Globo deve pagar R$ 50 mil a absolvido do caso da Chacina da Candelária

STJ julgou que o serralheiro Jurandir Gomes de França teve direito ao esquecimento violado ao ser retratado pelo programa 'Linha Direta'

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Por Felipe Recondo
Atualização:

Inocentado da acusação de envolvimento na chacina da Candelária, Jurandir Gomes de França garantiu no Superior Tribunal de Justiça (STJ) o direito a ser esquecido. Por unanimidade, os ministros da Quarta Turma do STJ julgaram que França teve violado seu direito ao esquecimento ao ser retratado pelo programa Linha Direta, da TV Globo, anos depois de absolvido de todas as acusações. Por isso, ele receberá indenização de R$ 50 mil da Globo.

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No relato que fez, França afirmou ter sido procurado pela TV Globo para dar entrevista sobre o caso, mas disse ter se recusado. E disse que a matéria veiculada no programa Linha Direta reacendeu "na comunidade onde reside a imagem de chacinador e o ódio social", violando seu "direito à paz, anonimato e privacidade pessoal". A TV Globo, em resposta, alegou que França, à época serralheiro, foi "peça chave" no episódio e seu caso demonstraria "a incompetente investigação promovida pela polícia" neste caso. Além disso, argumentou que a Chacina da Candelária é fato público que pode ser lembrado e retratado em programas jornalísticos.

Porém, o entendimento do STJ foi distinto. Relator do processo, o ministro Luis Felipe Salomão, julgou que França foi submetido à exposição nacional contra sua vontade, colocando novamente em dúvida se teve ou não participação nos assassinatos. "Muito embora tenham as instâncias ordinárias reconhecido que a reportagem mostrou-se fidedigna com a realidade, a receptividade do homem médio brasileiro a noticiários desse jaez é apta a reacender a desconfiança geral acerca da índole do autor, que, certamente, não teve reforçada sua imagem de inocentado, mas sim a de indiciado", afirmou o ministro em seu voto. "Permitir nova veiculação do fato com a indicação precisa do nome e imagem do autor significaria a permissão de uma segunda ofensa à sua dignidade", acrescentou.

A ponderação sobre qual direito deve prevalecer - se o direito à informação ou à intimidade - é feita caso a caso. Mas em seu voto Salomão argumentou que um réu condenado pela prática de um crime tem o direito a ser esquecido depois de cumprida sua pena. "O interesse público que orbita o fenômeno criminal tende a desaparecer na medida em que também se esgota a resposta penal conferida ao fato criminoso, a qual, certamente, encontra seu último suspiro, com a extinção da pena ou com a absolvição, ambas irreversivelmente consumadas", avaliou o ministro. "E é nesse interregno temporal que se perfaz também a vida útil da informação criminal", acrescentou.

Para o ministro, a despeito de a Chacina da Candelária "ter se tornado - com muita razão - um fato histórico, que expôs as chagas do País ao mundo, tornando-se símbolo da precária proteção estatal conferida aos direitos humanos da criança e do adolescente em situação de risco, o certo é que a fatídica história seria bem contada e de forma fidedigna sem que para isso a imagem e o nome do autor precisassem ser expostos em rede nacional", julgou o ministro. A TV Globo ainda pode recorrer da decisão.

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