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Esquema previa até calote na Caixa, diz empresário

Ex-dono de frigorífico afirma ao ‘Estado’ que Funaro lhe ofereceu empréstimo no banco estatal e possibilidade de ‘nunca mais precisar’ quitá-lo caso pagasse ‘comissão’ de 30%

Por Josette Goulart e Alexa Salomão
Atualização:
Caminhões estacionados no pátio do Big Frango, em Rolândia (PR); empresa é investigada na Operação Cui Bono? Foto: Divulgação/JBS

O empresário Evaldo Ulinski, ex-dono do Big Frango, uma das empresas investigadas na Operação Cui Bono?, disse em duas entrevistas ao Estado que Lúcio Bolonha Funaro e operadores dele lhe ofereceram um empréstimo de R$ 100 milhões na Caixa Econômica Federal, com condições especiais. Cobrariam 10% sobre do valor do financiamento, a título de comissão, para facilitar a liberação dos recursos. Mas havia outra opção. Se o empresário aceitasse dar uma comissão maior, de 30%, não pagaria o empréstimo. “Era 10% para você pagar e 30% para nunca mais precisar pagar. As palavras deles”, disse Ulinski ao Estado.

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A história contada por Ulinski traz detalhes de como eram os bastidores de um esquema que previa a liberação de financiamentos irregulares na Caixa em troca de propinas, o alvo central da Operação Cui Bono?, deflagrada na sexta-feira.

Segundo o Ministério Público e a Polícia Federal, o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, Geddel Vieira Lima – ex-ministro do atual governo de Michel Temer –, além de Funaro, operaram um esquema de fraudes na liberação de créditos da Caixa, que teria ocorrido pelo menos entre os anos de 2011 e 2013. Neste período Geddel era vice-presidente de Pessoa Jurídica do banco estatal, área que libera financiamentos para empresas.

Ulinski recebeu uma proposta para ter crédito na Caixa e foi ao escritório de Funaro. Contou que chegou a assinar um documento manifestando interesse em contratar Funaro para intermediar o crédito e feito cadastro na Caixa. Ele disse que as condições apresentadas eram tentadoras: “Preço bom, prazo bom, dez anos, 12 anos”, lembrou. “Conseguiria o empréstimo com custos baixíssimos. Eu não me recordo a que juros.” 

As tratativas, porém, não teriam avançado. “Naquele momento, eu até aceitaria, porém, tendo mais informações, desisti. Com mais conversa, eu vi que eu ia ter problemas no futuro.” 

O risco, para Ulinski, estava em dois detalhes: “A Caixa queria garantia. Eu tinha garantia para dar. Agora, desculpe, mas 10% de comissão é extorsão. Não é verdade? E pior que isso. A proposta do Lúcio Funaro era o seguinte: te arrumo R$ 100 milhões com 10% para pagar e 30% para nunca mais precisar pagar. Como pode? Eu dar uma garantia e não pagar? Caí fora”. 

Ulinski afirmou não saber como se davam as tratativas internamente na Caixa: “Eu não estou acusando a Caixa Econômica. Eu nunca falei com ninguém da Caixa.”

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De acordo com o relatório do Ministério Público Federal que embasou a operação Cui Bono?, é preciso ainda apurar melhor os fatos em relação à liberação de créditos à empresa Big Frango. O documento afirma que “Geddel teria se referido à localidade da agência bancária da Big Franco sem fornecer muitos detalhes na mensagem”. 

Nas entrevistas, Ulinski disse que conheceu Funaro por intermédio de terceiros. Alexandre Genta, na época seu genro e também advogado da Big Franco, havia feito faculdade em Londrina com Alexandre Margotto, que trabalhava com Funaro. Para Ulinski, Margotto afirmava que o chefe tinha acesso à Caixa. “O funcionário dele disse que ele (Funaro) consegue muita coisa na Caixa, é muito bem relacionado lá, ele manda lá dentro. É o manda chuva lá dentro. Se é mesmo, não sei”, afirmou.

Segundo Ulinski, os operadores de Funaro falavam que ele fazia esse tipo de empréstimo para outras empresas. “Dizem que ele tinha muito acesso (na Caixa) e conseguia muita coisa politicamente.” Mensagens entre Geddel Cunha e Funaro sustentam essa versão de que havia um esquema de fraudes nos empréstimos da Caixa para empresas. Boa parte das citadas na Operação Cui Bono? tinham negócios direto com Funaro. 

É caso da própria Big Frango. Em nome de Ulinski, Funaro apresentou a empresa para potenciais compradores e ela foi adquirida pela JBS, maior empresa do mundo no setor de carnes, que é controlada pela J&F. Funaro conhece os donos da JBS, a família Batista. Chegou a negociar um imóvel de luxo com Joesley Batista. Mensagens trocadas entre Geddel, Cunha e Funaro mostram que eles favoreceram a liberação de recursos da Caixa para a J&F. 

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O mesmo teria ocorrido em relação ao grupo Bertin, que atua em vários setores. Cunha pede a Geddel: “Precisa ver no assunto da Bertin a carta de conforto1 com os termos que necessita”. Funaro é amigo e foi consultor dos Bertin. 

Outra empresa citada pelo Ministério Público foi a Marfrig, também do setor de carnes. Em conversa por SMS sobre a Marfrig, Geddel disse a Cunha: “voto sai hj’. No outro dia, o ex-ministro envia informações sobre a aprovações do crédito. Os investigadores apuraram que, após essa conversa, Marfrig depositou R$ 469,5 mil para uma empresa de Funaro, a Vizcaya. 

Contexto. Ulinski concedeu duas entrevistas ao Estado sobre a oferta de empréstimo na Caixa. Na primeira, em 2014, havia se indisposto com Funaro sobre a comissão da venda do Big Frango. Na segunda, em setembro de 2016, Funaro já havia sido preso. Ulinski confirmou todos detalhes do esquema, mas fez acusações mais fortes ao ex-genro, Genta. 

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A reportagem tentou contato com Genta, que não respondeu às ligações. Também tentou falar com Margotto, por intermédio de amigos e familiares, sem obter resposta. O advogado de Funaro, Fernando Guimarães, disse que não tinha como responder às questões, pois só vai falar com seu cliente nesta semana. A defesa de Geddel afirmou na sexta-feira que as investigações fazem “ilações e meras suposições não comprovadas”. 

A J&F declarou que “nunca procurou os políticos para pedir facilidade ou intermediação em quaisquer de suas operações financeiras”. A JBS, por sua vez, declarou que “todas as suas atividades são realizadas dentro da legalidade.” A Marfrig, em nota, afirmou que suas operações com a Caixa não tiveram “qualquer tipo de privilégio”. Bertin não respondeu até a conclusão desta edição. A Caixa informou que colabora com as investigações.

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