O juiz federal Sérgio Moro, que conduz a Lava Jato na 1ª instância da Justiça, poderia pedir a escuta do telefone do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas a divulgação do material colhido divide a comunidade jurídica. Juristas ouvidos pelo Estado apontam dúvidas sobre a legalidade do procedimento adotado por Moro, que alegou interesse público ao levantar o sigilo das gravações que envolvem não só o agora ministro da Casa Civil, mas também a presidente Dilma Rousseff e outros ministros de Estado e políticos com mandato eletivo.
"Ele pode fazer a quebra do sigilo, pois o investigado (ex-presidente Lula) estava sob sua jurisdição, mas no momento que a conversa se dá com a presidente da República, ela não está sob sua jurisdição, está sob a jurisdição do Supremo Tribunal Federal (STF). Necessariamente, ele deveria encaminhar ao Supremo, que deveria decidir", afirmou Oscar Vilhena Vieira, professor de direito constitucional e diretor da FGV Direito SP. "A gravação não é ilegal, mas não poderia ser usada na investigação e muito menos divulgada." Ministro do STF, Gilmar Mendes disse à Rádio Estadão que a divulgação pode ser alvo de contestação, embora a tenha considerado correta. "O conteúdo é extremamente grave e sugere o propósito de interferir no funcionamento das instituições", afirmou. "(A divulgação) coloca em risco a prova, o que não significa que o conteúdo não é assustador", analisou Oscar Vilhena.
Para Dalmo Dallari, professor emérito da USP e membro do Conselho Internacional de Juristas da ONU, a medida tomada por Moro fere a Constituição. "A divulgação é ilegal, como aponta o inciso 12, do artigo 5º da Constituição Federal."
A conduta de Moro pode ser analisada tanto pela corregedoria do Tribunal Regional Federal como pelo Conselho Nacional de Justiça. Para Vilhena, entretanto, Moro - como nenhum juiz - pode ter suas decisões analisadas, mas deve-se procurar saber se houve, em tese, má fé ou favorecimento por causa dessa decisão.
Certo e errado. Para Dallari, o caso deverá chegar ao STF, pois mexe com direitos individuais de qualquer cidadão. "O juiz Sérgio Moro começou bem na Operação Lava Jato e foi corajoso, pois a prisão de empresários era algo sem precedentes no País. Contudo, infelizmente parece que perdeu o equilíbrio de certo modo. Ele esqueceu as limitações legais e éticas", afirmou.
Para o jurista Modesto Carvalhosa, a ação de Moro é inquestionável. "A divulgação (dos áudios) é fundamental porque há outra pessoa que cometeu um crime, providenciou um documento (o termo de posse) para a obstrução da Justiça. Ela (Dilma Rousseff) cometeu um crime de obstrução da Justiça no exercício da presidência. É um crime gravíssimo e houve a divulgação para que o STF tome providências."Mais opiniões. Para o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Velloso, não há ilegalidade em tornar públicos diálogos de Lula, nem mesmo as conversas com a presidente Dilma Rousseff, embora ela tenha foro privilegiado e só possa ser investigada pelo STF.
“O telefone grampeado com autorização judicial era do investigado (Lula), não da presidente. Quem conversa não tem o direito de reclamar”, diz Velloso.
Em uma das conversas, gravada na quarta-feira, Dilma diz a Lula que um portador levaria para ele o termo de posse na chefia da Casa Civil, para ser usado “em caso de necessidade”. Para Velloso, “ficou claro que o ex-presidente Lula foi nomeado para o fim de ganhar foro privilegiado, o que é algo incompreensível”. Velloso questionou a justificativa do Palácio do Planalto de que o termo asseguraria a posse de Lula mesmo se o petista não pudesse estar presente na solenidade. “Nunca vi posse sem o empossando”, afirmou.
O ex-ministro do Supremo ressalta que os argumentos de todos os lados “devem ser considerados e examinados com rigor”, como na discussão sobre o fato de que a conversa entre Lula e Dilma foi gravada depois do despacho de Sérgio Moro que determinou o fim da interceptação telefônica. A Polícia Federal sustenta que, enquanto a operadora telefônica não executa a determinação judicial (de encerrar o grampo), os grampos continuam válidos na investigação.
Coordenador da graduação do curso de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV Rio),o advogado Thiago Bottino sustenta a tese de que nenhum diálogo de Lula – ou de qualquer outra pessoa que tenha sido grampeada durante uma investigação – pode ser tornado público. “Não poderia divulgar, independentemente de a interlocutora ser a presidente. Interceptações feitas ao longo de uma investigação devem ficar dentro do processo. A privacidade só pode ser afastada na investigação. A quebra de sigilo vale para dentro do processo, não dá à sociedade o direito de acesso a conversas telefônicas privadas”, diz.
Bottino também afirma que qualquer gravação feita depois do despacho do juiz Sérgio Moro suspendendo a interceptação deve ser descartada. “Tudo o que for feito depois da decisão deve ser destruído. E se a operadora (de telefonia) levar dois ou três dias (para executar a decisão judicial de suspender o grampo)?”, diz o professor. Na avaliação de Bottino, “não há nada que caracterize crime em nenhum dos áudios” divulgados até agora.
O fato de o advogado Roberto Teixeira também ter sido grampeado é outro motivo de discussão. Para Bottino, “a única hipótese de se interceptar conversa entre advogado e cliente é se o advogado estiver agindo como criminoso”. “Se isso não existe, é muito grave”, afirma.
Carlos Velloso lembra que o sigilo entre advogado e cliente vale apenas para o profissional formalmente constituído para a defesa e não para todos os advogados que dialogam com o investigado.