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Ex-deputado Ricardo Zarattini morre aos 82 anos

Militante de esquerda foi um dos 15 presos políticos que a ditadura soltou em troca troca da libertação do embaixador americano Charles Burke Elbrick

Foto do author Marcelo Godoy
Por Marcelo Godoy
Atualização:

Quando resolveu escrever sobre Ricardo Zarattini Filho, seu amigo, na época senador na Itália, José Luiz Del Roio se lembroudo filme Nós que nos amávamos tanto, de Ettore Scola. Três amigos que haviam participado da luta contra o fascismo na Itália se reencontram com as ilusões perdidas e a revolução que faltou. “Queríamos modificar o mundo, mas foi o mundo que nos modificou”, diz um dos personagens do filme. Essa amargura que tomou conta de tantos que compartilharam dos caminhos de Zarattini era estranha a esse paulista de Campinas, que morreu neste domingo, 15, aos 82 anos, em consequência de uma pneumonia..

“Zarattini permaneceu fiel aos seus ideais de transformação do mundo, não permitindo por ele ser corrompido”, escreveu Del Roio em Zarattini, a paixão revolucionária. Ricardo Zarattini Filho começou sua vida militante no movimento estudantil, nos anos 1950, enquanto cursava engenharia na Escola Politécnica da USP – onde foi contemporâneo de Paulo Maluf e Mario Covas. Era então ligado ao PCB.

O ex-deputado federal e militante de esquerda Ricardo Zarattini Foto: HÉLVIO ROMERO/AGÊNCIA ESTADO

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Após o golpe de 1964, ele deixa o PCB e defende a construção de um partido com base no nordeste, o PCR (Partido Comunista Revolucionário). É preso em 10 de dezembro de 1968, em Recife. Acusam-no de ser responsável pelo atentado a bomba no aeroporto de Guararapes, que deixara dois mortos. Foi torturado.

Zarattini era inocente – o atentado fora obra de integrantes da Ação Popular, outra organização que se opunha ao regime. Mas a acusação o perseguiu durante toda sua vida. Fugiu do quartel onde estava preso em abril de 1969.

Veio para São Paulo, onde se ligou à ALN (Ação Libertadora Nacional) por meio de Joaquim Câmara Ferreira, o Toledo. Foi ali que foi preso pela segunda vez em junho de 1969. Acabaria sendo novamente torturado. Do cárcere só sairia quando no fim do ano, um grupo de militantes do MR-8 e da ALN, sob a liderança de Câmara Ferreira, sequestrou o embaixador americano Charles Elbrick.

Zarattini foi incluído na lista dos 15 presos que foram trocados pelo embaixador por iniciativa de Câmara Ferreira. Foi para o México e depois para Cuba. Ali se juntou aos militantes da ALN que treinavam guerrilha para voltar ao Brasil. Em 1972, começa a criticar a experiência da luta armada contra a ditadura e defende que a ALN volte ao trabalho de massas. Funda então a Tendência Leninista.

Ricardo Zarattini (em pé, segundo da dir. para a esq.) entre guerrilheiros trocados pelo embaixador dos EUA Foto: ARQUIVO AG. ESTADO

Tenta impedir que os militantes da ALN em Cuba voltem ao País em 1973, mas eles decidem rachar com o grupo. Dos que retornaram, poucos ficariam vivos – a maioria foi presa e morta pela ditadura.Em 1974, Zarattini decide retornar clandestino para o Brasil.

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Aos poucos se aproxima do MR-8. Ele acabaria preso pela última vez em 1977 – por pouco escapou de ser morto por militares insubordinados. Anistiado, ele e seu grupo entram no PMDB, onde se candidataria a deputado em 1982 – não seria eleito. Em 1985, Zarattini entra para o PT, onde permanecia até hoje.

Nascido em 1935, era filho do pedreiro Ricardo e da dona de casa Anitta, ambos filhos de italianos que vieram do Vêneto para o Brasil. Carlos, seu irmão mais velho, ia se tornar famoso no teatro – casado com Eva Wilma, Carlos Zara morreu em 2002. Ricardo Filho teve poliomielite quando era criança.

Seu andar revelava as marcas da doença. Era um bom orador. Sabia cativar uma assembleia. Manteve sempre hábitos simples e nunca deixou de fazer política, mesmo com a saúde já comprometida nos últimos anos, viajava a Brasília e ajudava a cuidar do escritório do filho, o deputado federal Carlos Zarattini em São Paulo. Além de Carlos, deixou a filha Monica, fotógrafa. Ambos filhos de seu casamento com Alceste.

De acordo com Carlos, seu pai teve uma piora de saúde muito grande de um ano para cá, mas continuou tratando de temas políticos durante todo esse tempo. "Só perdeu a condição de lucidez há cerca de uma semana, [até lá] sempre discutiu muito, debateu muito", afirmou o filho.

"É uma perda muito grande, não só para a família, mas para o Brasil e para a esquerda em geral. Ele lutou por ideias de um país mais justo e mais livre", acrescentou.

Será velado hoje na Rua Luiz Murat, 245, no cemitério São Paulo. Zarattini será cremado às 15 horas, na Vila Alpina. /COLABOROU PAULA REVERBEL

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