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‘Manter o discurso de golpe é impróprio ao País’

Para ministro, que vai assumir comando da Justiça Eleitoral um dia após senadores votarem admissão do impeachment, reconhecer perda de governabilidade ‘não é nenhum demérito’

Por Isadora Peron e BRASÍLIA
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O ministro Gilmar Mendes vai assumir a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nesta quinta-feira, um dia depois de o plenário do Senado votar o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Em entrevista ao Estado, o ministro afirmou que as ações que pedem a cassação da chapa formada pela petista e pelo vice Michel Temer vão continuar tramitando na corte eleitoral, mas dificilmente serão julgadas neste ano. Para Gilmar Mendes, há espaço para que as contas da campanha de Temer sejam julgadas separadas das de Dilma.

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Conhecido pelo tom crítico aos governos do PT, o ministro, que também ocupa uma cadeira no Supremo Tribunal Federal, diz que está na hora de a presidente Dilma Rousseff entender que perdeu a capacidade de governar o País e abrir “espaço para que a vida institucional tenha prosseguimento”.

Diversos partidos afirmam que o melhor caminho para tirar o País da crise não seria o impeachment, mas sim a cassação da chapa Dilma-Temer pelo TSE e a convocação de novas eleições. Se o Senado aprovar o afastamento da presidente, as ações vão continuar sendo analisadas?

Sim. Mas, neste caso especifico, é preciso dizer à sociedade que o atraso se deveu à complexidade do processo de admissão da ação. Nós tivemos um embate muito forte no TSE e isso consumiu praticamente o ano passado todo. Agora estamos na fase de instrução de provas. Vamos ver em que estágio vamos estar em junho, e aí saberemos se vamos conseguir julgar isso no próximo semestre ou se isso passa para o próximo ano.

Temer quer que as contas dele sejam julgadas separadas das de Dilma. Isso é possível?

Essa é uma questão que se coloca, e tem que ser analisada. Até aqui o TSE não fez separação, a princípio ele entende que a chapa é incindível. Essa é a jurisprudência. Mas nós temos um caso em que se discutiu uma situação peculiar, e o debate pode ser útil para iluminar as reflexões. Esse caso foi o do governador de Roraima Ottomar Pinto, em que foi aberta uma ação e, no curso do processo, o governador veio a falecer. O processo, no entanto, prosseguiu contra o vice, mas o tribunal chamou a atenção para que os atos que levariam à cassação de mandato tinham sido praticados pelo então titular da chapa, então fez-se uma atenuação de responsabilidade, e esse é um tema que nós vamos ter que analisar se esta questão for colocada.

O Senado deve aprovar o afastamento da presidente na quarta-feira. Ainda há espaço para recursos sobre o impeachment no STF?

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Muitas das discussões já foram exauridas, mas é claro que as portas do tribunal estão sempre abertas, as pessoas poderão sempre reclamar. O que me parece é que esse processo é muito doloroso para o País, porque isso gera muita instabilidade e causa enorme insegurança. Era preciso que pessoas com responsabilidade política fizessem essa análise. Aqui não é uma disputa de defesa de direitos subjetiva, nós estamos falando de condições objetivas de governabilidade. É isso que eu acho que precisa ser avaliado, não acho nenhum demérito, em nenhuma circunstância, que autoridades que já não têm mais condições de exercer razoavelmente as suas atividades, por exemplo, abram espaço para que a vida institucional tenha prosseguimento.

O advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, já afirmou que vai voltar a recorrer no Supremo...

Também o ministro Cardozo tem de fazer uma avaliação, porque ele não é um advogado privado da presidente da República, ele também é uma pessoa com responsabilidade de guarda das instituições como advogado-geral da União. Nesse sentido, também não pode fazer recursos de caráter procrastinatório. Ele já veio várias vezes ao Supremo, fez sustentação oral, não colheu êxito e continua com o discurso do golpe. Então o Supremo está coonestando o golpe? A mim me parece que isso é impróprio. Enquanto retórica política se compreende, mas, partindo de um jurista, isso é deplorável, lamentável.

Há um sentimento muito forte no governo de que, se o STF tivesse decidido antes afastar Eduardo Cunha (PMDB-RJ) da presidência da Câmara, o desfecho do impeachment seria outro.

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A presidente logrou alguma coisa como 140 votos na Câmara, nem ficou próximo dos 172 necessários para barrar o impeachment (Dilma obteve 137 votos). Ela perdeu a capacidade de governar. Todo mundo sabe que com 172 votos na Câmara já não se governa. Tendo em vista dados objetivos, essa reclamação é de todo improcedente. A mim me parece que querer debitar a um órgão de perfil judicial o resultado de desastres políticos é indevido. Eu também já defendi no plenário do Supremo que não faz sentido vir aqui ao tribunal resolver problema de falta de votos no Parlamento. Não somos nós que podemos resolver esse tipo de situação. Ninguém sobrevive na esfera política com liminar do Supremo, seria uma interferência indevida inclusive no processo democrático.

Independentemente do tempo que se levou, o STF tomou uma decisão inédita ao afastar Cunha do mandato de deputado. Muitos juristas afirmaram que essa saída não encontra respaldo na Constituição. O sr. concorda?

Essa é uma medida excepcionalíssima. Às vezes a Constituição não é completa, ela pode ter uma lacuna, e aí cabe ao intérprete construir, completar o processo, foi um pouco o que o ministro Teori Zavascki fez. Evidentemente, isso não pode ser matéria rotineira, não é porque alguém é investigado ou até mesmo porque teve a denúncia recebida que deva agora ser afastado das funções parlamentares. Aqui o caso tinha uma série de implicações, inclusive no andamento das investigações contra o deputado.

