‘Mercadante não faz nada sem orientação superior’

Ex-líder do governo diz que está ‘do lado da verdade’ e disposto a uma acareação com citados em sua delação

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Foto do author Fausto Macedo
Por Fausto Macedo e Alberto Bombig
Atualização:

O senador Delcídio Amaral (sem partido-MS) diz estar disposto a ficar cara a cara com todos os citados em seu depoimento de delação premiada em eventual acareação. “Estou do lado da verdade”, disse ele, em entrevista exclusiva ao Estado. Delcídio deixou o PT após a delação ter sido homologada pelo Supremo Tribunal Federal. Para o senador, líder do governo Dilma Rousseff até o fim de 2015, a presidente, mesmo com a ajuda do ministro Lula na Casa Civil, tem poucas condições de afastar as ameaças de perder o cargo, seja pela via do impeachment no Congresso ou das ações de cassação no Tribunal Superior Eleitoral. “O quadro é muito complicado. Não é fácil. Outros fatos virão. E isso vai contaminando a política”, disse.

Senador Delcídio Amaral deu entrevista exclusiva ao Estado Foto: André Dusek/Estadão

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Segundo ele, o ministro Aloizio Mercadante (Educação) foi apenas um emissário de Dilma na tentativa de convencê-lo a desistir da delação. “O Aloizio é um cara disciplinado. Ele não faz nada sem estar alinhado com orientações superiores. Quem o conhece sabe.”ESTADO - O sr. se arrepende de algo? Não, acho que fiz isso pelo Brasil. Fiz pelo Brasil e com convicção. Eu não tenho nenhum tipo de arrependimento.ESTADO - Sua colaboração é apartidária? É apartidária, pensando no País mesmo. Tanto é que eu trouxe à baila uma série de temas que eu tinha domínio. E as investigações vão provar o que eu falei. É abrangente. Ela não é tendenciosa, ela é isenta.ESTADO - Qual a motivação que o sr. imagina levou o ministro Aloizio Mercadante a procurar seu assessor (José Eduardo Marzagão)? Preocupação que eu tomasse essa decisão de colaborar (com as investigações da Lava Jato). Porque eu era um líder de governo, era uma pessoa com conhecimento de questões importantes. E, fundamentalmente, quem chamou o Marzagão, meu assessor, para conversar foi o ministro Aloizio.

ESTADO - Não foi o sr.? Não, de forma nenhuma. Aliás, eu vim a saber depois que essas conversas tinham sido gravadas. Sob o ponto de vista jurídico (as conversas gravadas) são absolutamente defensáveis porque o Supremo já tem jurisprudência sobre isso. Quer dizer, uma pessoa conversa com outra para se proteger. Ela pode gravar e (a gravação) tem validade jurídica.

Na Câmara, deputados assistem ao noticiário sobre a delação de Delcídio Foto: Dida Sampaio/Estadão

