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Governo repete manobra que TCU considera irregular

Ao reduzir meta fiscal deste ano, equipe econômica aplicou operação semelhante à que foi apontada como distorção nas contas de 2014

Por João Villaverde
Atualização:
O ministro do Planejamento, NelsonBarbosa Foto: Dida Sampaio/Estadão

BRASÍLIA - O governo repetiu na semana passada uma manobra que está na mira do Tribunal de Contas da União (TCU) no julgamento das contas da presidente Dilma Rousseff em 2014. Ao anunciar a redução da meta fiscal deste ano, na quarta-feira, a equipe econômica aplicou, baseada nessa nova previsão, um corte de R$ 8,6 bilhões nos gastos públicos. Esse bloqueio no orçamento foi embasado na nova meta, que, no entanto, ainda precisa ser aprovada pelo Congresso.

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No processo de análise das contas de 2014, o TCU aponta como uma das distorções, ao lado das “pedaladas fiscais”, operação semelhante, feita sem aval do Legislativo. Em novembro do ano passado, em vez de cortar R$ 28,5 bilhões em gastos, o governo liberou R$ 10 bilhões com base na provável aprovação, pelo Congresso, do projeto que alterava a meta fiscal.

Os ministros do TCU sustentam, com base em acórdão aprovado no mês passado, que a operação foi irregular. A justificativa é que o governo “utilizou” a gestão orçamentária de 2014 “para influir na apreciação legislativa do projeto de lei 36/2014”, em referência à proposta que alterava a meta fiscal do ano passado. Essa é uma das distorções que podem levar a corte a uma inédita rejeição das contas federais. A oposição conta com essa reprovação para reforçar a tese de impeachment de Dilma.

A semelhança entre as operações preocupa o Planalto. Numa reunião sobre o quadro fiscal do governo na semana passada, a presidente e ministros da área econômica discutiram o assunto. Avaliaram, no entanto, que a defesa para a manobra do ano passado, recém-apresentada ao TCU, serviria para justificar também o que foi feito agora.

O TCU decidiu conceder 30 dias para a presidente esclarecer os problemas nas contas do ano passado. A defesa formal, com mais de mil páginas, foi entregue na quarta-feira ao tribunal. No documento, o governo argumenta que um corte de gastos públicos de R$ 28,5 bilhões em novembro de 2014 “levaria inevitavelmente ao agravamento da situação econômica já desfavorável”.

Defesa. O governo argumenta que, tradicionalmente, a equipe econômica administra o Orçamento entre janeiro e dezembro baseada em projetos e medidas provisórias que elevam a arrecadação (pela alta de impostos, por exemplo) ou diminuem despesas (como mudanças de regras de programas públicos), que estão em tramitação no Congresso. Além disso, o governo também observa na defesa que essa prática ocorre há muitos anos, sem nunca ter chamado a atenção do TCU. “A prática de usar cenários prospectivos não é uma coisa nova. Isso aconteceu em 2009, quando o governo alterou a meta fiscal, e também em 2002”, disse o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, há duas semanas.

O caso de 2002, quando o presidente era Fernando Henrique Cardoso (PSDB), é repetido na defesa. Em abril daquele ano, o governo deixou de alterar o Orçamento baseado em projetos que estavam em tramitação no Congresso e, também, em “estudos internos” para a elevação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), o que aumentaria a arrecadação.

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Meta. Oficialmente, a meta fiscal deste ano continua a ser de R$ 66,3 bilhões, o equivalente a 1,1% do Produto Interno Bruto (PIB). O projeto de lei enviado ao Congresso propõe a redução da meta para 0,15% do PIB. Esse dinheiro será usado pela União, Estados e municípios para o pagamento dos juros da dívida pública. O governo sofre com os efeitos da recessão na economia, que reduziu fortemente a arrecadação e dificultou o cumprimento de uma meta mais elevada. Com isso, a equipe econômica também admite que a dívida pública aumentará neste ano, uma vez que menos recursos fiscais serão usados para seu abatimento. 

O corte de gastos anunciado no mesmo dia foi feito sob a premissa de que a nova meta entrará em vigor após aprovação do Congresso. Mas, se fosse preciso contingenciar gastos para chegar à meta de 1,1% do PIB, o volume dos cortes deveria ser muito superior.

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