao Rio de Janeiro para poder voar para a Itália, onde vivia sua mãe, Maria Adelaide Gigli. Estudante de Ciências Sociais na Argentina, Lorenzo decidiu se exilar em 1976 no México, viajando com sua esposa, Claudia Olga Romana Allegrini. Em 1979, o casal voltaria para a Argentina. Mas a perseguição continuaria e os dois optaram por voltar a se exilar. Desta vez, o destino seria a Itália, já que o militante tinha também nacionalidade italiana. 

Lorenzo embarcou em Buenos Aires em um ônibus da empresa Pluma em direção ao Rio de Janeiro. Para não ser identificado, comprou a passagem Nº 93.034 em nome de Néstor Manuel Ayala. Sentou no lugar nº 11 do veículo. 

Sua mulher faria o mesmo percurso um mês depois e o plano era de que se encontrariam no Rio de Janeiro. Mas ela jamais o encontraria. Claudia começaria uma busca incansável por seu marido. Em Curitiba, a sede da empresa Pluma informou que ele de fato havia embarcado, mas que acabou sendo pego na fronteira. Com o governo brasileiro, a resposta oficial recebida por Claudia foi de que Lorenzo não fazia parte da lista dos desaparecidos. 

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Por sua morte está indiciado o general uruguaio Ivan Paulós, entre outros. Entre 1978 e 1981, o militar seria o chefe do Serviço de Informações da Defesa do Uruguai. 

Cargos. No momento do sequestro de Lorenzo Gigli, os quatro brasileiros citados pelo MP mantinham cargos de responsabilidade. O posto mais elevado era de Leivas Job, então secretário de Segurança do Rio Grande do Sul. Já Ponzi comandava o Serviço Nacional de Informações de Porto Alegre. Quanto a Rohrsetzer, ele dirigia a Divisão Central de Informações, enquanto o delegado Silva Reis era o diretor estadual do Departamento de Ordem Política e Social. 

Na denúncia feita pelo MP italiano, os brasileiros são acusados de terem "prendido ilegalmente um número indeterminado de pessoas" por suas ligações com os Montoneros. Eles ainda teriam submetido essas pessoas "a tortura para extrair informações e por terem participado da morte de muitos deles, especialmente, dos cidadãos italianos Horácio Domingo Campiglia Pedamonti e Lorenzo Ismael Vinãs Gigli".

Condor. A Operação Condor, criada em 1975 - e que se estendeu até meados dos anos 80 -, reuniu militares de Argentina, Brasil, Chile, Uruguai, Paraguai e Bolívia em ações conjuntas, com colaboração da CIA, agência de espionagem americana, para o combate às guerrilhas e outros movimentos de resistência às ditaduras militares que dominavam esses países.

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O Estado teve acesso a mais de mil páginas do processo. Elas apontam o ano de 1998 como o início das investigações. Depoimentos, supostas provas de crimes e outros materiais reunidos e consultados pelo Ministério Público totalizaram 169 mil páginas.

Em 2005, o Ministério Público italiano chegou a uma primeira lista de indiciados - um total de 140 militares e políticos de toda a América Latina. Doze brasileiros faziam parte da lista. Além dos presidentes Ernesto Geisel (1974-1979) e João Baptista Figueiredo (1980-1985), constam os generais Antonio Bandeira, Edmundo Murgel e Henrique Domingues, o delegado Marco Aurélio da Silva Reis e Euclydes de Oliveira Figueiredo Filho.

A Justiça italiana, porém, decidiu reduzir o âmbito do julgamento, e limitou a lista dos acusados aos países onde sabe que poderá contar com a colaboração dos governos e nos quais se configurou uma responsabilidade direta pelas mortes. Assim, a lista original de julgados tinha 17 uruguaios, 12 chilenos, 4 peruanos e 2 bolivianos. Pesam sobre eles acusações de crimes contra a humanidade - sequestro, assassinato e desaparecimento forçado.

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A iniciativa do MP italiano envolvendo brasileiros ocorre depois de contatos no Brasil e indicações de que existiria espaço para algum tipo de cooperação. Um dos advogados do caso chegou a viajar ao Brasil em dezembro de 2014. 

Lista. A lista final de possíveis envolvidos em crimes na operação Condor - que se confunde com a história do Cone Sul entre os anos 70 e 80 - inclui generais que estiveram na cúpula do poder em quatro países. Do Uruguai, estão o presidente Juan María Bordaberry, o general Iván Paulós, chefe do Serviço de Informações e Defesa (SID), e outro militar, Pedro Mato Narbondo. Segundo as investigações italianas, estes dois poderiam estar vivendo no Rio Grande do Sul. Do lado chileno, o general Sergio Arellano Stark, considerado como o comandante das "Caravanas da Morte" - uma operação que percorria o país para assassinar presos políticos - e Manuel Contreras, chefe do serviço secreto de Augusto Pinochet.

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O principal protagonista do golpe de Estado no Peru em 1975, Francisco Morales Bermúdez, também faz parte da lista. Da Bolívia, os generais Luis Arce Gómez e Luis García Meza Tejada. Ambos estão presos em La Paz, assim como outros da lista de 35 acusados.

Quem também já se aliou ao processo como parte civil foi o Partido Democrático de Itália (PD), que está oferecendo ajuda legal às famílias e poderia até mesmo facilitar a viagem de testemunhas a Roma no segundo semestre. Em nota a pedido de explicação da reportagem, a chancelaria uruguaia também ressaltou a importância do processo. "O Estado uruguaio faz sua a queixa histórica das vítimas e famílias para conseguir a Justiça sobre os crimes cometidos", diz o governo de Montevidéu.

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