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Então o sr. não concorda com a ação proposta pela Rede, que argumenta que, para ocupar o posto de presidente da Câmara ou do Senado, uma pessoa não pode ser réu no Supremo.

Isso poderia ser um impedimento para se substituir o presidente da República, não impediria necessariamente o exercício da função na presidência da Câmara. Aliás, eu li a ação com muita atenção, e fiquei com a impressão que vem tendo um mau uso da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental). Havia imputações muito genéricas na peça. Eu me considero um pouco um dos pais da lei da ADPF, e acho que o tribunal faria grande justiça se simplesmente rejeitasse e não conhecesse da ação.

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Houve a interpretação de que a ação da Rede abriria espaço para que os atos de Cunha, inclusive a abertura do impeachment, pudessem ser questionados após ele ser afastado da presidência da Câmara. O sr. teve essa impressão?

Ainda que a ação tivesse essa intenção, não acredito que o tribunal adotaria qualquer orientação nesse sentido, até porque, em impugnações específicas, o tribunal as rechaçou. O que eu achei impróprio foi a colocação em pauta desta ação. Esse processo deveria ter sido colocado para a análise do ministro Teori Zavascki, até porque ele já vinha conduzindo esse trabalho. Acho que do ponto de vista de condução de uma política judiciária, essa pauta foi um grave erro. Ela causou desassossego e levou o ministro Teori a precipitar a sua decisão e, de certa forma, nos atropelou a todos.

O impeachment da presidente vai significar o fim da era do PT?

Eu não vou emitir juízo peremptório sobre esse tipo de questão, mas certamente nós estamos vivendo um momento de mudança. Houve realinhamentos, reposicionamentos, e o próprio estamento político optou por mudança, e isso sinaliza que determinadas práticas que se desenvolveram nesses últimos anos estão sob uma análise fortemente crítica. Agora, qual vai ser o resultado desse processo, nós temos que ter alguma paciência para examinar. Mas se percebe que há, neste momento, um certo cansaço, uma certa exaustão, uma certa impaciência, com o modelo de governança que se estabeleceu.

A Procuradoria-Geral da República ofereceu uma denúncia contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O sr. acredita que ele está à frente do esquema investigado pela Lava Jato?

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No mensalão, o procurador-geral da República Antônio Fernando optou por não denunciar o ex-presidente Lula, que ficou um pouco como um sujeito oculto. Agora, a questão se colocou de novo e, em função da evolução das investigações, ficou extremamente difícil dizer que um sistema tão complexo como esse se engendrou por geração espontânea. A impressão que eu fiquei é que isso foi uma definição de política governamental, um modo de governança, emanada de quem tem competência para estabelecer diretrizes. Hoje há um certo consenso sobre isso, é difícil fazer uma análise desse quadro sem chegar a essa conclusão.

Há um temor de que em um eventual governo Temer haja uma intervenção para barrar o avanço das investigações da Lava Jato. O sr. acha que isso pode vir a acontecer?

Não acredito que o vice-presidente teria esse tipo de propósito. Por outro lado, pela sua própria experiência, vivência e conhecimento institucional, ele saberia que esse tipo de tentativa seria vã, seria inútil. É evidente que o Ministério Público, a Polícia Federal, o próprio Judiciário têm garantias institucionais bem claras e certamente não estariam suscetíveis a esse tipo de influência e manipulação. E é notório que essas atividades de investigação têm um enorme apoio na comunidade em geral.

O ministro do STF Marco Aurélio Mello pediu que a Câmara aceitasse o pedido de impeachment de Temer. Essa ação deve prosseguir?

Acho que essa questão terá que vir ao plenário do Supremo, para que nós decidamos. Mas qualquer pessoa com experiência em assuntos de governo sabe que o vice participa muito superficialmente da definição das políticas de governo. E a diretriz política é traçada pelo presidente da República, de modo que é bastante curioso falar em responsabilidade do vice-presidente em situações de substituição eventual de um ou dois dias.

O sr. foi sempre muito crítico aos governos do PT. Há quem o chame até de “líder da oposição” no STF. O que acha dessa alcunha?

Qualquer pessoa que tiver um pouco de honestidade intelectual e fizer um levantamento dos meus votos ao longo desses 14 anos que aqui estou vai saber que eu me posiciono às vezes de maneira muito forte, mas de forma absolutamente independente. Quem acompanhou a minha primeira passagem pelo TSE e vai acompanhar agora vai verificar que eu não faço distinção de cores partidárias, mas é evidente que é preciso que a gente chame as coisas pelos nomes. Eu estou em paz com a minha consciência e assumo as minhas posições com muita clareza, não mudarei nenhuma vírgula independentemente do governo que esteja no poder.

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Este ano teremos novas regras para as eleições municipais. A proibição do financiamento privado para as campanhas não pode aumentar o número de doações irregulares?

Essa é uma preocupação. Porque, a rigor, nós acabamos mais uma vez fazendo uma reforma incompleta, o ideal seria alterar o sistema político eleitoral, e daí buscar o sistema de financiamento adequado. Nesse contexto, é possível que o próprio dinheiro ilícito entre nessa brecha e eventualmente alimente as doações individuais. Nós vamos ter que estar muito atentos para isso.