Memória: a Comissão Afonso Arinos

Tancredo queria uma comissão com cerca de 15 nomes; Sarney, segundo consta, chegou a ter em mãos uma lista com 1.800 ‘notáveis’ e nomeou 50

Por Bolívar Lamounier
Atualização:

A Comissão Afonso Arinos nasceu de um entendimento entre Tancredo Neves e o jurista Afonso Arinos. Eleito em 1985 pelo Colégio Eleitoral, Tancredo deveria tomar posse em 15 de março de 1985, mas, como se recorda, foi hospitalizado no dia 14 e viria a falecer a 21 de abril.

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Com a morte de Tancredo e a posse do vice-presidente José Sarney, as coisas tomaram outro rumo. Sarney obviamente não tinha a estatura de Tancredo, e muito menos as credenciais de oposição que este granjeara na resistência ao regime militar. Tomou precauções e mais precauções, como se estivesse pisando em ovos. Motivos para tanto não lhe faltavam. 

O mais importante era a situação que se iria configurar a partir da posse do Congresso Constituinte, em janeiro de 1987. Sarney temia melindrá-lo, como se o anteprojeto fosse um “prato feito”. Teoricamente, tal Congresso poderia mudar o sistema de governo, adotando o parlamentarismo, encurtar e até interromper de imediato o mandato do presidente em exercício. Ou seja, havia uma caixa de Pandora pronta para ser aberta.

Tancredo, com sua autoridade, cogitara anunciar a comissão já no dia de sua posse, incumbi-la de redigir um anteprojeto e pedir ao Congresso que o tomasse como base para a elaboração do texto, reduzindo assim as incertezas da transição. Sarney cercou-se de todas as cautelas possíveis, deixando a comissão exposta antes mesmo de constituída, fato perceptível no próprio nome oficial do órgão: Comissão Provisória de Estudos Constitucionais. Tancredo queria uma comissão com cerca de 15 nomes. Sarney, segundo consta, chegou a ter em mãos uma lista com 1.800 “notáveis” desejosos de integrá-la, e acabou nomeando 50(*). Após 103 dias integrais de trabalho, a maioria no Hotel Glória, a comissão entregou o anteprojeto a Sarney, que se recusou a remetê-lo oficialmente ao Congresso Constituinte.

(*) Os 50 nomeados foram Afonso Arinos, Alberto Venâncio Filho, Antonio Ermírio de Moraes, Barbosa Lima Sobrinho, Bolívar Lamounier, Candido Mendes, Célio Borja, Celso Furtado, Cláudio Pacheco, Cláudio Lacombe, Clóvis Ferro Costa, Cristovam Buarque, Edgar de Godoi da Mata Machado, Eduardo Matos Portella, Evaristo de Moraes Filho, Fajardo José Pereira Faria, Padre Fernando Bastos de Ávila, Floriza Verucci, Gilberto de Ulhoa Canto, Gilberto Freyre, Reverendo Guilhermino Cunha, Helio Jaguaribe, Helio Santos, Hilton Ribeiro da Rocha, João Pedro Gouvea Vieira, Joaquim Falcão, Jorge Amado, Josaphat Ramos Marinho, José Afonso da Silva, José Alberto de Assumpção, José Francisco da Silva, José Meira, Laerte Ramos Vieira, Luís Eulálio de Bueno Vidigal Filho, Luís Pinto Ferreira, Mário de Souza Martins, Mauro Santayana, Miguel Reale, Miguel Reale Jr., Ney Prado, Odilon Ribeiro Coutinho, Orlando M. de Carvalho, Paulo Brossard, Raphael de Almeida Magalhães, Raul Machado Horta, Rosah Russomano, Saulo Ramos, Sepúlveda Pertence, Sérgio Franklin Quintella e Walter Barelli.BOLÍVAR LAMOUNIER É CIENTISTA POLÍTICO, SÓCIO-DIRETOR DA AUGURIUM CONSULTORIA E MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS

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