Eduardo Cunha: trajetória de vitória, rancor e queda

Deputado afastado conseguiu, com apoio do baixo clero, articular pautas conservadoras e antipetistas enquanto comandou a Câmara

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Por Wilson Tosta
Atualização:
  Foto: DIDA SAMPAIO | ESTADAO CONTEUDO

RIO - Em pouco mais de um ano como presidente da Câmara dos Deputados, o economista Eduardo Cosentino da Cunha, deputado pelo PMDB do Rio afastado do mandato pelo Supremo Tribunal Federal, obteve sucesso naquilo que a oposição tradicional ao petismo fracassara em toda a década anterior. Com isso, ganhou força e confiança: “Renúncia não faz parte do meu vocabulário e nunca fará. Não há a menor possibilidade de eu não continuar à frente da Câmara”, disse em 21 de agosto do ano passado.

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À testa de uma pauta-bomba que implodia qualquer possibilidade de recuperação econômica do País e brandindo uma agenda conservadora e de fundo religioso, ele encurralou e escorraçou o PT do Planalto ao capitanear o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Foi uma façanha construída com um estilo que o diferencia dos políticos que atuam no Congresso, marcado por obstinação, frieza e uso flexível das regras do regimento interno. Assim, encantou apoiadores e enfureceu adversários.

“Aborto e regulação da mídia só serão votados passando por cima do meu cadáver”, avisou o deputado, pouco depois de eleito em fevereiro de 2015 para a presidência da Câmara, em entrevista ao Blog Estadão Rio. Evangélico da Assembleia de Deus, declarou guerra aos ativistas que lutam pelos direitos dos homossexuais. “Não tenho de ser bonzinho. Eles querem que esta seja a agenda do País, mas não é.”

Nascido no Rio, em 1958, em uma família de descendentes de italianos de Castelluccio Inferiore, região da Basilicata, o que lhe garantiu a dupla cidadania, começara a trabalhar aos 14 anos como corretor de seguros. Suas primeiras experiências com a política foram em 1982, na campanha de Eliseu Resende, candidato (derrotado) do PDS ao governo de Minas. Colaborou com a campanha, dessa vez vitoriosa, de Moreira Franco ao governo fluminense em 1986 e de Fernando Collor à Presidência em 1989, no PRN. Passou pela presidência da Telerj, nos anos 1990. Foi deputado estadual. Chegou à Câmara em 2003, quando foi para o PMDB.

A partir daí, reelegeu-se com votações crescentes e virou nome nacional do PMDB, com controle da bancada na Câmara e trânsito amplo no “baixo clero”, coletivo de deputados pouco expressivos. Foram eles – pelo menos 150 deputados – a base para sua vitória na disputa pela presidência contra o candidato do Planalto, Arlindo Chinaglia (PT-SP), por 267 a 136.

Antipetismo. Encerrada a disputa pelo comando da Câmara, o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB), aconselhou Cunha a fazer uma agenda ampla, que pacificasse a Casa e sua relação com Dilma. “Eu não tive o apoio do PT nas eleições, mas venci”, argumentou Pezão, segundo fonte do Palácio Guanabara. “Não”, respondeu.

Cunha elegeu Dilma como inimiga, desorganizou a base aliada e organizou uma agenda de oposição, com a “pauta-bomba”. As votações ajudaram a gerar a narrativa de ativismo legislativo que cercou sua gestão, com a aprovação de projetos como o da terceirização. A proposta foi aplaudida por empresários, mas atacada por sindicalistas.

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Mudança. A sorte de Cunha começou a mudar quando a Lava Jato apontou seu suposto envolvimento em desvios na Petrobrás. Ele foi citado como controlador de contas na Suíça, com US$ 5 milhões. O deputado, que negara à CPI da Petrobrás ter dinheiro no exterior, passou a enfrentar, além das acusações criminais, movidas pela Procuradoria-Geral da República, um processo no Conselho de Ética, acusado de mentir.

Em represália a votos dos petistas favoráveis à abertura da ação, Cunha, no mesmo dia, anunciou que aceitava o pedido de impeachment de Dilma. Isso não garantiu o que Cunha esperava: imunidade dos partidos da oposição ao petismo. Em 14 de junho deste ano o parecer pela cassação passou por 11 a 9.

A esta altura, Cunha também tinha a Procuradoria em seus calcanhares. Foram três acusações ao STF. Por unanimidade, a Corte o afastou. Ali, apesar de reafirmar que não renunciaria, Cunha sabia: sua jornada à frente da Câmara chegava ao fim.