ESTADO - O ministro isentou o Palácio do Planalto, a presidente Dilma e o governo de qualquer orientação a ele nesse sentido. O sr. acha que Mercadante foi (para o encontro com Marzagão) por livre e espontânea vontade mesmo? Não. Quem ouve a conversa entende muito bem. E todo mundo sabe das ligações do senador Aloizio Mercadante com a presidente Dilma. Não tem dúvida nenhuma. Isso aí ele não faria jamais. O Aloizio é um cara disciplinado. Ele não faz nada sem estar alinhado com as orientações superiores. Quem o conhece sabe.ESTADO - A discussão hoje é por que não foi pedida a prisão do ministro, da mesma forma que ocorreu com o sr. São atos semelhantes, o sr. foi pego numa gravação, em tese, segundo a acusação, tentando barrar a Lava Jato. Da mesma forma, a abordagem dele ao sr., via Marzagão... Aliás, acho que a dele (Mercadante) é mais grave que a minha. A dele é uma conversa entre duas pessoas. A minha é uma gravação de terceiros. Então, o caso dele, do meu ponto de vista, é um caso que merece atenção especial. Acho que esse é um debate que o Brasil inteiro está fazendo. Aparentemente, são coisas semelhantes com tratamentos diferentes.ESTADO - O sr. tem batido muito nessa linha de que o governo diz uma coisa publicamente, que deixa as investigações seguirem, que nunca interferiu, mas, nos bastidores, agia de forma contrária, para não deixar que a Lava Jato prosseguisse. O sr. tem essa leitura? O Mercadante é a maior prova disso. E os fatos que citei ao longo da colaboração que não deixam dúvida. O discurso é um, mas a prática é outra.ESTADO - Senador, e o partido? O sr. mandou carta de desfiliação... Não, eu não tenho mágoa. É que há uma incompatibilidade. Quando há incompatibilidade, a gente tem de ter coragem de compreender a situação. A vida continua.ESTADO - Em que momento o sr. decidiu fazer a delação? Logo no início, quando eu fiquei muito chocado, quando descobri que a razão da minha prisão era prejudicar as investigações. Eu sempre fui alguém de construção. Eu sempre fui uma pessoa que estabeleceu pontes. Naquele momento mesmo, quando eu soube a verdadeira razão, eu já me convenci que não... Já que eu estava prejudicando, era esse o entendimento, então resolvi ajudar.ESTADO - E o único pedido que o sr. teve ali, está documentado, foi do Mercadante? A única pressão que o sr. recebeu na linha para não falar, pensar bem? Não, as pessoas eram muito suaves, me visitavam, para prestar solidariedade e tal. Mas sondavam, não é? Não estou dizendo todas, algumas pessoas, mas a gente entendia o porquê. Essa aproximação a gente compreende os objetivos.ESTADO - E o futuro? O futuro agora, nós vamos... (O senador interrompe a entrevista para atender a uma ligação. Seu interlocutor informa que a revista Época ‘soltou a matéria daquela fundação do Aécio em Liechtenstein agora, uma puta matéria’).ESTADO - O sr. vai lutar pelo mandato? Vou lutar, claro, até para honrar os quase um milhão de votos que tive no meu Estado. Foi a maior votação que um político teve em Mato Grosso do Sul. Vou lutar até o fim, eu tô do lado da verdade.ESTADO - O sr. falou, em um dos anexos sobre Furnas... Esse é um esquema que já na CPI dos Correios apareceu. Só que aquilo era uma lista fraudada. Nós inclusive colocamos a perícia. Um perito analisou a lista e atestou que era falsa, mas no mérito não, no mérito tinha procedência.ESTADO - A montagem da lista era uma coisa, o conteúdo outro. O conteúdo, o mérito é que existia uma operação em Furnas comandada pelo Dimas, inegavelmente. E vocês não se surpreendam. Nas investigações, isso vai aparecer. Atende pelo nome de Fabitol. É a empresa que o Dimas tem.ESTADO - O sr. diz também que na CPI dos Correios, em um dos anexos, que o Lula e o filho dele foram salvos, excluídos do relatório final. Como foi essa trama? Foi uma discussão, nós tínhamos de concluir um trabalho de uma CPI que durou 11 meses, e claro, CPI é um foro político. Eu como presidente da CPI dos Correios tinha de administrar os dois lados. E ela funcionou bem também porque foi isenta, pegou os dois lados. Então, quando ninguém gosta é sinal que foi bom.ESTADO - E por que Lula e o filho poderiam ser incluídos no relatório? Por causa de investigações que estavam sendo feitas à época envolvendo a Gamecorp, entre outras razões. E aí nós fizemos, conversamos com a oposição também e fizemos esse encaminhamento. Quero dizer que não é só esse caso. Outros casos ocorreram também ao longo das investigações que levaram à discussão entre oposição e base e aí tudo isso acabou fluindo e levou a esse relatório que o Supremo cumpriu papel fundamental.ESTADO - Dentro do PT como era tratado o sítio de Atibaia? Todo mundo sabia, todo mundo dizia que era do Lula. Eu nunca fui lá, mas todo mundo dizia que era do Lula, sempre, isso era conhecido. Era uma coisa de uma clareza solar.ESTADO - O sr. acha que o impeachment avançou? A presidente Dilma termina esse mandato mesmo com Lula ministro ou não? Acho que o quadro é muito difícil. O quadro é muito complicado. Não é fácil. Outros fatos virão e isso vai contaminando a política e 170 votos na Câmara não é uma coisa simples, não. E o PMDB também tem um papel muito relevante nesse processo. O PMDB já sinalizou no fim de semana que vai assumir uma posição muito mais pragmática. E depois houve uma mobilização extraordinária nas ruas do Brasil no domingo. Isso exige atenção especial, é um olho no gato e outro no peixe.ESTADO - O sr. faria uma acareação com essas pessoas que o sr. cita? Não tenho nenhuma preocupação com isso. Não sei se essas pessoas aceitariam uma acareação comigo (o senador sorri).ESTADO - Para a presidente Dilma algum recado? Não, deixa ela tocar o barco aí que ela tem muitos problemas.ESTADO - Ela termina o governo? Os sinais não são bons.