Livro identifica 139 dos integrantes do destacamento

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Por Marcelo Godoy
Atualização:

O tenente Chico entrou no Clube dos Oficiais da Reserva da Polícia Militar e foi até a antessala do gabinete do seu então presidente, coronel Hermes Bittencourt Cruz, um ex-sargento do Exército que em 1963 participou da agitação dos praças no Rio antes de entrar para a PM paulista, no ano seguinte. Desconfiado, não quis dizer nem mesmo seu nome. Era setembro de 2004 e estava acompanhado por um coronel da PM que fez carreira no Serviço de Informações da corporação e o incentivara a falar. Começava ali a primeira de mais de duas dezenas de entrevistas com o mesmo homem. Sua memória se abriu aos poucos. Só na terceira entrevista Chico tomou coragem para dizer seu nome verdadeiro e se apresentar sem o coronel. Pediu, porém, anonimato. Por isso, aqui foi identificado por meio de um nome fictício: tenente Chico. As pistas deixadas por ele e por mais dois outros policiais militares veteranos do Destacamento de Operações de Informações abriram o caminho para a pesquisa que deu origem ao livro A Casa da Vovó (a ser lançado dia 12 na Assembleia Legislativa paulista) no qual são identificados 139 agentes que trabalharam no DOI-Codi. Desses, 25 estão entre os 97 entrevistados na pesquisa, lista que inclui militantes, políticos, advogados, além de militares e policiais. Houve quem falasse bastante e quem concordasse em conversar só uma vez. Os nomes dos agentes e seus endereços surgiram aos poucos, assim como os documentos em arquivos particulares e públicos. Em 2005, apareceram os agentes Neuza e Alemão. Depois viriam Melancia, José, Sá, Vilma e outros. Alguns aceitaram deixar registro gravado. Outros não. Alguns pediram anonimato completo. Outros permitiram que seus nomes de guerra ou de verdade fossem citados. João de Sá Cavalcanti Netto, o sargento do Exército que fazia os relatórios sobre os depoimentos dos presos mantidos na boate Querosene, o cárcere clandestino do DOI em Itapevi, na Grande São Paulo, concordou em falar em sua casa, no Jaguaré, zona oeste de São Paulo. Fez um relato sobre execuções e operações secretas. "Vi muito sangue da esquerda." Seu sorriso nervoso e o aperto de mão denunciavam a tensão quando falava sobre o trabalho. Morreu em 2011 atormentado pelo passado: da Boate Querosene, apenas dois prisioneiros saíram vivos sem que fossem transformados em informantes. Ali se costumava, segundo os agentes, matar presos com injeção letal. Foi o que ocorreu com o integrante do Comitê Central do PCB Hiram de Lima Pereira. Ele foi preso pela Seção de Investigação em janeiro de 1975, na zona norte de São Paulo. As ações do DOI seriam determinantes para a morte de 79 pessoas.

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