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Um olhar crítico no poder e nos poderosos

Opinião|Lula lá, contra ‘remédios’

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Não é mais só o vice Michel Temer quem anda dizendo umas verdades por aí, para quem quiser ouvir. O ex-presidente Lula também decidiu se libertar das amarras e sair falando não apenas o que pensa, mas principalmente o que convém à sua própria sobrevivência e a uma eventual candidatura. Dilma Rousseff que se cuide. Dilma já tinha dito que, talvez, quem sabe, demorou para perceber o tamanho do buraco da economia. Agora, longe da TV, para poupar seus ouvidos e sua alma de novos panelaços, ela usou as redes sociais no 7 de Setembro para assumir que “é possível” que tenha cometido erros e não descartou “remédios amargos”, como meter a tesoura em programas sociais. Lula não esperou muito para mostrar que, entre a sua criatura e os movimentos sociais que ainda lhe restam, prefere ficar com os segundos. Discursando ontem no Paraguai como se já estivesse em campanha no Brasil, condenou cortes nas áreas sociais, disse que, antes dele, “os pobres eram tratados como se fossem problema” e ensinou: “o pobre ajudou a salvar o Brasil”. É impressionante que Temer fale o que anda falando, mas é tão ou mais constrangedor Lula atacar a expectativa de cortes no Orçamento justamente num momento em esse é o grande nó de Dilma. Não se trata de opção: ela tem de cortar gastos e/ou aumentar receitas. Mas, segundo Lula, como quem não quer nada, “toda desculpa é que não tem dinheiro”. E deu nome aos bois, sem citar diretamente o saco de pancadas Joaquim Levy: “É muito difícil encontrar alguém da Fazenda e do Tesouro disposto a dar essa contribuição para ajudar aos que vêm de baixo”. O ex-presidente citou o Fome Zero, que não passou de uma ficção de marqueteiro, e bateu no peito pela política econômica centrada no crédito e no consumo, como se a verdadeira distribuição de renda se fizesse com fogões, geladeiras, carros novos e uma viagenzinha de vez em quando. Tudo isso é muito bom e é justo lutar para que todos tenham acesso, mas, com tantos recursos à mão, sua espetacular popularidade, o PT ainda vigoroso, uma imensa base aliada e a boa vontade dos bancos e do empresariado, Lula poderia ter sido estratégico. Redistribuição de renda não é com geladeiras e fogões, mas via saúde, educação, ciência, tecnologia, produtividade e competitividade. Combinar a emergência do Bolsa Família com a construção de um futuro seguro e generoso era o ideal, mas Lula não gastou um tico de gordura política e de popularidade para fazer o que era mais difícil. Preferiu o imediato, o conjuntural. Na política, agarrou-se aos Collor da vida e lavou as mãos para mensalão e petrolão. Na economia, trocou o estratégico pelo populismo. Dilma assumiu com o ego de Lula na lua, o País inebriado e ela mesma pronta para bater na mesa e impor suas próprias ideias na economia, na energia, na eletricidade, nos juros, no estatismo disfarçado, no velho nacionalismo retrógrado. Agora, com o barco afundando, Dilma diz que vai corrigir os erros do primeiro mandato, Temer lembra que é muito difícil uma presidente com 7% de aprovação concluir o mandato e Lula dá um empurrãozinho final, condenando em público o eixo da política econômica de Dilma, como se fosse o único político do País preocupado com a defesa dos “pobres”. Os movimentos que ainda dizem amém, insistem no vermelho e vão às ruas para derrubar Joaquim Levy foram dormir ontem orando pelo grande líder Lula e certamente mais indignados com a algoz Dilma. Ao falar como candidato, ao retomar o maniqueísmo do contra e a favor dos “pobres” e ao condenar o que Dilma é obrigada a fazer – recuperar as contas públicas, para o bem de todos, sobretudo dos pobres –, Lula está explodindo a sucessora. Deve ter muito cuidado, porém. São dois os bonecos infláveis nas manifestações, o do Pixuleco Lula, vestido de presidiário, e o da Pixuleca Dilma, com nariz de Pinóquio. É improvável que um volte a voar e só o outro estoure.

Opinião por Eliane Cantanhêde

Comentarista da Rádio Eldorado, Rádio Jornal (PE) e do telejornal GloboNews em Pauta

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