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Em dois anos, manifestações por tarifa zero dão lugar a 'coxinhas'

Atos na origem liderados por ativistas de esquerda culminam em grupos com perfil e bandeiras opostas

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Foto do author Pedro  Venceslau
Por Pedro Venceslau e Valmar Hupsel Filho
Atualização:

As passeatas contra o aumento da tarifa do transporte público lideradas pelo Movimento Passe Livre nas principais cidades brasileiras transformaram o mês de junho de 2013 no símbolo da retomada dos grandes protestos de rua no Brasil, após silêncio de mais de 20 anos. Dois anos depois, o legado das manifestações, que na origem foram lideradas por anarquistas, estudantes universitários e militantes de esquerda, foi a formação de uma nova geração de ativistas com perfil e bandeiras diametralmente opostas. 

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Para debater as mudanças que culminaram na criação dos grupos conservadores que comandaram as manifestações pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff em março e abril de 2015, o Estado levou ao vão-livre do Masp, epicentro dos atos, ativistas do MPL e dos grupos MBL (Movimento Brasil Livre), Nas Ruas e Acorda Brasil. 

De camisa preta com estampa de um homem chutando uma catraca, a estudante secundarista Luise Tavares, de 19 anos, conta que, dois anos depois, o Passe Livre mantém a pauta – a tarifa zero –, a atuação nas periferias e a defesa da melhoria do transporte público. O que mudou, segundo ela, foi a projeção do grupo, hoje maior. Tomar novamente a Paulista, por exemplo, não está mais nos planos, diz. 

Dois anos depois. Luise Tavares (esq.) e Carol Oliveira, do MPL, voltam ao vão do Masp para relembrar protestos de 2013 Foto: RODOLFO ALMEIDA/ESTADÃO

Para a historiadora Carol Oliveira, de 28 anos, também do MPL, a “inspiração” dos grupos que hoje se organizam em atos anti-Dilma no MPL é óbvia. Segundo ela, houve apropriação de gritos de guerra de 2013, como “Vem Pra Rua”, que dá nome a um dos grupos, além de outras referências, como a sigla MPL/MBL. “Eles têm uma inspiração discursiva populista que parece com a nossa, mas têm figuras centrais, o que não temos, e pauta diferentes. Defendem privatizar tudo, enquanto queremos transporte público.”

Pautas. O Passe Livre “assinou” a autoria de cinco protestos em junho de 2013. O último no dia 19, quando foi anunciado o recuo no preço da tarifa. Naquele momento, as manifestações – que já haviam alcançado grandes proporções – descambaram para a violência e assumiram reivindicações além da original. Protestava-se contra a corrupção, os políticos, a Copa do Mundo, por reforma política, entre outros. 

O sociólogo Rudá Ricci, autor do livro Nas Ruas, foi o primeiro a estudar a evolução dos acontecimentos, do MPL ao MBL. Segundo ele, entre os dias 13 e 17 de junho o Passe Livre conseguiu liderar os protestos, mas nos dias 20 e 22 começou a reação conservadora. “Foram criados eventos paralelos e tentaram ocupar as passeatas. Só conseguiram isso em São Paulo porque é uma cidade muito heterogênea”, disse. Para Rudá, foi o momento em que o MPL se retraiu e perdeu o controle da agenda dos atos. “Acusaram o golpe. Houve uma explosão de pautas, como as do grupo Anonymous e comitês da Copa.” 

Militante do Nas Ruas, Carla Zembeli disse que um coletivo de grupos já existia e fazia pequenos protestos contra o mensalão, por exemplo. Esse coletivo chegou a entregar uma lista de reivindicações à presidente Dilma Rousseff. “Nunca tivemos resposta”, afirmou. “A grande pena de 2013 foram os black blocs, o que tirou a família das ruas.” 

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Na opinião da socióloga Esther Solano, autora de Mascarados: A verdadeira história dos adeptos da tática Black Bloc, o que aconteceu em 2013 foi uma catarse coletiva que abriu caminho para as manifestações de 2015. “Os movimentos de esquerda e progressistas não quiseram entender e não souberam capitalizar. Já os setores conservadores souberam.” 

‘Gigante atordoado’. Na opinião do estudante Fernando Holiday, 19 anos, ativista do MBL, grupo criado em 2014, o principal legado de 2013, é que houve o crescimento da percepção do poder de ir às ruas para reivindicar. “As pessoas perceberam que isso é possível. Naquele mês o gigante acordou, mas meio atordoado, meio que sem saber o que queria. Eu mesmo fui a um dos protestos, mas quando vi um desfoque das pautas e a coisa ficou violenta eu percebi que não valia mais a pena”, disse.

Júlio Orfali, do Avança Brasil, completa: “O gigante acordou atordoado, mas aos poucos foi levantando. Hoje estamos muito melhor organizados e temos uma pauta séria. Não é mais um movimento sem foco, com pautas próximas e sem espaço para baderneiros.” 

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